Por Paulo M
É infelizmente frequente – e, na última década, tem-no sido mais do que nas anteriores – ouvir-se os seguidores de uma religião atacarem e denegrirem os seguidores de outras. De cada lado se vê quem, aferrado às suas “razões”, esgrime argumentos teológicos, brande razões sociais e antropológicas, e por fim crava os ferros do mais baixo e vil preconceito. Em cada facção se incita o espírito de cerco, se exacerba a diferença entre o “nós” e o “eles”, e se exorta ao ataque e à conquista (pela força, claro) do outro, do herege, do infiel, do adorador de demónios. Sim, que quase todas as religiões, de um modo ou de outro, reclamam a posse da Verdade, o monopólio do Caminho, a exclusividade da Luz – o que, infelizmente, é interpretado por muitos como “quem não é dos nossos está condenado”.
Um dos pilares de base da maçonaria especulativa, desde que esta existe, tem sido, precisamente, a oposição a esta mentalidade, a esta forma mesquinha de gerir a diversidade, a esta incapacidade de ver o mundo por outros olhos, de outro ângulo, sob outra luz. Num contexto histórico em que o confronto entre lados opostos tinha dado origem a uma guerra civil, a maçonaria estimulava a contenção, a tolerância e o amor fraterno entre homens que, de outro modo, nunca demonstrariam sequer um mínimo de urbanidade uns para com os outros. Estabelecendo conceitos passíveis de ser considerados um mínimo denominador comum, uma plataforma base de estabelecimento de pontes culturais e religiosas entre crentes de diversas fés, a maçonaria proibia – de modo a manter a harmonia custosamente conquistada – que cada um ultrapassasse esses frágeis compromissos e, em loja, manifestasse o que quer que fosse de próprio e exclusivo de uma qualquer denominação religiosa.
Logo vozes clamaram que a maçonaria queria
destruir esta ou aquela religião, e que a maçonaria era um anátema, uma
abominação, uma obra dos seguidores de satanás. Ao pretender conciliar várias
crenças sob uma mesma égide, a maçonaria teria tocado num ponto nevrálgico: a
maioria das pessoas não estava (e não está…) na disposição de admitir que o
“outro” possa, seguindo um caminho diverso do seu, chegar ao mesmo lugar. Muitas
religiões ensinam, mesmo, que os “deuses” das outras religiões são, na verdade,
demónios empenhados em confundir os incautos, e que segui-los é caminho certo
para a danação eterna. Esta perspectiva é, de fato, absolutamente incompatível
com a maçonaria, por ser diametralmente oposta ao conceito de tolerância que a
maçonaria promove e defende. Como poderia um maçom sentar-se em loja ao lado de
alguém que ele considerasse um adorador de demónios, e com ele dizer estarem
ambos a trabalhar “à Glória do Grande Arquiteto do Universo”, expressão que
congrega os diversos conceitos de divindade de cada um dos maçons sob uma
denominação comum? Por outro lado, quem tivesse a alma grande e quisesse
“salvar” o seu irmão do erro em que este estivesse metido, apresentando-lhe as
virtudes da sua própria fé, logo se veria remetido ao silêncio, senão
voluntário, logo imposto. Como conciliar esta limitação ao proselitismo com
deveres assumidos para com a sua igreja ou religião?
A resposta é simples: a maçonaria não é para esses. Quem assim pensar e quiser juntar-se a nós, melhor será que o não faça, ou rapidamente se verá confrontado com situações que lhe serão desconfortáveis e que pode entender serem contrárias aos ditames da sua fé. Nesse caso, o melhor que teria a fazer – pois nunca deveria ter sido admitido, no seu próprio interesse – seria pedir o atestado de quite e abandonar a maçonaria, pois os deveres de cada um para com a sua fé sobrepõem-se aos deveres para com a maçonaria. Quem achar que é sua obrigação converter o mundo a uma determinada fé, pois que o faça (ou que o tente…) mas sem a condição de maçom a atrapalhar. E quem, no mais fundo do seu coração, achar que todos quantos abraçam outras fés são adoradores de falsos deuses, ou mesmo de demónios, então nada tem que aprender conosco.
Mas quem aceite as limitações do seu
entendimento, que a fé e a certeza são coisas distintas, e que várias pessoas
podem olhar para a mesma coisa e ver coisas diferentes; quem queira ultrapassar
o preconceito, praticar a virtude e tornar-se numa pessoa melhor; quem queira
fazê-lo acompanhado, ajudando e sendo ajudado num espírito de fraternidade que
ultrapassa as diferenças e as diversidades de pontos de vista; então encontrará
entre nós verdadeiros irmãos na pessoas de uns quantos homens bons que, sob um
mesmo Deus – mas respeitando as diferenças de entendimento que cada um tem
d’Ele – se juntam para se tornarem melhores.
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