DONA FIFA, ACARAJÉ E A CARTA DE VESPASIANO

*Por Barbosa Nunes
Irmão Barbosa Nunes
“Dona” é um título que antecede o nome a quem se deseja demonstrar cortesia, deferência ou respeito. Gravo com saudade e muito apreço, “dona Dadinha”, mãe de minha companheira, Vera Lúcia Brandão Barbosa, como exemplo de valorização do vocábulo “Dona”.
Mas quero me referir à “dona” com letra minúscula, proprietária em todos os pontos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014. Submeteu o Brasil aos seus interesses. Esta Copa não é do Brasil, é totalmente da FIFA.
O evento envolve bilhões de dólares. São redes de marketing, turismo, comércio, hotelaria, passagens aéreas, construção de estádios. Marca exclusiva que proíbe o seu uso senão pago à FIFA. Domínio de dois quilômetros ao redor das praças esportivas que terão jogos, com vendas de artigos e produtos somente por ela autorizados, como os sanduiches hamburgers das redes internacionais, refrigerante Coca Cola, Nike e tantos outros.
Nós brasileiros, estaremos na corrente de patriotas, que é espírito de solidariedade entre pessoas, exatamente  em momentos que faltam ao povo, escolas, rede de saúde pública, transporte coletivo, segurança, sobrando corrupção que enriquecerá nesta Copa do Mundo, muitos aqui e outros fora do país.
Os nomes dos estádios foram impostos pela FIFA, mas o povo não aceitou a mudança do nome do Estádio Mané Garrincha, de Brasília. Este sempre será o Estádio Mané Garrincha. Aqui mesmo neste espaço, escrevemos em 5 de novembro de 2011 o artigo “Mudança do nome do Estádio Mané Garrincha é um absurdo”.
Brasília levantou o movimento “Fica Mané Garrincha”. Na alma e na boca do povo ficou. A vergonhosa iniciativa por interferência da FIFA e da CBF, mudava o nome para “Estádio Nacional de Brasília”, mas prevaleceu o movimento, hoje é “Estádio Nacional Mané Garrincha”.
Mas veja a que submissão o Brasil chegou. Após uma longa negociação, a FIFA liberou nos últimos dias a venda do acarajé nos jogos da Arena Fonte Nova, em Salvador. Apesar dos pedidos, o acarajé não poderia ser vendido nas áreas controladas pela organização da Copa, mantendo as baianas a uma distância além de 2 quilômetros, pois nas áreas próximas, só podem ser vendidos os produtos dos patrocinadores da Copa.
Autorização foi dada com muita resistência e sob limites. Em apenas uma das entradas do estádio, com quiosques especiais e não poderão fritar acarajé na área de circulação das pessoas. Apenas seis baianas foram permitidas a vender acarajé na Fonte Nova.
Acarajé símbolo da Bahia, patrimônio do Brasil, bolinho frito em azeite de dendê e feito com massa de feijão-fradinho, cebola e sal, petisco da culinária afro brasileira, bem cultural de natureza imaterial. Foi preciso a interferência da presidente Dilma Rousseff e do governador da Bahia, Jaques Wagner, para a liberação da venda, o que ocorreu após um ano de negociação, inclusive com abaixo assinado de milhares de pessoas.
Acrescente-se mais ainda, campanhas e campanhas são feitas pelo poder público, conscientizando que o uso do álcool não combina com direção. As estatísticas mostram milhares de acidentes ceifando vidas ou inutilizando pessoas, a maioria em idade jovem.Temos lei de tolerância zero para o uso do álcool, antes de conduzir veículos. As cervejarias foram mais fortes e o interesse da FIFA mais uma vez foi superior ao da saúde do brasileiro.
Foi autorizada a venda de cerveja nos estádios durante os jogos. Na emoção da torcida, no calor de um jogo, o consumo será muito maior e grande parte sairá entorpecida dos estádios, para voltar às suas residências em seus veículos. Com certeza muitos não voltarão vivos.
O que levou a construção de estádios moderníssimos e monumentais para esta Copa?
Em Cuiabá, a Arena Pantanal terá quarenta e três mil e seiscentos lugares. No último campeonato do Mato Grosso, a média de torcedores foi interior a mil pessoas por partida.
Em Recife um novo estádio, embora todos os grandes clubes locais já tenham o seu. Em Manaus pior ainda. A arena terá quarenta e sete mil lugares. No último campeonato estadual, somando os 80 jogos, o público total foi de trinta e sete mil, novecentos e setenta e um torcedores.
Será que o povo brasileiro merece tudo isso ou se tem razão o imperador romano Vespasiano, que governou de 69 a 79, d.C, que em sua carta intitulada “Onde o povo prefere pousar seu clunis?” (em latim, clunis são nádegas) disse ao seu filho Tito, a mim enviada pelo fraterno irmão maçom e distinto leitor, Olavo Junqueira de Andrade, da cidade de Goiatuba – Goiás,.
“22 de junho de 79 d.C. Tito, meu filho, estou morrendo. Logo eu serei pó e tu, imperador. Espero que os deuses te ajudem nesta árdua tarefa, afastando as tempestades e os inimigos, acalmando os vulcões e os jornalistas. De minha parte, só o que posso fazer é dar-te um conselho: não pare a construção do “Colosseum”. Em menos de um ano ele ficará pronto, dando-te muitas alegrias e infinita memória. Alguns senadores o criticarão, dizendo que deveríamos investir em esgotos e escolas. Não dê ouvidos a esses poucos. Pensa: onde o povo prefere pousar seu clunis: numa privada, num banco de escola ou num estádio? Num estádio, é claro.
Será uma imensa propaganda para ti. Ele ficará no coração de Roma por “omnia saecula saeculorum”, e sempre que o olharem dirão: ’Estás vendo este colosso? Foi Vespasiano quem o começou e Tito quem o inaugurou’.
Outra vantagem do “Colosseum”: ao erguê-lo, teremos repassado dinheiro público aos nossos amigos construtores, que tanto nos ajudam nos momentos de precisão. ’Moralistas e loucos dirão, que mais certo seria reformar as velhas arenas. Mas todos sabem que é melhor usar roupas novas que remendadas. “Vel caeco appareat” (Até um cego vê isso).
Portanto, deves construir esse estádio em Roma. Enfim, meu filho, desejo-te sorte e deixo-te uma frase: “Ad captandum vulgus, panem et circenses” (Para seduzir o povo, pão e circo). Esperarei por ti ao lado de Júpiter”.
Será que a Carta de Vespasiano diz alguma coisa sobre a Copa da FIFA?
*Barbosa Nunes, advogado, ex-radialista, membro da AGI, delegado de polícia aposentado, professor e maçom do Grande Oriente do Brasil – barbosanunes@terra.com.br

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