Luiz Sérgio Castro
Há um país que acorda todo dia com o coração apertado e o celular na mão. Antes mesmo do café, ele se pergunta: em que ponto viramos isso? Não é bem um país perdido — mas é um país cansado. Cansado de manchetes que parecem roteiros de um filme policial mal editado: ex-delegado assassinado, delator morto dentro de aeroporto, fintechs suspeitas de lavar dinheiro na Faria Lima, vilarejos abandonados por causa de guerras de facção.
Enquanto isso, o trânsito segue, o pão chega quente na padaria e o noticiário fala do tempo: “sol entre nuvens, possibilidade de pancadas isoladas e de balas perdidas”.
O termo da moda é “narcoestado”. É chique, soa importante, dá um certo ar de teoria internacional. Mas os estudiosos, sempre mais prudentes, dizem que não — ainda não. O Brasil, explicam, não é um narcoestado. Não há crime comandando o governo, nem ministérios dedicados ao tráfico. O que há é uma infiltração difusa, uma espécie de teia pegajosa que se espalha onde o Estado é fraco, onde a esperança se tornou luxo.
Benjamin Lessing, um pesquisador americano que entende dessas coisas, disse que o termo é exagerado. E talvez tenha razão. O Brasil não é um narcoestado — é um quase. Quase isso, quase aquilo. Um país onde o crime não manda oficialmente, mas negocia extraoficialmente; onde o poder não é tomado, mas compartilhado, aos pedaços.
Nas esquinas, os meninos continuam jogando bola. No alto dos morros, continuam jogando a vida. E entre um gol e outro, um tiro e outro, a nação do quase vai se equilibrando: entre o medo e o improviso, entre o caos e o carnaval.
Porque o Brasil, no fim das contas, tem esse talento ancestral de continuar existindo, mesmo quando tudo parece desabar. Ainda não somos um narcoestado, dizem os especialistas. E talvez esse “ainda” seja o que mais nos assusta — e, paradoxalmente, o que mais nos salva.
Afinal, no país do quase, até o abismo tem um jeitinho de esperar um pouco mais.

1 Comentários
Que lindo, tio! Concordo com você!
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