O Misterioso Assassinato do 'Banqueiro de Deus
'Envolveu a Máfia, a Maçonaria e o Vaticano':
Há exatamente 43 anos, um caso abalou os
pilares do poder na Itália e no Vaticano, deixando um rastro de mistério, morte
e corrupção jamais completamente esclarecido. O protagonista dessa trama
obscura era Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, então o maior banco
privado da Itália, com íntimas ligações com o Vaticano. Conhecido como o "Banqueiro
de Deus", Calvi foi encontrado morto sob a ponte Blackfriars, no centro de
Londres, em 18 de junho de 1982. O que parecia, a princípio, um suicídio,
revelou-se uma rede intrincada envolvendo a Máfia, uma loja maçônica
clandestina e até o alto clero da Igreja Católica.
A
Ponte, os Tijolos e o Mistério
Quando o corpo de Calvi foi descoberto
pendurado em um andaime sob a ponte Blackfriars, a cena já chamava atenção
pelas bizarras circunstâncias. Seus bolsos estavam cheios de tijolos e havia
aproximadamente £10.000 em diversas moedas internacionais. Ele portava um
passaporte falso em nome de Gian Roberto Calvini. Um laudo preliminar declarou
suicídio, mas desde o início pairavam dúvidas: por que alguém forjaria uma
identidade, rasparia o bigode e escaparia da Itália por rotas disfarçadas
apenas para se matar dias depois?
Essas perguntas logo se amplificaram com o
suicídio aparente de sua secretária, Teresa Corrocher, um dia antes da
descoberta do corpo. Ela se jogou da sede do banco em Milão, deixando um
bilhete amaldiçoando Calvi pelos danos causados à instituição e aos seus
funcionários. A sucessão de tragédias acendeu um alerta: algo maior estava por
trás.
Banco Ambrosiano: Um Império à Beira do Abismo
Fundado em 1896, o Banco Ambrosiano tinha uma
história entrelaçada com o Vaticano, cujo Instituto para as Obras Religiosas
(IOR), mais conhecido como Banco do Vaticano, era seu principal acionista. O
IOR detém as contas do clero, incluindo a do Papa, e gerencia vultosos
investimentos globais com total isenção de fiscalização por autoridades civis,
dada a soberania do Estado Vaticano.
Calvi, à frente do Ambrosiano, manteve relações
estreitas com o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus, então presidente do
IOR. Juntos, movimentaram grandes somas em paraísos fiscais, supostamente para
operações financeiras e políticas em países da América do Sul. Parte desses
recursos desapareceu misteriosamente: cerca de US$ 1,5 bilhão, segundo
investigações posteriores.
Máfia, Maçonaria e a Loja P2
Outro elo da teia de Calvi levava diretamente
ao submundo. Ele mantinha laços com Michele Sindona, o “Tubarão”, um notório
banqueiro com conexões mafiosas. Ambos pertenciam à loja maçônica secreta Propaganda
Due (P2), liderada pelo fascista Licio Gelli. A P2 reunia nomes da elite
italiana — militares, juízes, empresários e jornalistas — e funcionava como um
governo paralelo.
Em 1981, uma batida policial nos escritórios de
Gelli revelou uma lista com quase mil membros da P2, incluindo o então magnata
da mídia e futuro premiê Silvio Berlusconi. A revelação gerou uma crise
institucional: o primeiro-ministro Arnaldo Forlani renunciou, um chefe de
polícia se suicidou e um ex-ministro foi hospitalizado por overdose. Em meio a
esse caos, Calvi foi preso por violações cambiais, mas logo liberado sob
fiança. Antes do colapso do Banco Ambrosiano, fugiu da Itália com uma mala de
documentos comprometendo altos escalões políticos e eclesiásticos.
A
Ponte dos Frades Negros
O local onde Calvi foi encontrado também gerou
especulações simbólicas. A ponte Blackfriars, que significa “frades negros”,
remetia diretamente ao apelido dos membros da loja P2, que usavam túnicas
negras em suas reuniões. O jornalista Paolo Filo della Torre, que conhecia
Calvi, afirmou que essa escolha de local não poderia ser coincidência. Era,
talvez, uma assinatura silenciosa de uma execução ritual.
As Investigações e o Julgamento
Em 1983, o veredito de suicídio foi anulado, e
um segundo inquérito resultou em veredicto aberto. A viúva, Clara Calvi,
contratou investigadores privados, e em 1998, a exumação do corpo revelou
ferimentos incompatíveis com enforcamento voluntário. O laudo pericial também
mostrou que as mãos de Calvi nunca tocaram os tijolos encontrados em seus
bolsos.
Em 2002, juízes italianos concluíram
oficialmente que Calvi havia sido assassinado. Três anos depois, em 2005, cinco
pessoas foram levadas a julgamento por envolvimento no assassinato, incluindo o
financista Flavio Carboni, sua companheira, empresários, um ex-segurança de
Calvi e o mafioso Pippo Calò, tesoureiro da Cosa Nostra. Todos foram absolvidos
após um julgamento de 20 meses. Até hoje, ninguém foi responsabilizado
judicialmente.
Uma Teia de Silêncios
Apesar das múltiplas pistas e evidências, o
assassinato de Roberto Calvi permanece envolto em sombras. O Vaticano nunca
reconheceu responsabilidade legal, embora tenha feito uma “contribuição moral”
de US$ 406 milhões aos credores do Ambrosiano. Marcinkus, protegido pela
imunidade do Estado papal, jamais foi interrogado formalmente.
As investigações sugerem que Calvi foi morto
por tentar desviar ou reter fundos pertencentes à Máfia e ao Vaticano. A
hipótese de chantagem, envolvendo documentos explosivos em sua posse, também
foi levantada. Seja qual for a verdade, ela está enterrada em camadas de poder,
segredo e corrupção.
O caso Calvi é mais que um mistério policial: é
um retrato da interseção entre crime organizado, instituições religiosas, redes
políticas clandestinas e a fragilidade da justiça diante do poder. A morte do
"Banqueiro de Deus" talvez nunca encontre seu veredito final — mas
continua ecoando como um dos maiores escândalos financeiros e políticos do
século XX.
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