Por Kennyo Smail
1.
Introdução
A Maçonaria possui diferentes tipos de
calendários, usados nos mais diversos ritos e épocas, cada um com
sua própria
lógica e significados. Porém, isso tem gerado certas confusões históricas,
principalmente no Brasil, com sua pluralidade de Ritos e carência de registros
legais disponíveis, de bibliotecas maçônicas e, principalmente, de literatura
maçônica de qualidade.Nesse cenário caótico, muitas vezes as Obediências
Maçônicas, Lojas e demais corpos maçônicos brasileiros encontram dificuldades e
não encontram consenso na adoção dos calendários utilizados em seus
certificados.
Pensando nisso, este artigo tem por objetivo
disponibilizar uma relação dos tipos de calendários maçônicos existentes e seus
mecanismos de funcionamento, de forma a esclarecer de uma vez por todas esse
tema, disponibilizando aos interessados, sejam estudiosos de Maçonaria ou
secretários com a missão de confeccionar diplomas, acesso a informação
organizada e confiável.
Dessa forma, espera-se colaborar com a
redução de confusão resultante do registro de data em atas, documentos e
certificados maçônicos brasileiros, matéria essa que deveria ser das mais
simples, mas que faz com que até comemoremos o Dia do Maçom no dia errado.
2.
Tipos de Calendários
2.1.
Calendários Não-Maçônicos
Calendários que não são genuinamente
maçônicos, mas suas menções são importantes, visto que servem de base para o
cálculo de um ou mais sistemas de datação utilizados na Maçonaria. Há vários
outros calendários não maçônicos que foram ou ainda são utilizados em algumas
situações, entretanto, por não terem relação direta com os calendários
maçônicos apresentados neste artigo, não serão mencionados.
2.1.1.
Era Comum, Era Corrente ou Era Vulgar (E.´. V.´.)
Também conhecido como Anno Domini, termo
em latim que significa “Ano de nosso Senhor”, o qual pode ser encontrado por
sua sigla, A.´. D.´.. Trata-se do calendário gregoriano, promulgado pelo Papa
Gregório XIII em 24 de Fevereiro de 1582 (THIBAULT, 1981), e adotado como ano
civil em praticamente todos os países. O Papa Gregório determinou a criação de
um novo calendário porque o calendário juliano, que se utilizava desde 46 a.C.,
arredondava o ano solar para 365 dias e 6 horas, o que dava uma diferença de
mais de 11 minutos por ano em comparação com o ano solar real (COIL, 1961, p.
112). Com o passar dos séculos, isso havia gerado uma diferença de dias, e o
Papa desejava determinar corretamente a data da Páscoa. Naquele ano de 1582, a
quinta-feira do dia 04 de Outubro, foi seguida por uma sexta-feira, dia 15 2Originalmente
publicado em: http://www.noesquadro.com.br/de Outubro, corrigindo o desvio do
calendário anterior, e os anos passaram a ter exatos 365 dias, adotando-se o
sistema de anos bissextos para suas correções periódicas.
Esse é o calendário que dá origem ao
formato do dia 20 de Junho de 2013, data que servirá de comparação aos demais
calendários. A Maçonaria deve utilizá-lo para todos os documentos, atas e
certificados legais e para pranchas e comunicações direcionadas a pessoas ou instituições
do mundo profano.
2.1.2.
Calendário Judaico
Calendário utilizado no Judaísmo,
adotado principalmente para as datas religiosas(BASSINI, 2004). Os judeus
ortodoxos também utilizam para registrar nascimentos, casamentos e outras datas
importantes. Trata-se de calendário no qual os meses são baseados no ciclo
lunar, enquanto os anos são baseados no ciclo solar. Dessa forma, os anos se
intercalam entre de 12 e 13 meses. Mas é desaconselhada aos corpos maçônicos a
utilização desse calendário, visto ser um calendário religioso.
No calendário judaico, a data de 20 de
Junho de 2013 é: 12 de Tamuz de 5773.
2.2.
Calendários Maçônicos
2.2.1.
Calendário da Maçonaria Simbólica
A Maçonaria Simbólica, ou seja, as
Obediências Maçônicas e suas Lojas, deve adotar o Anno Lucis (Ano da Luz),
abreviado como A.´. L.´.. Sua data é calculada acrescentando 4000 anos à data
do ano civil corrente.
A adoção do Anno Lucis na Maçonaria
Simbólica foi iniciativa de James Anderson, que acreditava que a Maçonaria
deveria ter uma forma própria de marcar as datas, diferente de calendários
religiosos como o judaico e o gregoriano. Ele tomou por base os cálculos de um arcebispo
anglicano irlandês, James Ussher, que determinou, com base nos registros
bíblicos, que o mundo teve origem no ano de 4.004 a.C. (BARR, 1985). Para facilitar
a utilização, Anderson arredondou a criação do mundo para 4.000 a.C. (COIL,
1961, p. 112).
Dessa forma, tendo como exemplo o dia 20
de Junho de 2013, tem-se: 20 de Junho de 6013 do A.´. L.´.. Esse é o sistema
utilizado pelas Grandes Lojas de todo o mundo, e o recomendado às Lojas e
Grandes Lojas ou Grandes Orientes brasileiros para utilização nos certificados
de concessão dos graus simbólicos, cartas constitutivas e demais documentos que
sejam estritamente maçônicos. Sugere-se a utilização desse calendário no
Simbolismo, independente do Rito adotado na Loja, de forma a padronizar a
datação de certificados e cartas constitutivas pelas Obediências, reduzindo
assim possíveis confusões. Dessa forma, os calendários específicos dos ritos
têm suas adoções restritas aos seus respectivos Altos Graus. Leia mais
2.2.2.
Calendário do Rito Escocês Antigo e Aceito
Houve ocasiões no passado em que se
verificou o uso do calendário hebraico em alguns Supremos Conselhos do REAA,
adotando a sigla A.´. H.´., de Anno Hebraico, após a data (MACKEY, 1914, p.
129). No entanto, via de regra, atualmente adota-se nos Altos Graus do REAA o
sistema de Anno Mundi (Ano do Mundo), A.´. M.´., que é inspirado no Calendário Judaico,
apesar de diferente desse. O sistema funciona da seguinte maneira nos dois
Supremos Conselhos do REAA norte-americanos: Entre 01 de Janeiro e 31 de
Agosto, deve-se adicionar 3760 anos ao ano civil corrente. Já entre 01 de
Setembro e 31 de Dezembro, deve-se adicionar um ano extra, ou seja, 3761 anos
ao ano civil corrente. Dessa forma, todo ano inicia-se no dia 01 de Setembro do
ano anterior e encerra-se em 31 de Agosto do ano corrente, devendo os meses serem
mencionados por número ordinal. Assim sendo, Setembro é o 1º mês, Outubro o 2º,
Novembro o 3º, e Agosto o 12º. Trata-se de sistema adotado pela maioria dos
Supremos Conselhos do Rito no mundo. Como exemplo, o dia 20 de Junho de 2013
seria 20 do 10º mês de 5773 do A.´. M.´.
2.2.3.
Calendários do Rito de York
2.2.3.1.
Calendário da Maçonaria Capitular ou do Real Arco
Os Graus Capitulares do Rito de York
abrangem um sistema de 04 graus: Mestre de Marca, Past Master, Mui Excelente
Mestre e Maçom do Real Arco. Esses graus são concedidos em Capítulos de Maçons
do Real Arco, subordinados a Grandes Capítulos de Maçons do Real Arco, os quais
são filiados ao Grande Capítulo Geral de Maçons do Real Arco Internacional (General
Grand Chapter of Royal Arch Masons International). Esses corpos adotam o Anno Inventionis,
que significa “Ano do Descobrimento” e é abreviado como A.´. I.´.. Ele é
calculado somando 530 anos ao ano civil corrente (COIL, 1961; MACKEY, 1914). Os
maçons do Real Arco registram essa data porque foi o ano em que Zorobabel
iniciou a construção do segundo Templo, em 530 anos antes de Cristo. A seguinte
passagem bíblica está relacionada com a construção: “Então se levantaram
Zorobabel, filho de Salatiel, e Jesuá, filho de Jozedeque, e começaram a
edificar a casa de Deus, que está em Jerusalém; e com eles os profetas de Deus,
que os ajudavam.” (BÍBLIA, 1969, Esdras 5:2).
Como exemplo, o dia 20 de Junho de 2013
é: 20 de Junho de 2543 do A.´. I.´.
2.2.3.2.
Calendário da Maçonaria Críptica ou da Maçonaria de Conselho
Os Graus de Conselho ou Graus Crípticos
do rito de York abrangem um sistema de 03 graus: Mestre Real, Mestre Escolhido
e Super Excelente Mestre. Esses graus são concedidos em Conselhos de Maçons
Crípticos, os quais são subordinados a Grandes Conselhos de Maçons Crípticos,
esses últimos filiados ao Grande Conselho Geral de Maçons Crípticos
Internacional (General Grand Council of Cryptic Masons International). Esses
corpos utilizam o sistema de Anno Depositionis (Ano do Depósito), cuja sigla é
A.´. Dep.´. e que é calculado somando-se 1.000 anos ao ano civil corrente
(COIL, 1961; MACKEY, 1914). O uso desse ano é em observância ao ano em que a
construção do Templo de Salomão foi concluída e o Templo foi consagrado, tendo
em seu interior depositada a Arca da Aliança: “Assim se acabou toda a obra que
fez o rei Salomão para a casa do Senhor; então trouxe Salomão as coisas que seu
pai Davi havia consagrado; a prata, e o ouro, e os objetos pôs entre os
tesouros da casa do Senhor.” (Reis I 7:51).
Assim, o dia 20 de Junho de 2013 é
registrado como: 20 de Junho de 3013 do A.´. Dep.´.
2.2.3.3.
Calendário da Maçonaria Templária ou da Cavalaria Maçônica
As Ordens de Cavalaria Maçônica são 03:
Ordem da Cruz Vermelha, Ordem de Malta e Ordem dos Cavaleiros Templários. Essas
ordens são concedidas em Comanderias Templárias, que são subordinadas a Grandes
Comanderias, essas últimas filiadas ao Grande Acampamento Templário. Esses
corpos usam o formato de Anno Ordinis, termo em latim que significa “Ano da Ordem”
e que é abreviado como A.´. O.´.. É calculado subtraindo 1118 anos do ano civil
corrente (COIL, 1961; MACKEY, 1914), visto a Ordem dos Templários ter sido
oficialmente fundada no ano de 1.118 (i.e.: AYALA, 2005).
Para ilustrar seu uso, o dia 20 de Junho
de 2013 seria: 20 de Junho de 895 do A.´. O.´.
2.2.3.4.
Calendário da Ordem do Sumo Sacerdócio
Mais conhecida no Brasil como a Ordem
dos Sumos Sacerdotes Ungidos, essa é uma Ordem concedida àqueles eleitos para
servirem como Sumos Sacerdotes (Presidentes) de Capítulos de Maçons do Real
Arco. É o correspondente no Real Arco à Instalação de um Venerável Mestre
Eleito na Maçonaria Simbólica. Na Ordem do Sumo Sacerdócio adota-se o Anno
Beneiacio (Ano da Benção), abreviado como A.´. Beo.´., que é calculado
adicionando 1913 anos ao ano civil corrente, pois acredita-se que Abraão foi
abençoado por Melquisedeque em 1913 a.C.: “Porque este Melquisedeque, que era
rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, e que saiu ao encontro de Abraão
quando ele regressava da matança dos reis, e o abençoou” (Hebreus 7:1).
Desse modo, o dia 20 de Junho de 2013 é:
20 de Junho de 3926 do A.´. Beo.´. na Ordem dos Sumos Sacerdotes Ungidos.
2.2.3.5.
Calendário da Ordem dos Cavaleiros Sacerdotes Templários do Santo Arco Real
Também conhecida como Ordem da Santa
Sabedoria, possui uma versão inglesa e outra norte-americana. A inglesa é
restrita a maçons que sejam Mestres Instalados, Maçons do Arco Real, Cavaleiros
Templários e professem a fé cristã. Sua versão norte-americana, considerada como
um corpo aliado ao Rito de York, é muito mais restrita, exigindo também que o
candidato tenha servido como Comandante de uma Comanderia Templária. Essa Ordem
utiliza o Anno Renascenti (Ano do Renascimento), cuja sigla é A.´. R.´., e no
qual se subtrai 1686 anos do ano civil corrente.
Exemplificando, o dia 20 de Junho de
2013 fica sendo: 20 de Junho de 327 do A.´. R.´.
2.2.4.
Calendário do Rito Adonhiramita
O Rito Adonhiramita é um rito de origem
francesa, cujo calendário foi abolido pelo Grande Oriente de França em
12/10/1774, por gerar grande confusão em sua datação. As primeiras Lojas na
cidade do Rio de Janeiro, a Loja “Reunião” e depois a Loja “Comércio e Artes”,
trabalharam inicialmente no Rito Adonhiramita, adotando seu calendário original.
Já quando do reerguimento da Loja “Comércio e Artes” e sua divisão em três
Lojas para a fundação do então Grande Oriente Brasílico, os trabalhos já
ocorreram no Rito Moderno.
Porém, assim como “o uso do cachimbo
deixa a boca torta”, a Loja “Comércio e Artes” por um bom tempo teve suas atas
datadas ainda pelo calendário do Rito Adonhiramita, o que originou, anos
depois, a confusão do Dia do Maçom.
O sistema do Calendário Adonhiramita tem
por base o início do ano no dia 21 de Março, fixando nesse dia o Equinócio
Vernal. Soma-se então ao ano 4000 anos, como no calendário maçônico original,
criado por James Anderson. O termo utilizado para designar o ano também é “Verdadeira
Luz”, similar ao termo adotado por Anderson, de Anno Lucis (Ano da Luz).
Considerando esse sistema, o dia 20 de
Junho de 2013 é o 31º dia do 3º mês de 6013 da V.´. L.´., no Rito Adonhiramita.
2.2.5.
Calendário do Rito Moderno
O Rito Francês, também conhecido como
Rito Moderno, foi adotado no Grande Orienteda França quando de sua Convenção de
1786 (i.e.: COIL, 1961, p. 268; MACKEY, 1914, p. 285). O calendário do Rito
Moderno é o calendário tido como oficial no âmbito do Grande Oriente de França
desde 1774, em substituição do calendário do Rito Adonhiramita. Esse calendário
era baseado no sistema adonhiramita, com a diferença de que se passou a adotar
como primeiro dia do ano o dia 1º de março (COIL, 1961, p. 113), e os meses passaram
a ser contados pelo número ordinal. Isso facilitava no cálculo, visto que o
sistema adonhiramita gerava bastante confusão. O termo relacionado ao ano
geralmente utilizado também é o da Verdadeira Luz: V.´. L.´., ou, em alguns
registros do Rito Moderno, Vraie Lumiere (MACKEY, 1914, p. 129).
Assim, o dia 20 de junho de 2013 é o 20º
dia do 4º mês de 6013 da V.´. L.´. para o Rito Moderno.
3.
Comentários Finais
A Maçonaria Brasileira é, sem dúvida
alguma, uma das mais “bem servidas” em se tratando de ritos maçônicos, como bem
evidencia João Guilherme da Cruz Ribeiro (2012, p. 11). Com exceção do Rito
Brasileiro que, por coincidência ou não, parece não possuir calendário próprio,
os demais ritos em prática no Brasil são sistemas importados, a maioria
chegando ao Brasil ainda no século XIX. E cada rito, ou mesmo segmento de rito,
chegou com sua própria história, seus próprios termos, paramentos e regras de
funcionamento, resultantes de diferentes origens, inspirações e influências.
Iniciativa inaugurada por James
Anderson, quando da Primeira Grande Loja de Londres, o primeiro calendário
maçônico, por sinal muito simples de se utilizar, tinha por objetivo claro dar
uma identidade própria ao registro das datas maçônicas, numa época em que ritos
formalmente ainda não existiam. Conforme foram surgindo, cada rito parece ter
utilizado da mesma estratégia para deixar sua marca na datação dos documentos e
registros maçônicos.
Nos últimos anos, muitos desses
calendários maçônicos têm caído em desuso. E quando utilizados, geralmente são
acompanhados pela data no formato do calendário civil. Por esse motivo, não é
de se estranhar que muitos maçons, mesmo com algumas décadas de experiência, desconheçam
o funcionamento dos mesmos, até mesmo quando adeptos de um dos ritos que os possui.
Portanto, que este trabalho não sirva
apenas para saciar a curiosidade daqueles que o leem, ou para servir de
orientação quando se desejar confeccionar um certificado maçônico com certo
requinte, senão para também registrar, de forma sucinta e organizada, um dos
elementos que compõem a história dos ritos aqui citados e que pode simplesmente
se perder nas brumas do tempo.
4.
Referências Bibliográficas
AYALA, Carlos Martinez – “Origem,
Significado e Tipologia das Ordens Militares”, As Ordens Militares na Europa
Medieval, dir., por Feliciano Movoa Portela, 1ª ed., em Portugal, Lisboa, Chaves
Ferreira – Publicações S.A., 2005
BARR, J. Why the World Was Created in 4004 BC: Archbishop Ussher and
Biblical Chronology. Bulletin of the John Rylands University. 1985, vol. 67,
no2, pp. 575-608.
BASSINI, Marili. Ensino Religioso:
educação pró-ativa para a tolerância. Revista de Estudos da Religião Nº 2, p.
49-64, 2004.
BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada:
Antigo e Novo Testamento. Tradução: João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade
Bíblica do Brasil, 1969.
COIL, Henry Wilson; BROWN, William M. Coil’s Masonic Encyclopedia. New
York: Ed. Macoy,1961.
MACKEY, Albert. An Encyclopedia of Freemasonry. New York e Londres: The
Masonic History Company, 1914.
RIBEIRO, João Guilherme da Cruz. O Nosso
Lado da Escada. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2012.
THIBAULT, Pierre. O Período das
Ditaduras 1918-1947. História Universal 12. Lisboa:Publicações Dom Quixote, 198
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