I
- Introdução
Um
assunto pouco estudado na literatura maçônica é o Clube do Fogo do Inferno
(Hell-Fire Club) na Inglaterra do século XVIII. Os estudiosos ingleses, como
Robert F. Gould, na sua obra clássica, no passado e John Hamill no presente, não
abordam o assunto seja por pudor ou por manter uma aura de sacralidade nos
assuntos referentes à arte real. Quando muito falam do Duque de Wharton, visto
não ter como escamoteá-lo pois foi o sexto Grão-Mestre da Grande Loja da
Inglaterra. Os norte-americanos desconhecem o assunto e os franceses estão mais
preocupados com seu umbigo do que com estas questões britânicas. Vamos tocar
num assunto, talvez pela primeira vez no Brasil, no intuito duplo de despertar
os maçons brasileiros sobre as questões de alta política e deixar um pouco a
nossa mania de tratar de assuntos supersticiosos e irrelevantes que povoam o
nosso imaginário maçônico.
II
– Primórdios: Wharton
O
Clube do Fogo do Inferno foi fundado ali pelo ano de 1719 pelo controverso
Philip, Duque de Wharton (1698-1731), um aristocrata, um proeminente político
Whig e maçom emérito, pois foi o sexto Grão-Mestre da Grande Loja de Londres na
molecagem dos seus 22 anos. O Duque de Wharton oscilava, nos primórdios de sua
vida, entre um ateísmo que ridiculariza a religião, passando por uma fase
deísta na maçonaria e morrendo aos 33 anos, convertido ao catolicismo, num
convento franciscano na Espanha. Na sua juventude, presidia reuniões festivas
com vestes satânicas numa taverna perto da praça St. James em Londres.
Outro
distinto integrante do Clube era Lady Mary Wortley Montagu, mulher do
Embaixador Edward Wortley Montagu, de notável personalidade e inteligência e,
além do mais, amante de Wharton. Viajou longamente pela Europa continental,
quase sempre desacompanhada do marido, e corria a lenda que teria se infiltrado
no harém do Sultão em Constantinopla no intuito de descobrir o segredo da
vacina contra a varíola.
Outro
ingrediente da trama que iremos viver, foi o escândalo e a derrocada na bolsa
de valores das ações da Cia. Mares do Sul (South Sea Co.), em 1720, que levou a
quebra dos especuladores, entre eles, os nossos Wharton e James Anderson. Como
se sabe, a Cia. foi fundada em 1711 para comercializar com a América Espanhola,
principalmente no tráfico de escravos. Tudo estava baseado na Guerra da
Sucessão Espanhola, pois a cia. esperava lucrar com a guerra civil na Espanha,
na esperança de conseguir um tratado que permitisse o tráfico de escravos. O
Tratado de Paz de Utrecht, contudo, firmado em 1713, foi menos favorável do que
o esperado, impondo uma taxa anual aos escravos importados e permitindo à cia.
enviar somente um navio a cada ano para o tráfico. O sucesso da primeira
viagem, entretanto, em 1717 foi bastante moderado, mas quando o rei Jorge I -
reinou de 1714 a 1727 - tornou-se o presidente da cia., em 1718, criou-se uma
confiança tão grande que as ações da cia. começaram a entrar em alta. Além do
mais, o Parlamento aprovou uma lei (South Sea Bill), uma duvidosa peça
legislativa que permitia à cia. assumir todo o débito nacional para pagá-lo com
seus lucros. Esta privatização avant la lettre resultou num boom no mercado de
ações. Todo mundo queria freneticamente comprar suas ações e a bolha estourou
em 1720, levando de roldão não só as ações da cia. como de todo o mercado.
Quando os investidores quebraram, como vimos acima, o Parlamento criou uma
comissão de inquérito, demonstrando cabalmente que, pelo menos, três ministros
foram corrompidos e mergulharam, também, na especulação. Tal fato foi crucial
na subida ao poder de Robert Walpole, que conseguiu salvar o ministério Whig da
derrocada.
Wharton
sempre se opôs a este esquema de suporte político desde o começo. Liderava uma
coalizão confusa de Whigs e Tories contra o primeiro-ministro Suderland e
Robert Walpole. Aqui convém esclarecer que a política britânica do século XVIII
era dominada pelo partido Whig e pelo partido Tory, cuja fundação tinha sido
estabelecida no século precedente, mas que, só se tornaram partidos, no sentido
moderno do termo, em 1784. As expressões Whig e Tory são palavras gaélicas cuja
tradução seria “ladrão de cavalos” e “foras-da-lei” que eram aplicadas pelos
partidários aos membros do campo oposto. Os Tories eram basicamente
conservadores, opunham-se à tolerância religiosa e frequentemente esposavam a
crença no direito divino dos reis. Compunham-se de membros da alta hierarquia
da igreja anglicana e da nobreza de província. Os Whigs eram, nesta época, o
partido majoritário, composto de aristocratas latifundiários e da poderosa burguesia
nascente. Eram partidários de uma monarquia constitucional, do imperialismo
inglês no exterior e do liberalismo laissez faire.
A
maioria Whig, quando se sentiu pressionada pela coalizão de Wharton, partiu
para o contra-ataque. Para desviar a atenção pública do escândalo da Bolha dos
Mares do Sul (South Sea Bubble) e minar a credibilidade política de Wharton,
Suderland e Walpole denunciaram, perante o Parlamento, as atividades de Wharton
no Clube do Fogo Inferno. Estas acusações de imoralidade alienou o apoio dos
Tories conservadores e dos Whigs liberais e o poder de Wharton foi quebrado.
O
Clube foi destroçado e daí a tentativa desesperada de Wharton em se tornar
Grão-Mestre da Grande Loja de Londres em 1722. Parte da descrição do evento se
encontra nas edições de 1723 e de 1738 das nossas Constituições de James
Anderson. Na primeira edição, que imortalizou Wharton, pois é citados diversas
vezes, Anderson tece tanto loas a Wharton quanto ao duque de Montangu. Na
segunda - de 1738 – Anderson começa a apagar a imagem do doidivanas, inclusive
tecendo algumas críticas, pois os jacobitas estavam se tornando carta fora do
baralho na política britânica. Wharton foi execrado por diversas razões: i)
pela sua imaturidade; ii) pelo seu libertinismo e iii) por ser jacobita, ou
seja, partidário de Jaime (Jacobus em latim) II, rei católico da dinastia
Stuart deposto em 1688, numa época em que a dinastia protes-tante alemã de
Hanover buscava se firmar no trono inglês. Dizem as más línguas que quando da
cerimônia de instalação na Grande Loja, a orquestra tocou um hino jacobita:
“Let the King Enjoy His Own Again”. Desnecessário dizer que o duque de Montagu,
antecessor de Wharton no Grão-Mestrado era afilhado do rei Jorge I. Wharton
termina seus últimos anos de vida via-jando para Viena, tentando persuadir os
austríacos habsburgos a invadir a Inglaterra para reentronizar os Stuarts, na
volta passa por Roma e termina os seus dias, na maior penúria, num mosteiro
franciscano em Madri, após fundar a primeira loja maçônica na Espanha.
III – A Segunda Geração: Dashwood
Sir Francis Dashwood (1708–1781), notório "bon vivant" e fundador do construtor de Hellfire Club, envergando o seu traje de jantar otomano |
A segunda fase do Clube do Fogo do Inferno
tem como seu expoente máximo Sir Francis Dashwood que nasceu em 1708 e era
proveniente de uma linhagem de ricos mercadores ‘turcos’ - ou seja,
comerciantes que desde o século XVII mercadejavam com o Império Otomano - que
se infiltraram na nobreza inglesa por meio de casamentos, dinheiro e política.
Dashwood possuía uma personalidade
complicada. Sua mão faleceu quando tinha dois anos, educou-se em Eton e quando
seu pai expirou em 1724, trancou-se numa cela durante uma semana para
embebedar-se. Em 1726, cansado do frio inglês, começou um turismo pelos mares
mais tépidos do Mediterrâneo, onde o bom vinho borbulhava e as mulheres eram
mais quentes. Em Florença manteve contato com o abade Nicolini, maçom, católico
jacobita, parti-cipando da loja inglesa naquela cidade, tanto assim que, quando
o conde de Middlesex tornou-se venerável desta loja alguns anos mais tarde, uma
medalha foi cunhada sobre o evento. Apresentava o deus egípcio Harpócrates (o
deus Horus quando criança), simbolizando o nascimento do eon, ou seja, uma criança
com o dedo sobre os lábios, exortando ao silêncio. Dashwood com o tempo,
tornou-se um apreciador das artes e da arquitetura clássicas e ao retornar à
Inglaterra fundou a Sociedade dos Diletantes. Este grupo discutia os clássicos
em jantares opíparos regados a vinho de qualidade, encorajando o estilo
Paladiano de arquitetura na Inglaterra e chegou mesmo a promover uma expedição
à Ásia Menor. Coincidência ou não, Carlos, o conde de Middlesex, era o filho
mais novo de Lionel Sackville, duque de Dorset, amigo íntimo de Wharton.
Ao retornar à Inglaterra não permaneceu por
muito tempo pois, após fundar a Sociedade, partiu com Lorde Forbes para São
Petersburgo, onde dizem, seduziu a Imperatriz Ana disfarçado de Rei Carlos XII
da Suécia que estava morto nesta época. Em 1730, vamos encontrá-lo viajando
através da Grécia com John Montagu, conde de Sandwich, em busca de questões
esotéricas do Oriente. Fundaram, então, o Clube Divã, dedicado a imitar o modo
de vida turco. Em 1739, já quase no final de sua longa viagem, parou em
Florença para visitar o abade Nicolini e onde encontrou a antiga amante de
Wharton – Lady Mary Wortley Montagu – que se integrou ao Clube do Divã e, a
tradição afirma, que acabou prestando votos na futura Abadia de Medmenham, com
iremos ver.
As coisas não estavam indo bem para a
maçonaria na Itália, pois em 1738 o papa Clemente XII promulgou uma bula – In
Eminenti Apostolatus Specula – proibindo os católicos, sob pena de excomunhão,
de pertencer à maçonaria. Convém salientar que, nos Estados Papais, pertencer à
uma loja era passível de pena de morte e nos Estados não-papais, dava-se, livre
curso para que a inquisição tomasse as providências necessárias contra as
lojas. Em 1740, o papa estava morto e Dashwood encontrava-se em Roma para
assistir ao conclave que elegeria o novo papa. Lá assumiu a identidade do
Cardeal Ottiboni, um dos maiores perseguidores dos maçons, e o satirizou
publicamente num indecente ritual de zombaria.
Dashwood aprontou coisas mais graves que
acabaram por estabelecer sua infame reputação. Na Sexta-feira Santa era costume
da época que os penitentes se auto-flagelassem defronte a Capela Sistina.
Inspirado ou não, seja pelo eroticismo da cena ou furioso pela perseguição
infligida aos maçons, Dashwood, excitado pelo vinho, meteu-se a açoitar os
fiéis com o seu chicote do cavalo. A tradição afirma, sem muitas provas, que
este incidente levou a uma conversão passageira de Dashwood que, após o
incidente, bêbado, foi dormir nos seus alojamentos. Teria sido acordado altas
horas da noite por gritos agudos inumanos e ficou estarrecido ao se deparar com
quatro incandescentes olhos verdes observando-o através da janela. Convencido
de que tinha sido visitado pelo demônio, arrependeu-se de seu comportamento
sacrílego na Sexta-feira Santa e converteu-se ao catolicismo. Daquele momento
em diante, assistiu à missa regularmente e era visto constantemente portanto um
rosário. Este comportamento inusitado durou até o momento que seu companheiro
de viagem revelou que também tinha visto a aparição e tudo não passava de um
par de gatos, no cio, copulando. A desconversão de Dashwood foi imediata e
galvanizou ainda mais o seu anti-catolicismo e contribuiu para o seu tão
afamado satanismo.
Se esta história pode ser lenda, o apoio de
Dashwood à causa jacobita não pode ser colocado em dúvida. Teria entrado em
contato com o príncipe Charles Edward Stuart, pretendente do trono inglês que
nessa época residia em Roma. A conspiração de Dashwood só não progrediu por que
faltou a uma reunião com o tutor do príncipe, o nosso maçom e católico:
Cavaleiro André Ramsay. Existia, naquela época, uma lenda que muito
impressionou a Dashwood: o Jovem Pretendente ao trono inglês – o Bom Príncipe
Charles – seria o Cavaleiro da Pena Vermelha, o “superior desconhecido” da Ordem
Maçônica do Templo. Esta lenda era fruto das histórias da carochinha de Ramsay
que dizia ser a ordem maçônica descendentes dos Cavaleiros Templários e a Casa
de Stuart, seu último legítimo descendente.
Dashwood finalmente retornou à Inglaterra em
1741 e seu tio – o conde de Westmore-land – tentou persuadi-lo a entrar na
política. Naquele momento, o eleitorado encolhia (o bairro de Old Sarum tinha
um eleitor e contava com dois assentos no Parlamento) e a corrupção (a compra
de votos era artigo corriqueiro) grassava nos arraiais políticos. Walpole,
finalmente, nomeado primeiro-ministro
pelo rei Jorge II, que sucedeu seu pai em 1727, dominou o escândalo do
South Sea com firmeza e suborno, alçando-se a uma posição impar na política
inglesa. O rei reinava, feliz, por conseguir financiar os seus exércitos
alemães com taxas inglesas, um dos fatores que favoreceu à Guerra dos Sete Anos
(1756-63).
IV – O Club do Fogo do Inferno
A tradição assegura que o Clube do Fogo do
Inferno de Dashwood se reunia original-mente em Londres na Taverna “Jorge e o
Abutre”. Dizia-se que Dashwood e seus epígonos encontravam-se em locais
públicos para usufruir da Lei contra a Bruxaria, que tinha sido repe-lida pelo
Parlamento em 1736, ressuscitando o Clube do Fogo do Inferno de Wharton dentro
de um espírito de deboche. É notório que no início do século XVIII, as tavernas
eram os lo-cais onde as lojas se reuniam, pois inexistiam, ainda, os templos
maçônicos. É pois, bem provável, que o renascente Clube fosse, também, um
pretexto para que os partidários jacobitas pudessem reunir-se sem apresentar
muitas suspeitas.
Em 1750, Dashwood alugou a Abadia de
Medmenham e começou uma restauração sui generis no ano seguinte. A Abadia era
originária do século XIII e tinha sido expandida no período Tudor. Dashwood
acrescentou uma torre em ruínas e um claustro para dar um charme de atmosfera
gótica, tão apreciado pelo satanistas, ao edifício. No frontão da entrada,
colocou o dístico famoso de François Rabelais: “Fay ce que voudras” (Faça o que
você quer). Esta frase foi cunhada por Rabelais quando descreve a Abadia de
Thélème no seu clássico Gargantua e Pantagruel. Curioso é que duzentos anos
depois, o ‘satânico’ Aleister Crowley e seu pessoal da OTO iriam usar o mesmo
dístico.
Comentava-se que a biblioteca da abadia
continha invejáveis coleções de erótica, uma Bíblia em latim publicada em 1714,
uma hagiografia e uma cópia da Conjectura Cabalística. As paredes estavam
decoradas com retratos de reis ingleses (o retrato de Henrique VIII com pedaços
de papel colados no lugar dos olhos); o deus Harpócrates, dedos nos lábios,
pairava sobre o refeitório. A sala do Capítulo era o local estratégico para
entender as atividades dos monges. Seus móveis ficaram desconhecidos para a
posteridade, perdendo-se nas brumas do mistério. Autores mais sensacionalistas
juravam ser um santuário para rituais satânicos, hoje, supõem-se mais
razoavelmente que eram usados para cerimônias maçônicas.
John Wilkes (1725-1797), um jornalista e
político populista inglês, membro do Parlamento, xerife e prefeito de Londres,
foi iniciado, elevado e exaltado maçom em 1769 na prisão de King’s Bench, fato
que o tornou célebre na comunidade maçônica, pois era expressamente proibido
iniciar um maçom que estivesse preso ou confinado numa prisão, visto que, para
ser iniciado, o candidato deve “ser livre”. Wilkes, outra personalidade
controversa, participou de diversas lojas maçônicas, tanto dos modernos como
dos antigos, além de inúmeras sociedades dos mais diversos feitios, foi,
também, na sua juventude, fundador e participante da Abadia de Medmenham.
Wilkes, muitas vezes criticado como oportunista, contribui, na sua época, para
consolidar o direito da liberdade de imprensa, forçou a Inglaterra a reexaminar
suas regras so-bre o sufrágio e inspirou os colonos norte-americanos na sua
demanda por liberdade. Quando Wilkes rompe com o Clube do Fogo do Inferno,
difamou-o num artigo com as seguintes palavras: “Nenhum olho profano jamais
ousou penetrar nos mistérios dos Elêusis ingleses na sala do Capítulo, onde os
monges reunidos em solenes ocasiões, praticavam os mais secretos ritos e
libações eram oferecidas, com muita pompa, à BOA DEUSA (BONA DEA)”. Alguns
autores interpretavam esta menção de BOA DEUSA como significando que eles
praticavam ritos druídicos. Horácio, filho de Walpole, inimigo político de
Dashwood, ironizava-os da seguinte maneira: “Fosse qual fosse a sua doutrina, o
rito que praticavam era rigorosamente pagão: Baco e Vênus eram as deidades a
quem eles publicamente sacrificavam”. A única vista que os profa-nos tinham da
atividade da Abadia era a de ver os monges passeando de bote sobre o Tâmisa. Os
membros mais famosos do grupo eram: o irmão de Dashwood, John Dashwood-King;
John Montagu, conde de Sandwich; John Wilkes; George Bubb Dodington, barão de
Melcombe; Paul Whitehead e outros membros menos nobres e profissionais
liberais.
As lendas da época falam de escândalos,
orgias sexuais sado-masoquistas que ocorriam no interior da Abadia.
O Clube não possuía uma agenda política
única. Embora a maioria de seus membros fosse Whig, o conde de Sandwich, que se
tornou Primeiro Lorde do Almirantado, tinha claras inclinações Tories e John
Wilkes, como vimos, era um populista inveterado. O certo é que devido ao mote
de Rabelais – faça o que você quer – eles compartilhavam um ponto de vista
comum na capacidade humana de se auto-governar sem necessidade de um corpo de
lei im-posto de fora. Dashwood, por exemplo, era politicamente independente,
acreditando ser mais importante votar de acordo com sua consciência do que
seguindo diretrizes partidárias. Durante sua longa e controversa carreira, teve
assento nas duas Casas do Parlamento, foi Ministro da Fazenda e diretor-geral
dos Correios. Propugnava pela formação de uma milícia nacional visando abolir o
exército e as tropas alemãs mercenários, em suma, desejava minar o poder real.
Dashwood logrou entrar no círculo do príncipe herdeiro Frederick, um maçom,
iniciado por Desaguliers em 1737, filho de Jorge II, que atraía muitos
jacobitas entre os seus acólitos. Che-gou, mesmo, a ser confidente do Príncipe
Fritz, mas caiu, de novo, em desgraça com o morte do príncipe em 1751.
Quando o Gracioso Príncipe Carlos (Bonnie
Prince Charles), o último stuart a reivindicar o trono inglês, embarcou, na sua
tentativa frustrada de invadir a Inglaterra com apoio franco-escocês em 1744, a
Casa dos Comuns foi tomada de um frenesi patriótico. Votaram, então, um ato de
lealdade a Jorge II. Dashwood, ao tentar postular uma emenda a este ato no
sentido de alertar o soberano a não-infringir a liberdade de seus súditos, foi
apodado de jacobista inveterado.
Outra curiosidade de Dashwood foi sua amizade
com Benjamin Franklin. Em 1770, produziram um plano de reconciliação entre os
britânicos e suas colônias rebeldes na América do Norte. Ignorou-se o plano, e
as conseqüências todos nós conhecemos. Em 1773, revisaram o Livro de Preces
(Book of Common Prayer) – livro de orações da Igreja Anglicana – o que,
convenhamos, é uma atividade pouco comum para um satanista. Alguns
historiadores especulam que os dois pretendiam, com isso, tentar trazer a
Igreja Anglicana para o deísmo maçônico. As mudanças eram no sentido de remover
todas as referências ao Antigo Testamento, eliminar as múltiplas repetições de
que era prenhe o Livro de Orações e trazer a Igreja Anglicana para uma postura
mais ligada à comunidade e menos portentosa. Esta liturgia ainda é utilizada
por diversas seitas protestantes nos EEUU
V – Conclusão
Pode-se adotar a crença popular de que
Dashwood era um satanista e ponto final. Uma interpretação mais sofisticada,
especularia sobre os rumores de magia sexual, o livro de cabala da Abadia, a
imagem de Harpócrates, as ligações de Dashwood com a Ordem Maçônica do Templo e
o lema da Abadia de Thélème – Faça o que você quer – na Abadia de Medmenham,
levaria-nos a concluir que o Clube do Fogo do Inferno era uma manifestação
avant la lettre de uma sociedade satânica à la Aleister Crowley.
A nossa interpretação é a de que, tirante as
manifestações pour épater le bourgeois de uma espécie de um Clube dos
Cafajestes de um bando de aristocratas ingleses, a Abadia devia conter o
Capítulo de um templo maçônico, albergando envolvidos numa conspiração de
jacobitas para recolocar os Stuarts no trono da Inglaterra.
Daniel Willens conclui também que muitos dos
associados maçônicos de Dashwood eram católicos jacobitas. Dashwood provinha de
uma burguesia recém nobilitada, faltando-lhe uma linhagem mais aristocrática. O
glamour cavalheiresco das ordens ‘templárias’ jacobitas era um atrativo
capitoso para pequena nobreza e os jesuítas sabiam explorar isto muito bem.
Lembremo-nos do Cavaleiro Ramsey. A “conversão” de Dashwood em Roma, que foi
posteriormente tão ridicularizada, não teria sido uma conversão verdadeira? É
bom recordar que os católicos não podiam exercer emprego público na Inglaterra
no final do século XVIII. As paródias ridículas dos sacramentos, as “Missas
Negras”, não seriam na verdade missas católicas, impossíveis de serem
realizadas numa Inglaterra fundamentalisticamente protestante? Desde que
Henrique VIII cortou os vínculos com Roma, o catolicismo foi ‘demonologizado’
na Inglaterra. Os monges satânicos eram figuras extremamente populares nos
‘romances góticos’ da época. Na perspectiva britânica da época, tudo que fosse
papista devia ser satânico.
A Bíblia em latim, a hagiografia, o retrato
deformado de Henrique VIII, as evasivas no Livro de Preces, não seria por isso,
conclui finalmente Willens, que Sir Francis Dashwood, o notório satanista,
seria de fato um maçom jacobita e, ainda por cima, católico?
Bibliografia
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