O escandaloso caso da doação dos prédios e terrenos do colégio D. Bosco, em Cachoeira do Campo

*Por Kátia Maria Nunes Campos
Prédio principal do Colégio D. Bosco
Há um pouco mais de 100 anos a população de Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto-MG pediu ao governo do Estado que instalasse um colégio ou escola nas terras públicas do antigo quartel e palácio de verão dos governadores coloniais. O governo atendeu, cedendo a propriedade aos salesianos, com a condição de que as terras fossem devolvidas, caso o colégio fosse extinto. A concessão era de 99 anos.
Antes que o prazo acabasse, em 1964, os salesianos pediram que o governo do Estado lhes doasse a terra definitivamente. O governo concordou, desde que as terras fossem usadas para a educação. Caso contrário, teriam de ser devolvidas, como é de praxe....Leia Mais
Entretanto, em 1986, os salesianos tornaram a pedir que o governo do Estado retirasse a cláusula de proteção, para que pudessem fazer o que bem entendessem, inclusive retalhar e vender, o que de fato começaram a fazer, até antes que esta cláusula fosse retirada. Tudo indica que houve má fé, pois o loteamento do Residencial D. Bosco começou antes de terem este direito. O tal loteamento foi feito sem licença, sem planejamento e os compradores foram abandonados sem qualquer urbanização, com enormes erosões, sem água e esgoto, deixando ao contribuinte os ônus deste loteamento clandestino e malfeito. Mesmo ganhando rios de dinheiro com a venda de terras públicas (até a Prefeitura comprou uma área de 200.000 metros quadrados), não cumpriram suas obrigações com os infelizes compradores de lotes, que há mais de trinta anos lutam pela regularização do loteamento, sem solução até hoje.
Esta doação de 1986 vai contra todos os princípios de boa administração e contra o dever que os agentes públicos têm de proteger o patrimônio público e evitar a sua dilapidação. A doação incondicional foi criminosa, pois não deu atenção ao fato de que o patrimônio público só pode ser usado em benefício do povo e não servir de fator de enriquecimento sem causa de particulares. Dispensaram a licitação legal exigida para propriedades acima de 750 hectares, sem explicação plausível. Tudo está errado.
Fomos espoliados e o patrimônio público foi dilapidado, sem que a procuradoria geral do Estado tomasse qualquer providência, até hoje, para evitar este abuso e absurdo. FOI CRIME DE LESA-PÁTRIA. A doação foi feita no período da ditadura, e não passa de botim de guerra e prêmio a uma agremiação religiosa que apoiou o golpe de 1964. Foram recebidos e tratados como príncipes e foram embora como ratos, levando suas bolsas cheias de dinheiro obtidas à custa do patrimônio público. Não precisamos tocar na missão da Igreja Católica de promover a igualdade humana e erradicação da pobreza defendida por ela e tão pisoteada pelos salesianos, numa comunidade com tantos problemas sociais graves. Principalmente numa congregação que alega defender a educação como meio de resolver problemas de desigualdade social, de que o Brasil é infeliz campeão, entre as nações do planeta. Bastava a consciência cívica e social, já que a consciência moral não pesou na triste alma desta congregação.
Ouro Preto se encontra em perigo de degradação por falta de áreas adequadas ao crescimento. Os terrenos de encosta estão sendo ocupadas por moradias precárias, sem condições de urbanização e acarretando riscos aos moradores e ao patrimônio tombado da cidade. A Universidade vai se expandir, trazendo mais gente e mais problemas de moradia, tráfego, serviços públicos e mais ameaças ao patrimônio histórico.
Mas estamos dispostos a lutar com unhas e dentes para que esta situação seja revertida. Queremos que aquela propriedade cumpra sua destinação social: seja retomada ou desapropriada para servir à expansão urbana, principalmente à população de baixa renda e para a instalação de um campus universitário.
Sabemos que, pelo lei do Estatuto das Cidades, podemos e devemos opinar sobre o zoneamento e instalação de grandes empreendimentos. Podemos ter um referendo popular, um plebiscito para que possamos corrigir este desvirtuamento da destinação do patrimônio público. A terra está sendo loteada e vendida para instalação de um condomínio de luxo. O histórico prédio do quartel de 1779, onde serviu Tiradentes, berço histórico da Polícia Militar Mineira, vai virar hotel de luxo com campos de golfe no antigo campo de batalha da guerra dos Emboabas, em 1709. Nossa história e nosso legado serve, uma vez mais, às classes abastadas, indiferentes ao clamor popular em defesa do patrimônio público entregue aos ratos.
Não queremos isso. A cidade precisa destas áreas para suportar a expansão demográfica que o centro histórico não tem condições de abrigar. Precisamos expandir o campus universitário para a instalação dos novos cursos que serão abertos na Universidade Federal de Ouro Preto e no Instituto Federal de Minas Gerais.
Queremos exercer o direito que nos dá o Estatuto das Cidades, lei 10.027, que regulamenta a política urbana e intervir objetivamente no zoneamento urbano e forçar o atendimento ao uso preferencial da propriedade de acordo com os interesses coletivos. O interesse particular não pode se sobrepor ao interesse público, Não estamos mais na ditadura e não podemos nos conformar e assistir passivamente que esta situação se consolide. Queremos o patrimônio público de Volta. Queremos o campus universitário. Queremos a terra usada para o benefício do povo.


*Kátia Maria Nunes Campos
Associação em Defesa da Educação e Patrimônio Público de Ouro Preto
Mestre e Doutoranda em Demografia pelo CEDEPLAR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – Universidade Federal de Minas Gerais

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1 Comentários

  1. Prezado Luiz,
    Nesta segunda feira foi proposta ação civil pública perante a justiça de Ouro Preto, pedindo a devolução da propriedade ao patrimônio público. Leia mais em http://falaouropreto.com.br/primeira-grande-vitoria-do-movimento-o-dom-bosco-e-nosso/

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