Jango foi ao comício ao lado da primeira-dama Arquivo / O Globo |
Há
exatamente 50 anos, milhares de pessoas se espremiam na Central do Brasil, no
Rio, para ouvir as palavras do então presidente João Goulart, à época envolvido
com a tentativa de implementar as reformas de base que vinham sendo bloqueadas
pelo Congresso. Não à toa, o evento convocado para mobilizar as massas em apoio
ao presidente e suas iniciativas entrou para a História como o Comício das
Reformas ou Comício da Central.
O
ato foi marcado para acontecer três dias antes da abertura do ano legislativo
no Congresso, ocasião em que Jango mandaria uma mensagem aos parlamentares. O
edital de convocação para o comício deixava claro seus objetivos: demonstrar a
disposição do governo em implementar as reformas agrária, bancária,
administrativa, universitária e eleitoral. Há divergências sobre quantos
atenderam à convocação, e a estimativa de público variou de 100 mil a 300 mil
pessoas. Leia mais
Autor do livro “João Goulart, uma biografia” e professor de História da
Universidade Federal Fluminense (UFF), Jorge Ferreira lembra que, com a
legislatura que se iniciou em 1963, Jango tinha uma base que equivalia a 57%
das 409 cadeiras da Câmara. Eram parlamentares do partido do presidente, o PTB,
e do PSD. Quando o projeto de emenda constitucional a fim de que houvesse
reforma agrária foi para o Congresso, em maio de 1963, os dois partidos não se
entenderam. O PTB não queria que os proprietários de terra fossem indenizados.
Já o PSD julgava que deveria haver alguma indenização. Sem o entendimento na
base, a reforma foi rejeitada.
Jango, então, tentou pressionar o Congresso com a ajuda do povo. Foi
programada uma série de comícios. O primeiro deles, o da Central, foi o único a
acontecer. O último, agendado para o Dia do Trabalho em São Paulo, assim como
os outros, ficou no papel.
— Quando ele faz o Comício da Central do Brasil, está sinalizando que
vai governar com as esquerdas, e, para as direitas, isso é inadmissível. Aí,
elas partem para o golpe — explica Ferreira.
Durante o processo de organização do comício, o governador do estado da
Guanabara, Carlos Lacerda, e outros tantos setores da sociedade se mobilizavam
contra sua realização. Na madrugada do dia do evento, houve uma tentativa de
incendiar o palanque. Ao todo, 2.500 homens da Polícia do Exército foram
escalados para fazer a segurança do comício.
Em cima do palanque, estavam figuras como o deputado Leonel Brizola e os
governadores Miguel Arraes (Pernambuco), João Seixas Dória (Sergipe) e Badger
da Silveira (Estado do Rio). O presidente chegou ao comício às 19h44m, depois
de ter assinado, no Palácio Guanabara, dois decretos: o que dava início às
expropriações fundiárias e o que permitia a encampação de refinarias. Ao lado
da primeira-dama Maria Teresa Goulart, Jango iniciou seu discurso às 20h
daquele histórico 13 de março de 1964. Dias depois, ele seria deposto pelos
militares.
— Quem foi ao comício jamais poderia imaginar que dentro de 20 dias iria
ter um retrocesso. O evento foi muito bem organizado, com muita participação —
afirmou o jornalista Pedro Porfírio, de 70 anos.
Em sua fala, o presidente defendeu as reformas agrária e eleitoral, além
da revisão da Constituição de 1946. Vez ou outra, o chefe do Gabinete Civil da
Presidência, professor Darcy Ribeiro, soprava algo no ouvido de Jango, e o
presidente passava a falar sobre outro tema ainda não abordado no discurso.
Jango anunciou que regulamentaria o preço extorsivo de apartamentos e
residências desocupados. No dia seguinte, o presidente assinou o decreto
estipulando o tabelamento do preço de aluguéis e imóveis em todo o país.
— Ele estava altamente apoiado. Ali, naquele comício, era o povo de
verdade — afirmou Fernando de Santa Rosa, de 80 anos, que foi ao evento a
serviço, como capitão-tenente da Marinha, quando era assessor do
superintendente da Companhia Nacional de Navegação Costeira. — Foi uma pena
aquilo não ter vingado porque houve uma interferência exógena — completou o
ex-militar, cassado das Forças Armadas pelo AI-1 e preso por duas vezes, em
1964 e 1965.
Os setores mais conservadores reagiram com indignação às palavras e aos
gestos do presidente. Poucos dias depois, em 26 de março, centenas de
marinheiros liderados pelo marinheiro José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo,
recolheram-se ao Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio, em protesto contra
restrições impostas à categoria. As autoridades civis recusaram-se a punir os
sublevados, atitude que desnutriu ainda mais o governo Goulart. Em 31 de março
de 1964, os militares tomaram o poder.
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