Um Papa sofredor

Por Barbosa Nunes*
Barbosa Nunes
Não falarei muito neste artigo sobre o papa Francisco, que vem encantando o mundo pelos primeiros gestos e pronunciamentos, mas falando do papa Bento XVI, que não foi carismático, autor de uma decisão, a mais importante dos últimos tempos da história da igreja, na minha concepção. Não foi omisso, tentou e não conseguindo, abriu espaço e permitiu a possibilidade de um novo caminho, de uma autocrítica sincera. Da sua renúncia veio Jorge Mário Bergoglio, que não fazia parte da cúria dominante e na eleição anterior do próprio Bento XVI, já havia recebido bom número de votos dos cardeais. Leia mais
Francisco adota uma missão de abrir um pouco mais a igreja aos seus fiéis com uma linha muito bem vista. Estar junto com os pobres, sendo tolerante, sincero e com o seu sorriso e simplicidade.

Algumas frases basilares do seu pensamento. Sobre a igreja: “Temos que evitar a doença espiritual de uma igreja autorreferencial. Se a igreja permanece fechada em si mesma, ela fica velha. Entre uma igreja que sofre acidente na rua e uma igreja que está doente, porque é autorreferencial, não tenho dúvidas sobre preferir à primeira”. “A igreja precisa ser irrepreensivelmente correta. A igreja não pode ser uma ONG”.

Sobre o aborto: “O aborto nunca é uma solução. Ao falar de uma mãe grávida, falamos de duas vidas, e ambas devem ser preservadas e respeitadas, pois a vida é de um valor absoluto”.

Sobre miséria material e moral: “Pouco a pouco nos acostumamos a ouvir e a ver, através dos meios de comunicação, a crônica negra da sociedade contemporânea. O império do dinheiro com seus efeitos demoníacos como as drogas, a corrupção, o tráfico de pessoas, junto com a miséria material e moral, são frequentes”.

Sobre filhos de mães solteiras: “Em nossa região (Argentina), existem padres que não batizam os filhos de mães solteiras porque entendem que eles não foram concebidos na santidade do casamento. Esses são os hipócritas de hoje. Aqueles que separam o povo de Deus da salvação e essa pobre mãe que teve a coragem de trazer o filho ao mundo, é obrigada a ir de paróquia em paróquia, até que a criança seja batizada”.

Sobre Deus: “Deus jamais se cansa de nos perdoar. Nós é que nos cansamos de pedir perdão”. Discurso pronunciado na Oração do Ângelus, no domingo, 17 de março, marcado pelo perdão e pela misericórdia.

Quanto à responsabilidade do homem, como bom guardião dos ensinamentos de Deus, disse: “Quando o homem falha nesta responsabilidade, quando não cuidamos da criação e dos irmãos, então encontra lugar a destruição e o coração fica ressequido. Infelizmente, em cada época da história, existem Herodes que tramam desígnios de morte, destroem e deturpam o rosto do homem e da mulher”.

Bento XVI foi o 266° papa, sucedendo a João Paulo II. Nascido como Joseph Aloisius Ratzinger em 16 de abril de 1927. Não tinha o mesmo carisma que seu antecessor, porém, dotado de uma enorme cultura geral.

Teólogo brilhante e autor de dezenas de livros e duas encíclicas, pianista e afixionado em Mozart e Bach. Fala fluentemente italiano, francês, latim, inglês e espanhol, também sabendo ler grego e hebraico. Privilegiou a qualidade dos crentes, em vez da quantidade, defendendo a necessidade de preservar a doutrina em prol de um catolicismo mais puro, mesmo que significasse redução de um número de fiéis.

Foi eleito aos 78 anos, em 19 de abril de 2005, tomando posse no dia 24 do mesmo mês, na Basílica de São Pedro, este primeiro papa da igreja, nos anos de 30 a 47. Bento XVI sempre defendeu que a igreja mantivesse com rigor os seus princípios no campo da moral e da ética.

Ao anunciar a surpreendente renúncia em 11 de fevereiro de 2013, declarou que “Tinha conhecimento da gravidade de sua decisão, mas que a igreja será sustentada por Deus e pela fé, apesar das dificuldades”. Acrescentou com espírito de estadista e alma sofrida que: “Renuncio pelo bem da igreja. Rezei por muito tempo e examinei minha consciência”.

Na carta de renúncia assim se expressou aos cardeais: “Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente, sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário, também, o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma”.

Na última audiência, dia 27 de fevereiro falando a milhares, disse que: “Seu papado teve águas agitadas e vento contrário”, completando, afirmou que o período “teve alegrias, mas também muitas dificuldades, com o Senhor dando muitos dias de sol e ligeira brisa, dias os quais a pesca foi abundante”, afirmando “ter fé em que Deus não vai deixar a igreja afundar”. Pois vê uma igreja viva, reafirmando que sua renúncia “não foi para o seu bem, mas para o bem da igreja, pois amar a igreja também significa ter a valentia de tomar decisões difíceis, tendo sempre presente o bem da igreja e não o de si próprio”.

Para mim o papa Bento XVI ficará marcado, positivamente, pelo seu gesto de fé e sentimento profundo pela igreja, que deve aproveitar esta oportunidade, propiciada pela seu renúncia, para se reformular.

Papa Bento XVI, um grande papa.

*Barbosa Nunes,e Grão-Mestre da Maçonaria Grande Oriente do Estado de Goiás

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