O GADU E A MENTALIDADE MAÇÔNICA

Por Giancarlo Guerreri 

Tradução: Luiz Sérgio Castro

Retomando o texto original das Constituições de Anderson, que apareceu em 1723: O primeiro artigo das chamadas "Antigas Obrigações" a respeito de Deus e da Religião afirmava: "um Maçom é obrigado, por sua condição, a obedecer à lei moral e, se compreender a Arte corretamente, nunca será um ateu estúpido, nem um libertino irreligioso".

Acredito que colocar o adjetivo "estúpido" antes do substantivo "ateu" pode nos levar a deduzir que, para Anderson, o ateu era em si mesmo estúpido; a coisa teria sido diferente se ele tivesse colocado o adjetivo depois do substantivo: neste caso, poderíamos ter pensado que ele se dirigia apenas aos ateus estúpidos, excluindo os inteligentes. Além dessas frágeis considerações, entretanto, devo observar que o GADU desempenha um papel muito importante tanto nos rituais quanto no simbolismo do Templo. Trabalhamos para a Sua glória, abrimos e encerramos as Obras em Seu nome, sem considerar os brindes e invocações expressas durante a maior parte das Cerimônias iniciáticas.

No altar há um livro sagrado, às vezes um livro branco, certamente não menos sagrado que os outros.

A presença do GADU parece ser generalizada, a própria sacralidade do Templo atesta sua existência sem a necessidade de levá-lo de volta a uma entidade racional.

Cito as palavras de Mircea Eliade (¹), proferida em Boston em 24 de junho de 1968 durante um Congresso de História das Religiões: “O sagrado é um elemento da estrutura da consciência e não um momento da história da consciência. A experiência do sagrado está intrinsecamente ligada ao esforço do homem para construir um mundo significativo. Hierofanias e símbolos religiosos constituem uma linguagem pré-reflexiva. Por ser uma linguagem específica, sui generis, precisa de uma hermenêutica própria. "

A questão, na minha humilde opinião, está precisamente contida na afirmação de que o sagrado é parte integrante da estrutura de nossa consciência, o que corresponde a um conceito bem diferente daquele do sagrado como uma nova "concepção filosófica" a ser incluída no patrimônio. intelectual.

Se aceitássemos essa interpretação, poderíamos dizer que um ateu, independentemente de seu nível mental / cultural, não possui em sua estrutura intelectual aquele elemento de sacralidade de que fala Eliade.

Eliade sempre propõe uma poderosa "distinção" entre "mundo profano" e "dimensão sagrada": segundo Eliade o "sagrado" nada tem a ver com o mundo da dimensão cotidiana, desde os tempos pré-históricos até hoje a história das religiões se constitui do acúmulo de "hierofanias", ou expressões de um "outro" mundo que vem a se manifestar. Outra consideração expressa pelo filósofo romeno diz respeito ao conceito de Cosmos dessacralizado, ou universo privado do poder do Sagrado, é uma descoberta recente da humanidade.

Aqui estão suas palavras relacionadas a este tópico: “Cada rito, cada mito, cada crença, cada figura divina reflete a experiência do sagrado e, conseqüentemente, implica as noções de ser, de significado, de verdade. [...] O "sagrado" é, em suma, um elemento na estrutura da consciência, e não uma etapa na própria história da consciência. Nos níveis mais arcaicos da cultura, viver como ser humano é em si um ato religioso, pois a comida, a vida sexual e o trabalho têm um valor sagrado. Por outras palavras, ser - ou antes tornar-se - homem significa ser «religioso» “.

A influência iluminista tentou erradicar o conceito de sacralidade da esfera maçônica, distorcendo sua essência íntima e erradicando o conceito, primeiro platônico e depois bruniano, de "Anima Mundi" do mundo latomístico. Segundo Platão, o mundo é uma espécie de grande animal, cuja vitalidade geral é sustentada por essa alma, infundida nele pelo Demiurgo, que o molda a partir dos quatro elementos fundamentais: Fogo, Terra, Ar e Água.

No século XVI, o conceito vitalista de Alma do mundo foi retomado por Giordano Bruno, que concebeu Deus de natureza imanente a ponto de identificá-lo plenamente com este último (panteísmo).

À luz dessas considerações simples, eu me pergunto uma questão óbvia: se a Maçonaria tem suas raízes nas mais antigas tradições, tornando-se sua testemunha natural, deveria, em minha opinião, cultivar a ideia do "Sagrado" protegendo sua presença para evitar o empobrecimento de sua mensagem, que de outra forma seria exclusivamente um nascimento da racionalidade e do intelecto. A ideia de um Grande Arquiteto do Universo parece-nos talvez mais próxima da de um demiurgo do que de um deus real, mas permite-nos manifestar e difundir a ideia de que existe um conceito de sacralidade ao qual nos referir e aos quais devemos dedicar nossos esforços como homens e mulheres.

Excluir de nossas obras, como alguns propõem, o conceito de GADU seria um grave equívoco, um empobrecimento inútil dos conteúdos e das mensagens dirigidas ao Transcendente; significaria, talvez, dar à Maçonaria aquele adjetivo irritante, que Anderson queria dar a todos os ateus.

(1)      Mircea Eliade (Bucareste, 9 de março de 1907 — Chicago, 22 de abril de 1986) foi um professor, cientista das religiões, mitólogo, filósofo e romancista romeno, naturalizado norte-americano em 1970.

Fonte: granloggiaditalia

 






Postar um comentário

0 Comentários