Artigo do Grão Mestre Barbosa Nunes
O mundo caiu. Caiu sobre pais,
mães, famílias inteiras. No auge da vida em plena alegria e em luta e
sacrifício para se credenciarem profissionalmente, jovens com suas namoradas,
amigos, colegas, inclusive irmãos carnais, se divertiam com pureza de alma. Em
segundos o mundo caiu.
O espaço em que se encontravam
era símbolo de liberdade, por ser local de diversão, de encontro, de
romantismo, mas cercado de irresponsabilidade que causou uma das maiores
tragédias da história do nosso país.
Centenas de moços e moças se
prepararam com boas roupas, bem perfumados, sorriso no rosto, talvez para
concretizar um compromisso de coração, antecipado por boas conversas nas
faculdades de Santa Maria. Saíram de suas casas para se divertirem na noite de
sábado. Jamais voltarão.Leia mais
Entraram por uma porta
estreita, a mesma de saída, cercados por materiais inflamáveis, em
estabelecimento sem plano e orientação para saída emergencial. Inocentemente
não poderiam perceber que se encontravam em uma jaula trancada e expostos a uma
armadilha. Vibraram mais quando a pirotecnia dos fogos iluminou fortemente o
palco, dando a impressão de uma chuva de estrelas que alcançou o teto. Em
segundos o fogo se espalhou.
Amontoados uns sobre os
outros, como se fossem sacos em armazéns, morreram queimados ou asfixiados em
uma boate chamada Kiss. Kiss, que em inglês é beijo. Beijo da
irresponsabilidade, beijo da morte. Beijo da ganância para ganhar mais, para
ter lucro maior, superlotando o local. Beijo que pais e mães não receberão mais
dos seus filhos.
Hoje estão fragmentados,
destroçados e também morrendo juntos com a dor da saudade e da indignação. Só
que morrerão minuto a minuto.
Penso, medito e não sou capaz
de calcular o mínimo da dor que essas mães e pais estão sofrendo. Os pais e
mães sempre lembrarão deles como “os meninos, as crianças”, pois filhos não tem
idade, sempre são de colo.
De quem é a culpa?
Exclusivamente do músico que ao levantar a mão possibilitou que a faísca
chegasse ao teto?
A origem está neste ato, neste
momento. Mas há causas maiores que devem ser analisadas sob a ótica não do
acaso, mas da rede, da repetição de descasos em todo o país.
Narro-lhes as providências
tomadas na Argentina, após o incêndio em 2004, na discoteca República de
Cromagnon, em Buenos Aires, também com repercussão internacional.
As administrações municipais
são as responsáveis pelas regras de segurança das casas noturnas, lá na
Argentina e também aqui no Brasil, bem como na maioria dos países.
A primeira mudança foi a
renúncia do prefeito, para não ser atingido pelo impeatchment que tramitava. O
empresário proprietário do local foi preso, os músicos também e alguns
continuam até hoje. O Gerente da discoteca, Omar Chaban, foi condenado a 20
anos de prisão somente em 2009. Hoje responde em liberdade, mas não pode sair
do país. Dois funcionários públicos responsáveis pela fiscalização de
discotecas na cidade foram condenados. O empresário do grupo foi apenado com 18
anos de cadeia.
O governo local criou uma
agência para controlar e fiscalizar as casas noturnas. As regras dessa agência
foram elaboradas com a participação de sobreviventes, pais, empresáriosm
músicos e representantes de instituições sociais. Toda discoteca tem que ter mais
de uma saída de emergência, sinalizadores apontando essas saídas, os extintores
funcionando normalmente e cada casa noturna é fiscalizada pelo menos três vezes
por ano.
São distribuídos onde há
jovens, folhetos com instruções, pedindo que prestem atenção a esses detalhes.
Foi criado um disque denúncia específico para apontar casas noturnas que não
funcionam corretamente.
Ainda segundo a matéria, o
prefeito foi definido como responsável político, acusado de mau desempenho de
suas funções públicas. A Assembleia local interpretou que ele como líder
político da cidade, não trabalhou corretamente para prevenir uma tragédia que
deixou 194 mortos.
A história fatídica de Santa
Maria inicia-se na construção de um prédio para uma boate, planta assinada por
engenheiro e arquiteto. Projeto submetido à prefeitura municipal, foi aprovado,
fiscalizado pelo Corpo de Bombeiros. Alvará de funcionamento vencido.
Ordem do proprietário em não
abrir a porta estreita em caso de uma suposta iniciativa dos jovens não pagarem
as contas. Falta de plano de emergência para saída. Nenhuma orientação
indicativa no interior da boate. Colocação de material altamente inflamável e
com fumaça tóxica, em caso de incêndio. Superlotação para aumentar o rendimento
e outros itens, que com certeza não foram atendidos por interferência política
e da corrupção.
Fico indignado com tudo e não
concebo uma frase pronunciada pelo prefeito de Porto Alegre, afirmando: “A
tragédia de Santa Maria deve ser exemplo para o país”. Ora Excelência, Senhor
Prefeito, certamente, também pai. O poder público tem o dever de evitar, de
antecipar e não prometer providências, que não são cumpridas após mortes. As
mortes dos meninos de Santa Maria não podem servir de exemplo.
Elas aconteceram pela
ausência, pelo descaso dos responsáveis por tudo, desde a aprovação do projeto
na prefeitura, fechando o círculo desastroso com o músico levantando o braço
com o “Sputnik” com chuva de prata, causando o incêndio da fogueira, ceifando
com tantas vidas, causando tristeza, dolorida saudade eterna de seus pais, que
perderam a coragem e o desejo de viverem. Tiraram-lhes o que de mais precioso
tinham, seus filhos.
O local da tragédia deverá ser
transformado em um memorial em homenagem às vítimas do incêndio que marcou a
história da cidade no dia 27 de janeiro de 2013. Que este memorial também seja
implantado na consciência e responsabilidade de todos os prefeitos do país.
Inclusive, sugiro ao prefeito
Paulo Garcia, bom cidadão, ser humano muito cristão, para imediatamente criar
uma comissão integrada por representantes voluntários da cidade, sem interesse
em benefício financeiro, para sugerir providências que antecipem casos em
Goiânia, onde existem dezenas de casas noturnas fechadas, com portas estreitas,
sem plano de emergência, colocando em risco os jovens de nossa capital.
Imediatamente e com todo rigor
necessário. Os pais vão agradecer.
*Barbosa Nunes e Grão Mestre da
Maçonaria Grande Oriente do Estado de Goiás – barbosanunes@terra.com.br.
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