Ouvindo vozes: quem são os 'loucos' da prisão salvadorenha de La Esperanza

Direitos Humanos
Originalmente publicado no site El Faro.net, de El Salvador
Por Carlos Matinez
O choreja quase 20 anos na prisão
psiquiátrica por assassinato
Em um lugar escuro, muito parecido com uma caverna, uma mulher aflita pede ajuda aos gritos. Tem medo, sabe que vai morrer, que será violentada, que sofrerá. Pronuncia súplicas que apenas uma pessoa escuta.
Uma sombra aparece na caverna. É o homem que a sequestrou e que a atormenta sem piedade. Aparece outra sombra e outra… há vários homens. Ela grita e seu grito enlouquece quem a ouve.
Quase todos os dias de sua vida, Choreja escuta essa mulher. O som de seu lamento vem à noite, como se a caverna fria estivesse justamente ao seu lado. O grito não vai embora, está sempre lá, mas ninguém faz nada por ela. Talvez estejam todos surdos e apenas Choreja tenha a maldição de escutá-la. Leia mais

Às vezes há mais de uma mulher, às vezes há muitas mulheres que choram juntas pedindo ajuda. Ninguém faz nada! “Eu sei que me mantêm preso aqui e que não posso sair. Puta! Mas então eu lhes digo que vão, que vão com a polícia procurar por aí... por aí...por aí...eu lhes digo onde buscar essas mulheres… Puta, como gritam, pobrezinhas!”, diz Choreja, e sinaliza com as mãos nervosas a localização da caverna, das cavernas.

Às vezes, entre tantas mulheres, se escuta o choro de uma criança, de uma criança pequena. Pelo agudo do choro, Choreja sabe dizer o tamanho exato do pequeno que está a ponto de morrer. “Se querem, me deem apenas a criança, vá, pouco me importam as mulheres, mas me deem a criança! Não escutam como chora? Está pequeno, assim, veja... assim, deste tamanho… assim, veja…”, e abaixa a mão a um palmo do chão, e logo abaixa de novo um tantinho para não errar o tamanho da criança.

Quando já não pode mais, quando os gritos lhe torturam a cabeça, Choreja pula de sua cama e uiva pelas noites, atormentado, sofrido. Então todos pensam que está louco e o amarram na cama. Ele não entende nada e pensa no quão louco estão todos, no quão surdo eles são.

Choreja tem provas do que diz. No dorso da mão esquerda têm tatuadas duas asinhas: “Se não acreditam em mim, olhem: esta asinha sim, é minha, sim, eu respondo por ela”, e nos mostra a asinha direita. “Mas esta outra, vai saber de quem é! Não é minha. Não veem que está meio caída? Aí é quando chora a criança! Viram? Viram que não estou dando palha a eles? Viram?…” e se olha a asinha esquerda, a que vai triste, caída. Esta é a asinha que prova que uma criança chora.

Choreja lutou na guerra civil salvadorenha.

* * *

Em 1993, Choreja estava em uma cantina bebendo bastante, em companhia de alguns amigos. Como costuma acontecer nestes casos, uma palavra mal dita, um gesto mal interpretado ascende a faísca. Surpreendentemente, um dos compadres de Choreja tinha um facão… e talvez esse compadre não soubesse que Choreja tinha uma arma. O resultado foi o compadre morto e uma facada na cabeça Choreja que deformou seu crânio e lhe tirou metade da orelha esquerda, e talvez o juízo para sempre.

Choreja acabou preso na maior prisão do país: La Esperanza (A Esperança, em português). E com o passar de um tempo apareceram as vozes. Ali foi tratado como um cachorro. Roubaram sua porção de comida e vivia como vivem os animais: roubando do lixo, alimentando-se da piedade zombeteira dos outros. Até que o transferiram a este lugar.

Até aqui mulheres atormentadas o seguiram. Essa criança que suplica. Choreja foi militar. O recrutaram à força, quando era um menino.

* * *

Choreja dorme ao final de um quatro ampliado, sobre um catre com um colchão fedorento e manchado. Ao longo do quarto há um catre de frente para o outro, e entre eles se forma um corredor de pouco mais de um metro de largura. No espaço entre as camas anda Choreja, descalço, sussurrando palavras. Vai depressa, como se fosse a um lugar importante. Ao chegar ao início do corredor, dá meia volta e volta ao início de seu catre.

Sobre as camas costuma haver vultos, tapados por completo com lençóis imundos, e um montão de rostos perdidos, que não sorriem para nada. No corredor onde Choreja caminha sempre há movimento.

Um homem avelhentado e muito pequeno pergunta o dia todo, com sua boca desdentada, se ele já voltará à penitenciária central. “Já vão me mandar para Mariona? Já posso ir para Mariona? Pode dizer ao juiz que sim, por favor, que me mande já para Mariona? É porque eu gosto mais da Mariona”. Não importa o que se responda, ele entenderá como um sim. “Obrigado, obrigado, então, já posso ir para Mariona?…”

Um sujeito grande, provavelmente muito forte, sorri sem parar. Nasceu com uma deformidade: é como se o crânio tivesse vazado sobre seu cérebro em estado líquido e em seguida tivesse endurecido, cheio de sulcos e de volumes de onde nascem o cabelo. É um sujeito muito amável, e ele gosta de dar a mão...e que lhe deem a mão.

Na porta do cômodo ao lado uma mulher ri e chora. Fala como se fosse uma criança e quando lhe perguntam como está, ri a gargalhadas para demonstrar que está bem. “Contente, contente, feliz”. Em seguida chora com autêntica amargura porque sente saudades de seu filho. “Filho, te amo, filho, sinto sua falta, filho!”. E vai derramando lágrimas, manquejando. Há um tempo fraturou o tornozelo direito e ninguém o arrumou, de modo que o osso encurvado acabou grudando em outro osso, fora do lugar, e agora ela caminha com o pé de lado, apoiando em um calo antigo que se formou na parte externa do pé. Deita em seu catre, sujo, chorando por seu filho.

* * *

Em um pequeno quarto de madeira acontece uma reunião em que um homem mais velho dá um discurso, supostamente motivador para uns 15 homens que, sendo francos, não o escutam:

- Viram que triste é isso de ouvir vozes, ter temores permanentes, ver gente que não existe.

O sujeito é todo um ator. Quando conta sua vida na rua, faz gestos que reforçam a ideia de que está dormindo, ou comendo lixo, ou vivendo mal cheiroso, sujo.

- Eu entreguei uma criança, um filho meu, já devia ter seus oito meses porque já se sentava sozinho, não me lembro nem a quem eu o entreguei...

O sujeito é somente um visitante, é o padrinho da Associação de Alcoólicos Anônimos, que formou uma sede também nesta prisão. Dá testemunho de sua vida como alcoólatra e diante dele os 15 homens que não o escutam olham para direções distintas, riem sozinhos ou o olham com a boca aberta sem fazer um gesto sequer. Há apenas um homem em um canto que o escuta ansioso, desejando que o padrinho se cale de uma vez. Quando isso finalmente acontece, aquele homem pula ao púlpito, levantando as mãos, como as pessoas que aparecem em programas televisivos de auditório. Chama-se Levy.

“Meu nome é Levy, conhecido em nível nacional e internacional…”, grita com um sorriso de orelha a orelha. Assegura que há um satélite que tira fotos dele e que logo as publica em uma revista que circula em 180 países. Quando tem a atenção dos demais, quando pode sentir-se um pouquinho superior, Levy é feliz, brilha.

Assim passam os dias naquele manicômio, ou prisão, de acordo com quem define: a DGCP, Direção Geral de Centros Penitenciários (Dirección General de Centros Penales, em espanhol) assegura que estamos no pavilhão psiquiátrico das penitenciárias; mas segundo as autoridades do Hospital Psiquiátrico, estamos na ala penitenciária do hospital para transtornos mentais.

Todos ou quase todos os que estão reclusos naquele recinto cometeram crimes graves e um juiz os declarou incapazes de enfrentar a lei, devido aos seus evidentes transtornos mentais. Segundo o Código Penal salvadorenho, um dos atenuantes perante a justiça é precisamente este: estar louco de uma loucura demonstrável, não ter sido capaz de medir as consequências dos atos cometidos.

Tendo em conta a gravidade dos crimes que cometeram e o risco que eles representam para a sociedade, o juiz deverá substituir a pena por “medidas”. Entretanto, pelo geral, as duas coisas são muito parecidas: em vez de condenar uma pessoa com esquizofrenia paranóide a 30 anos de prisão, troca a pena pela “medida” de reclusão de 29 anos naquele lugar.

Claro, para receber semelhante medida, o interno… ou o paciente – sempre é complexo decidir - teve que ter cometido um assassinato e o juiz teve que ter advertido que as condições nas quais vivia não garantiam que não voltaria a matar, e então mandou confiná-lo na prisão-manicômio. O problema é que pelo menos 60% das pessoas que estão naquele pavilhão mataram alguém. O resto feriu pessoas gravemente, geralmente familiares, ou são estupradores...ou doentes mentais que segundo a lei não mediam as consequências de seus atos. Depende de onde se coloque a ênfase.

Quem vive neste pavilhão provavelmente têm mais similaridades com a população carcerária do que com pacientes da rede de hospitais públicos… vivem amontoados e suas possibilidade de reabilitação graças à estrutura institucional são muito poucas, ou nenhuma.

Em setembro do ano passado, 88 pessoas viviam em um espaço planejado para 60. No final do ano eram mais de 100. Desde então, se for comparado seu nível de superlotação ao das demais unidades penitenciárias, teria que dizer que vivem folgados, com luxos, inclusive, como o de cada um ter seu próprio catre, ou pelos menos um pedaço de um colchonete que separe as costas do plano do chão. Ou seja, um catre ou um pedaço de colchonete para cada um. Talvez por isso alguns inclusive fazem alguma brecha para acabar lá.

Em nossa primeira visita ao pavilhão descobrimos que os internos amam a câmera fotográfica. Posavam, dançavam… exigiam fotos e serem entrevistados quantas vezes fosse possível. Salvo dois hóspedes fugitivos, ariscos. Yuri Rodolfo Jenkins, por exemplo, uma vez que nos via entrar, corria de onde estava para se refugiar, dos pés à cabeça, debaixo de seu lençol. Era impressionante o tempo que era capaz de passar sem mostrar nem os olhos. Ele era assessor do ministro da Economia e catedrático do mestrado em finanças da UCA. A polícia o prendeu por crime de abuso sexual contra dois menores, e ele convenceu o juiz de que sofria de ataques de pânico e de uma terrível depressão. Yuri conseguiu cumprir sua pena na ala psiquiátrica até que foi declarado inocente.

A outra é Jessica Emilia Santos. Ela foi capturada em maio do ano passado, justo no momento em que pretendia vender três fuzis M-16 que havia roubado dos arsenais militares. Ostentava o grau de subtenente do exército e, segundo fontes da polícia, as armas iriam parar nas mãos do cartel Los Zetas, na Guatemala. À qualquer pergunta, Jessica respondeu sempre: I don’t speak spanish (Eu não falo espanhol). Costumava ser agressiva com as outras internas e em dezembro haviam quintuplicado a dose de calmantes para que pudesse conviver em paz com suas companheiras. Segundo a lei, ela sofre de uma notória depressão.

* * *

Enquanto jogava futebol em um pátio interior, em 2010, Víctor Álvarez errou um chute na bola e como consequência quebrou a unha do dedo gordo do pé direito. Até pouco tempo atrás, a maioria dos internos andava descalça.

Em alguns dias é permitido que os internos deixem a cela onde passam sua vida para visitar um pátio de cimento. Não é raro que algum deles pegue o apito e se faça de professor de esportes. Às vezes se torna também árbitro de futebol.

Víctor jogava descalço quando sua unha se partiu.

Passaram os dias e as semanas e Víctor deixou de se mover. Quando alguém finalmente olhou para seu dedo, estava podre, preto, comido pela gangrena. Precisava amputá-lo, mas para isso precisaria da autorização de algum familiar, e nunca ninguém havia visitado Víctor, de modo que a diretora Rosmary Dinarte teve que averiguar onde ele foi preso. O pé começava a ficar preto também. Depois precisou procurar a delegação de política daquele lugar. O tornozelo começou a perder a vida, o tecido do pé inteiro estava morto, já não circulava sangue por ele. Quando algum policial da delegacia lembrou daquela prisão, foram até a casa onde vivia Víctor e encontraram uma irmã. Finalmente alguém que podia autorizar a cirurgia. Ao telefone a mulher gritava para a diretora: “Não me importa o que aconteça com ele. Não volte a me ligar!”, e desligou o telefone. Dinarte interpretou aquilo como um sim, e autorizou a operação.

Em 2000 Víctor espancou sua mãe até matá-la. Agora olha para os estranhos com olhos ariscos e esconde sua perna direita debaixo dos lençóis. A gangrena tomou sua perna até o joelho. Ele tem vergonha de mostrar o coto. Víctor aprendeu a usar uma prótese de plástico que lhe entregaram depois de amputá-lo. Sofre de uma esquizofrenia paranóica profunda que o impede de distinguir a realidade de suas próprias fantasias.

* * *

Antes de a diretora Dinarte assumir a responsabilidade deste pavilhão, o recinto era dirigido por um dos guardas. Até a atual administração, de acordo com o que parece, a nenhum dos diretores gerais de centros penais anteriores parecia que uma sala cheia de loucos merecia um diretor.

Não existe um programa especializado para cada interno. Há somente um psiquiatra para todos os pacientes. Ainda que o local esteja fisicamente dentro das instalações do Hospital Psiquiátrico, é uma ilha. Os internos não podem sair do recinto para receber terapia ocupacional nos prédios conjugados, nem para serem tratados por especialistas em seus transtornos. Os pacientes que são capazes de seguir instruções recebem aulas de artesanato e de origami. Os internos recebem regularmente a visita de um pastor evangélico e de sua equipe, que ensina cantos religiosos e explica a Bíblia. Às vezes chega um padre. Todas as semanas um grupo de Alcoólicos Anônimos os visita. Quando lhes pediram que batizassem o grupo de Alcoólicos Anônimos, Levy insistiu para que se chamassem “Grupo Mente Sã”.

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Quando visitamos o pavilhão pela primeira vez, em outubro do ano passado, havia duas crianças de aproximadamente 10 anos, segundo os cálculos do psiquiatra do lugar. São crianças ocupando o corpo de homens.
Um é Juan; brincalhão, prestativo. Juan quase nunca fala, mas ri sempre. Corre pelo recinto e quando consegue marcar um gol, celebra aos gritos, e a alegria dura toda a tarde. Juan nasceu com retardo mental. Seu tem corpo tem 23 anos, mas sua psique ficou estacionada em uma eterna infância. No lugar onde vivia abusou de uma criança e foi enviado para a penitenciária La Esperanza, até que alguém reparou em sua evidente condição.

O outro é Silvio, que é tão sério, tão grave. É barbado e fácil de provocar. Silvio fala sempre com diminutivos e inventou seu próprio código: “Ito”. Quando usa para falar com alguém significa que esse alguém o agradou. Ito quer dizer “amiguito”. Gosta de contar que perto de seu local de origem havia três quadras de futebol. Gosta que o abracem. No lugar onde vivia, um pastor teve a ideia de exorcizá-lo para tirar os demônios que o prejudicavam. Silvio o matou a facadas.

* * *

No meio de um culto evangélico, depois de muito cantar e aplaudir, uma mulher lhes conta uma história, que segundo a Bíblia já havia sido contada há bastante tempo. Trata-se de uma parábola do filho pródigo. “Era uma vez um senhor que tinha dois filhos”, disse a mulher, e continua com o relato, dando saltos, atuando, fazendo vozes, de acordo com o personagem que interpreta.

Juan está absorto, com a boca aberta, com olhos brilhantes, como acontece com crianças de sua idade quando os adultos lhes contam uma história. A mulher interpreta o filho atrevido, quem em seguida será chamado de “pródigo”, e em meio a uma farra com mulheres, licor e danças, Juan solta uma enorme gargalhada, e em sua cara se desenha a felicidade, o desejo de que aquilo não termine nunca.

Ao concluir, a mulher decifra a história para eles, explica que não importa o pecado que tenham cometido, Deus os perdoará se estão verdadeiramente arrependidos. Silvio não aguenta mais e fica de pé para gritar para a mulher: “Escutei, hermanita (“irmãzinha”) de antiojitos (“óclinhos”), e chegou ao meu corazoncito (coraçãozinho)”.

* * *

Em um pequeno rancho campesino de Usulután vivia um casal de idosos, junto de seu filho mais novo, Isaías. A criança tinha um temperamento irascível e os pais haviam colocado uma regra: nunca deixar nada afiado ao seu alcance. Assim passaram os dias e os anos e Isaías deixou de ser um menino e, de pronto, sua altura e sua força eram as de um homem.

Um dia o senhor chegou do trabalho e, ao desmontar de seu cavalo, esqueceu que na sela estava atada uma facão.
Naquele dia Isaías estava indisposto com seu pai, pois haviam discutido pela manhã. Pegou o facão e se dirigiu até ele. Ao ver o óbvio, a mulher tentou intervir, acreditou que sua voz suavizaria a revolta do filho. Ele lhe cortou o braço esquerdo a facadas e em seguida feriu seu pai até lhe tirar a vida.

A maior parte dos internos daquele recinto é de homicidas, e suas vítimas geralmente foram aqueles a quem mais tinham na mão, como o homem que matou seu filho a golpes, ou a mulher que pariu em uma fossa séptica, ou todos os que mataram seus pais, suas mães, ou a mulher que asfixiou suas crianças... por isso costumam ser indesejáveis, por isso na maior parte dos casos, as famílias preferem esquecê-los para sempre, sepultar sua lembrança ou vivê-la com ódio. Por isso que, apesar de as visitas serem permitidas todos os dias na hora do almoço, quase nunca há alguém.

À uma da tarde, os guardas colocam uns bancos que separam os que têm visita dos que não tem; e essa cerca louca, quase imaginária, deu lugar a um ritual diário que distingue os internos em duas classes. Os sortudos sempre são minoria: nunca são mais de cinco, e o restante olha para o outro lado, invejando a sorte de quem foi lembrando, imaginando-se do outro lado.

O abandono de alguns chegou a ser tão profundo que a diretora Dinarte inventou uma espécie de “plano padrinho”, onde lástima alheia, a boa consciência de alguém próximo, não lhes pede dinheiro, roupa ou brinquedos, mas companhia. A ideia da diretora era convencer algumas pessoas para que adotassem um dos internos que nunca recebem visitas e que aparecessem ali de vez em quando, para fazê-lo se sentir acompanhado, ainda que seja por um estranho. Para que pudessem passar a bancada, ainda que seja de vez em quando.

A lista para o plano da diretora só está feita para os internos com condenações grandes, que nunca receberam uma só visita. Até o final do ano passado ainda não havia nenhum padrinho.

Uma só pessoa chega todos os dias ao local para visitar seu filho. É uma pequena mulher, uma senhora que usa sempre vestidos de manga comprida para esconder as cicatrizes que uma facada lhe deixou no braço esquerdo. A mãe de Isaías chega pontual todos os dias à uma da tarde com um potinho de comida, uma escova de dentes e uma cueca limpa para seu filho.

A senhora passou três meses se recuperando da fratura no braço e lidando com a tristeza de estar viúva. Quando por fim decidiu visitar Isaías, ele reconheceu sua voz e choraram juntos pela tragédia que havia acontecido. Eventualmente Isaías pergunta por seu pai. Quer saber quando irá visitá-lo. O resto do tempo está com o olhar perdido, babando sobre um colchonete.

A única preocupação da mãe é quando o confinamento de seu filho acabar. Quem cuidará dele quando ela faltar? É apenas uma criança. “Ah, é que este bichito é bem briguento, viram as coisas que fez... imaginem que matou o papai!”

* * *

Levy pede que tirem uma foto só dele, para que saia em todos os jornais; não, melhor não, melhor que tirem uma foto dele falando para todos os demais, mas que todos os demais estejam de costas, que só se veja a cara dele... e que a publiquem em todos os jornais, claro. Choreja passa por ali, apressado, resmungando palavras, e tenta saudar, mas Levy lhe corta o impulso: “Vá à merda, louco de bosta!”, e Choreja baixa o olhar e continua em passos rápidos sussurrando coisas inaudíveis.

Choreja não está na lista de pessoas para se apadrinhar, porque uma vez, no ano passado, chegou uma irmã para vê-lo. Ele tem uma terrível suspeita sobre sua ausência de visitas: “Será que esses idiotas mataram todos? Puta, essa é minha preocupação”, diz, e continua caminhando sozinho, sussurrando coisas estranhas.

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