Entre a Justiça Maçônica e a Repressão Política
No dia 20 de março de 2025, a Maçonaria cubana viveu um episódio que marcou profundamente sua história recente: a expulsão do escritor e ex-prisioneiro político Ángel Santiesteban Prats da Grande Loja de Cuba (GLC). Reconhecido por sua militância em defesa da liberdade e pelos seus posicionamentos críticos ao regime cubano, Santiesteban viu-se alvo de um julgamento maçônico que, segundo diversos observadores, teve forte conotação política. O episódio suscita debates relevantes sobre a independência da Maçonaria frente a regimes autoritários, especialmente em contextos como o cubano.
Um Maçom Dissidente em Terra de Repressão
Ángel Santiesteban não é apenas um escritor premiado, mas também uma figura simbólica na luta contra a repressão estatal em Cuba. Condenado em 2012 sob acusações de "violência doméstica" — denunciadas como forjadas por organizações como a Anistia Internacional —, ele passou cinco anos preso, sendo libertado em 2015. Desde então, continuou sua trajetória de denúncia e resistência, principalmente por meio de seu blog Los hijos que nadie quiso e de colaborações com a mídia independente.
Como maçom, Santiesteban sempre declarou fidelidade aos ideais de liberdade, justiça e fraternidade. No entanto, seu ativismo público e sua recusa em silenciar diante das pressões do regime frequentemente o colocaram em rota de colisão com setores da própria Maçonaria cubana, cuja independência institucional é, muitas vezes, comprometida pelas ingerências estatais.
O Estopim: Denúncias de Corrupção e Interferência Política
A crise culminou após uma entrevista concedida por Santiesteban em 2 de setembro de 2024 ao programa Los Puntos a las Íes, do Diario de Cuba. Nela, o escritor revelou irregularidades na gestão de Mario Urquía, então Grão-Mestre da GLC, acusado de desviar cerca de US$ 19 mil destinados a um asilo maçônico. O escândalo gerou uma onda de indignação e levou à renúncia de Urquía. Em seu lugar, Mayker Filema Duarte assumiu a liderança da Ordem.
Mais grave ainda foram as denúncias de que agentes da Segurança do Estado cubana estariam manipulando decisões internas da GLC, marginalizando membros críticos e influenciando diretamente os rumos da instituição — uma alegação alarmante para uma organização que prega a autonomia e a liberdade de pensamento.
O Julgamento Maçônico
Logo após a posse de Duarte como Grão-Mestre, o Supremo Tribunal de Justiça Maçônica instaurou um processo contra Santiesteban, sob as acusações de “violação de dogmas maçônicos”, “desacato à Grande Loja”, “desacato ao Grão-Mestre” e “desacato à autoridade judicial”. Em sua defesa, Santiesteban sustentou que havia apenas exercido seu direito de liberdade de expressão, sem violar segredos da Ordem ou atacar seus princípios, mas denunciando fatos de interesse público.
Apesar da ausência de provas conclusivas, conforme relatos da mídia independente CubaNet, o Tribunal decidiu por unanimidade expulsá-lo em um julgamento considerado apressado e pouco transparente. A decisão foi interpretada por muitos como uma tentativa de calar um crítico incômodo, sob pressão da Segurança do Estado cubana.
O Encontro com Diplomatas Americanos: O Gatilho Final?
Um episódio que pode ter acelerado sua expulsão foi o encontro, em fevereiro de 2025, entre Santiesteban, sua companheira Camila Acosta (jornalista independente), e o representante da Embaixada dos Estados Unidos em Cuba, Mike Hammer. Embora natural para defensores de direitos humanos, o gesto foi percebido pelas autoridades cubanas como afronta ou "traição". Para muitos analistas, esse encontro selou o destino do escritor dentro da Maçonaria cubana, reforçando as suspeitas de que sua expulsão foi ditada por motivações políticas.
Repercussões: Entre a Revolta e a Reflexão
A reação dentro e fora da GLC foi de choque. Diversos irmãos, sob anonimato, denunciaram à imprensa a crescente politização da instituição, antes considerada reduto de liberdade e resistência. A expulsão de Santiesteban reavivou memórias das perseguições pós-revolução de 1959, quando Fidel Castro marginalizou organizações independentes como a Maçonaria.
A decisão, segundo críticos, fere os próprios princípios da Ordem, como a liberdade de pensamento e a fraternidade. Além disso, lança uma sombra sobre a GLC, fundada em 1859 e historicamente ligada a figuras como José Martí, ao levantar dúvidas sobre sua autonomia frente a um Estado autoritário.
A Maçonaria Cubana na Encruzilhada
Esse episódio marca um ponto de inflexão na história da Maçonaria cubana. Para muitos, é hora de uma profunda reforma interna que garanta a separação clara entre o poder profano e o espiritual, político e iniciático. Outros temem que a expulsão de figuras como Santiesteban desencoraje novos ingressos na Ordem, especialmente entre os jovens, que buscam na Maçonaria um espaço de reflexão livre.
Um Símbolo de Resistência
A trajetória de Ángel Santiesteban, agora fora da Maçonaria oficial, continua a inspirar muitos cubanos e maçons ao redor do mundo. Sua expulsão, longe de silenciá-lo, parece tê-lo convertido em símbolo de resistência contra os abusos de poder — tanto profanos quanto internos à própria Ordem. Em um ambiente onde a liberdade é um bem escasso, sua voz continua a ecoar, como lembrança viva de que os verdadeiros valores maçônicos não podem ser negociados, mesmo sob pressão.
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