Desde o
início do conflito russo-ucraniano em 24 de fevereiro de 2022, a Ucrânia ocupa
lugar de destaque na agenda internacional. Contudo, esta não é a primeira vez
que o "celeiro da Europa" se torna alvo das disputas entre potências
ocidentais e orientais. Há mais de um século, durante a Primeira Guerra
Mundial, a Ucrânia também foi o centro de um grande jogo geopolítico, onde
política, religião e maçonaria desempenharam papéis decisivos.
Antecedentes históricos: a influência do Ocidente
Em 1595, a
Igreja de Roma, através da União de Brest, buscou integrar parte da Igreja
Ortodoxa Ucraniana à sua esfera de influência. Séculos depois, em 1917, durante
o colapso do Império Russo após a Revolução de Fevereiro em Petrogrado, o
Ocidente tentou novamente consolidar sua presença na Ucrânia. O plano de
partilha de zonas de influência previa que o Cáucaso ficasse sob domínio
britânico e a Ucrânia sob a influência francesa.
Neste
contexto, a França, apoiada pelo princípio das nacionalidades que ganhava força
na Europa, enviou o jornalista Jean Pélissier a Kiev de maneira informal para
persuadir o Parlamento Ucraniano (a Rada) a manter sua aliança com a Entente
(França e Inglaterra) e resistir à sedução dos Impérios Centrais. Em troca,
Kiev exigia reconhecimento oficial por parte de Paris.
A Maçonaria e a "Jovem Ucrânia"
Segundo o
historiador polonês Ludwik Hass, entender esse momento histórico exige
considerar o papel da maçonaria entre os dirigentes da "Jovem
Ucrânia". Destacados líderes, como o advogado Serghej Markotun (membro da
loja "Pietra Cubica" de Moscou), o jurista Artym Halip e o arquiteto
Mykola Shumits'kyi (membros das lojas "Narcisus" e "Slavi
Uniti" de Kiev), bem como o jornalista Symon Petljura, tinham ligações
maçônicas.
Em 1917,
Markotun ascendeu à posição de Grão-Mestre da Grande Loja da Ucrânia,
fortalecendo laços fraternais com Jean Pélissier. A maçonaria, portanto, atuava
nos bastidores, influenciando decisões cruciais no processo de independência
ucraniana.
Revolução de Outubro e novos equilíbrios
Entretanto,
os acontecimentos aceleraram com a Revolução de Outubro e a ascensão dos
bolcheviques. Pressionada, a Rada assinou a paz de Brest-Litovski em fevereiro
de 1918, aceitando apoio dos Impérios Centrais. Tropas alemãs marcharam sobre
Kiev, viabilizando a instalação de Pavlo Skoropadskyi como hetman da Ucrânia.
Markotun tornou-se secretário do novo governo, e Halip, vice-ministro das
Relações Exteriores.
Apesar de
afastar o perigo imediato do bolchevismo, a presença alemã impedia o projeto de
uma Rússia federalista, apoiado pelos franceses. Com o fim da Primeira Guerra
Mundial, a situação ucraniana tornou-se caótica: os alemães retiraram-se,
surgindo o Diretório Ucraniano, que buscava alianças contra os bolcheviques,
sem sucesso. A França, sob Clemenceau, recusou fornecer armas e apoio
substancial. A supremacia bolchevique foi selada pela Paz de Riga, em 1921, que
dividiu o território ucraniano entre a Rússia e a Polônia.
Reflexões sobre a atualidade: História como espelho
Os eventos
de há mais de um século ecoam nas crises atuais. Alguns paralelos são notáveis:
1. Forças de influência: As potências que
sustentaram a Revolução de Maidan em 2014 são, em grande parte, as mesmas que
atuaram na Ucrânia em 1917.
2. Reação russa: A resposta militar da Rússia em 2022-2024
lembra a ofensiva da Armata Vermelha entre 1918 e 1920.
3. Ajuda ocidental: O apoio militar à Ucrânia
de hoje também é ponderado, como ocorreu sob Clemenceau.
4. Visão italiana: Como na época de Giovanni Amadori-Virgili, a
Itália observa o futuro ucraniano com interesses estratégicos, apostando na
reconstrução.
5. Sofrimento do povo ucraniano: As
potências ocidentais, conscientes das tragédias passadas como o Holodomor
(genocídio por fome de 1932-1933), buscam evitar catástrofes humanitárias
semelhantes.
Conclusão
A história
da Ucrânia revela padrões recorrentes de luta pela independência, imersão em
conflitos de potências globais e a constante busca por reconhecimento e
estabilidade. No entrelaçamento entre política, guerra, religião e maçonaria,
observa-se que o destino ucraniano, ontem como hoje, é um campo simbólico e
real de disputas ideológicas e geoestratégicas.
Compreender o passado é essencial para iluminar os caminhos possíveis do futuro.
Por Valerio Perna | tradução e Edição: Luiz Sérgio Castro
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