Por Merval Pereira - O Globo
Merval Pereira |
Caberá ao decano do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Celso de Mello, a solução do impasse sobre a
admissibilidade dos embargos infringentes.
Para tanto, ele terá que levar em conta
não apenas os aspectos técnicos da questão, como também a repercussão da
decisão, para o próprio desenrolar do processo como até mesmo para a
credibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF).
Tendo sido um dos ministros que mais
veementemente expressaram o repúdio aos crimes praticados "contra a ordem
institucional" do país, certamente o ministro Celso de Mello estará
levando isso em conta para se pronunciar na próxima quarta-feira. Leia mais
Não é à toa, portanto que ele reafirmou
ontem em entrevista o que havia me dito dias atrás, registrado aqui na coluna:
que está refletindo muito sobre a questão da admissibilidade dos embargos
infringentes, levando em conta o que disse na sessão do dia 2 de agosto, a
favor dos embargos infringentes, e todos os trabalhos sobre o assunto
produzidos tanto pelas defesas quanto pela Procuradoria Geral da República,
além dos votos de seus companheiros nas duas sessões desta semana.
Nas últimas sessões ele deu mostras de
que se inclinava pela admissibilidade dos embargos infringentes, e ontem
permitiu que o ministro Lewandowski citasse essa sua posição, como uma
sinalização da que tomará na quarta-feira.
O voto da ministra Carmem Lucia na
sessão de ontem do julgamento do mensalão foi fundamental para destacar a
distorção que a aceitação dos embargos infringentes provocará no sistema
jurídico brasileiro, tema que já havia sido abordado na véspera pelo ministro
Luiz Fux.
O fato de que o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) não tem embargos infringentes, por ter sido criado depois da
Constituição de 1988, demonstra para ela que haverá uma falta de isonomia com
relação aos que forem julgados por aquele Tribunal diante daqueles processos
que tiverem como foro o Supremo Tribunal Federal, se aqueles instrumentos
recursais forem admitidos.
Seguindo o mesmo raciocínio, o ministro
Marco Aurélio Mello afirmou que a lei 8.038 revogou, sim, o artigo 333 do
Regimento Interno do STF por que é incompatível com o processo definido na lei,
pois sua adoção criaria uma disfunção no sistema jurídico nacional que, como
ressaltou a ministra Carmem Lucia, deve ser único e coerente entre si no país
todo.
A incompatibilidade é uma das três
razões de revogação de legislação previstas na Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro, sendo as outras duas: quando a nova lei revogue
expressamente; ou regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
O ministro Marco Aurélio, que tem como
conceito recorrente que "o sistema tem que fechar", expressou assim o
entendimento de que não é possível aceitar-se a utilização de um recurso apenas
em favor de alguns condenados, justamente aqueles que têm foro privilegiado,
isto é, têm o privilégio pela Constituição de serem julgados pela mais alta
Corte do país, o que representaria um julgamento protegido por todas as
garantias legais possíveis.
Portanto, ser justamente a última
instância do sistema judiciário brasileiro a única Corte a ter em seu processo
de julgamento de ações penais originárias os embargos infringentes demonstraria
a incongruência da decisão.
O STF estaria, a serem admitidos tais
recursos, sendo regido por um regimento interno anacrônico, escrito muito antes
do advento da Constituição de 1988, a partir da qual foi montado o sistema
jurídico brasileiro em funcionamento, com a criação de novos tribunais e novas
regras para o funcionamento do Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo
Tribunal Federal.
O regimento interno teria ficado
congelado, na expressão de Marco Aurélio, por que o Supremo perdeu até mesmo a
capacidade de modificá-lo depois que passou para o Congresso a tarefa de
legislar sobre questões ligadas a processos nos tribunais superiores.
As leis posteriores aprovadas pelo
Congresso passaram a regulamentar a atuação dos tribunais, razão pela qual os 5
ministros que votaram contra a aceitação dos embargos infringentes consideram
que o Regimento Interno do STF está superado por elas.
O Ministro Gilmar Mendes lembrou a
repercussão que a decisão terá na magistratura, pois "o tribunal rompeu
com a tradição da impunidade." Já Marco Aurélio Mello lamentou que o
tribunal que "sinaliza uma correção de rumos visando um Brasil melhor para
nossos bisnetos", estivesse se afastando desse caminho: "Estamos a um
passo de desmerecer a confiança que nos foi confiada".
Ou a um voto, ressaltou, olhando para o
ministro Celso de Mello.
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