O ocultismo da Ordem a descoberto
Quem eram realmente estes cavaleiros? O que
buscavam ao escolher tão rigorosamente a localização dos seus castelos? O
que ocultavam com tanto afã? Qual era a sua missão?
Autênticos motores da evolução espiritual da
Idade Média e antecessores ocultos de uma arquitetura mágica, o gótico, os
templários são o elo fundamental de um intrigante processo que começa na noite
dos tempos e chega até os nossos dias.
Pensar em escrever alguma coisa, por mais
superficial que fosse, sobre a aventura templária na península ibérica, poderia
parecer hoje um empreendimento sem sentido, tanto pela carência de informação
que temos em torno dos seus cerca de duzentos anos de assentamento, como pela
escassa ou quase nula importância que os historiadores em geral concedem à sua
eventual influência, no advento histórico e cultural dos reinos espanhóis da
Idade Média. Os cavaleiros do Templo foram para a investigação histórica – em
geral – um mero acidente, uma espécie de cisto de origem estranha, incrustado,
quase que por acaso, entre uns acontecimentos nacionais, sobre os quais nunca
chegaram a influir decisivamente.
Na hora de analisar o papel exercido pelas
ordens militares na política e no processo de expansão destes reinos que
compunham o mosaico peninsular, a história se aprofunda nas ordens nascidas em
seu seio: Calatrava, Alcântara, Santiago, Sant Jordi d´Alfama em Tarragona, a
de Montgaudí em Extremadura, a de Montesa em Valencia e a de Cristo em
Portugal. Masnão parece abordar na prática que as primeiras foram criadas
precisamente para funcionar como um escudo político, de raiz nacional, sob
influência de templários e hospitalários, cuja importância vinha avalizada por
um autêntico carisma solidamente fundamentado por sua atuação do outro lado do
Mediterrâneo: nada menos do que a chamada Terra Santa, meta de todo o
sentimento religioso medieval. Quanto às outras ordens, se esquece ou se ignora
com demasiada facilidade que a de Montgaudí foi incorporada ao Templo em 1196 e
que as de Montesa e a de Cristo foram criadas expressamente para acolher os
cavaleiros templários – e todos os seus bens territoriais – quando a
ordem foi suspensa pela bula vox in excelso, publicada pelo
papa Clemente V no concílio de Viena, em 3 de abril de 1312.
Por falar em esquecimento ou algo parecido
como “ passar por cima” , observamos que os historiadores não abordam os
motivos que teriam levado Alfonso I, o batalhador, a doar toda a herança dos
seus reinos às ordens militares do Templo e do Hospital. Nem se pensa na
verdadeira causa do assentamento dos templários em um Portugal que
lutava por sua independência, antes mesmo de ser a ordem reconhecida
oficialmente pelo concílio de Troyes em 1128.
Nem sequer parece perceber-se que a presença
templária na península coincide exatamente com os anos de avanço máximo da
reconquista, com a época de mais sólido assentamento dos governos, com o tempo
de maior estabilidade política e com o momento de maior interesse cultural em
todas as correntes da arte e do pensamento.
A história continua ignorando que enquanto na
França – berço natural dos templários – os membros da ordem eram encarcerados,
torturados, queimados e injuriados, em toda a península se fez caso omisso da
fúria revanchista de Felipe IV, o Belo, e se cumpriu a ordem de Roma com dois
processos oficiais – em Salamanca e em Tarragona – que simplesmente declararam
os templários totalmente limpos de pecado e de infâmia, tendo sido decretado
que os cavaleiros fossem respeitados, que se facilitasse o seu ingresso em
outras ordens, militares ou monásticas, sempre que este fosse o seu desejo e a
sua vontade.
Os estudos históricos continuam obedecendo,
em geral, a um racionalismo que os congelam e os desumanizam. É como se a
história não admitisse perguntas sem respostas. O ortodoxo é encontrar – ou
fabricar – os fios que movem o ser humano como uma marionete. E quando tudo
está atado e bem atado mover os fios, fazendo com que os bonecos sigam o
caminho previamente marcado. Pobre do boneco que saía do caminho traçado! Seria
relegado ao esquecimento ou se produziria para ele uma razão gratuita para
justificar a sua rebeldia. Assim, tudo resultará harmônico, ortodoxo; tudo será
assim porque teria que ser assim, porque as respostas são anteriores aos
problemas, porque não é permitida uma pergunta cuja resposta não tenha sido
anteriormente estabelecida.
Recuso-me redondamente a admitir tudo
aquilo que se toma por dogma irremovível, porque creio que, se o ser humano é
capaz de evoluir, essa evolução não é provocada pelos que consentem, mas pelos
que negam e perguntam e nunca estão de acordo nem com os que lhes ordenam a
crer nem com o que lhes dita a sua própria razão secularmente programada.
Para mim a história dos templários não é, de
modo algum, uma aventura isolada que começa e termina com eles. Os templários
são mais uma peça – fundamental, apesar da brevidade de sua existência oficial
– de um imenso jogo histórico que tem propiciado a evolução humana, ao buscar
as raízes remotas e desconhecidas, mas nem por isso menos certas – em que se
assenta o inconsciente coletivo do homem. A história da evolução tem sido, no
fundo, uma história de penetração no passado que tem permitido, embora pareça
paradoxal, os saltos culturais sucessivos para o futuro. De certo modo tem sido
a negação do tempo, como elemento determinante do progresso e até da vida –
individual ou coletiva – do homem.
Tratarei de me explicar. A história do
pensamento humano é a história da própria evolução. Entretanto, essa evolução
nunca tem acontecido sem a intervenção de uma série de fatores radicados na
trama dos conhecimentos e dos saberes que o ser humano carrega desde a sua
própria origem. Essa intervenção do passado tem sido sempre intuitiva; tem sido
baseada em sinais que a memória tem estereotipado, privando-os externamente dos
seus verdadeiros significados. Somente aqueles que têm se negado a admitir a
aparente banalidade dos símbolos remotos e reconhecido o seu caráter de
mensagem cifrada conseguiram avançar até o futuro, precisamente porque se
aprofundaram no ontem e rejeitaram a sua evidente obscuridade, negando-se a
aceitá-la como uma amostra de magia irracional.
Decifrar os símbolos é penetrar na mensagem
essencial do homem. Porque o homem vive – ontem, como hoje e amanhã – para dar
significado ao seu conhecimento; isto é, para universalizá-lo. No fundo, os
símbolos e somente os símbolos são palavras, ditas ou escritas. E quando as
palavras não bastam para expressar os graus superiores do saber – porque a
linguagem é fundamentalmente pobre e limitada – o homem recorre, às vezes até
sem o saber, aos símbolos universais, que têm sido exotéricos ou esotéricos,
segundo a sua compreensão imediata tenha estado ao alcance de uma maioria crente ou
de uma minoria consciente.
De certo modo – e isto tem sucedido sempre,
para a desgraça da História – o homem crentetem constituído a
grande massa que se tem deixado arrastar, por medo ou por esperança de
recompensa, pelos sucessivos dogmatismos oficiais que têm ordenado a seu gosto
e capricho a marcha do mundo. De certo modo também – e isto nem sempre -, a
minoria consciente tem formado um núcleo de proscritos e
condenados, porque se atreveram a enfrentar, apenas com a força de sua
necessidade de conhecimento, os preceitos estabelecidos pelos setores que detêm
o poder e baseiam a manutenção do poder na ignorância e na obediência cega às
normas estabelecidas.
Os templários fizeram parte dessa minoria
consciente. Mas, ao longo dos quase duzentos anos de existência da ordem,
souberam jogar exotericamente as cartas do poder econômico e guerreiro, assim
como desenvolveram uma indubitável visão política das monarquias, para
conseguir um grau de liberdade de ação que outros grupos paralelos jamais
puderam alcançar. Com seu status político, influíram em favor de sua própria
busca e tiveram, inclusive, a sorte de saber se manter fora de um primeiro
plano de atenção, para adentrarem-se melhor nos ângulos de um rastreio em que,
muito possivelmente, lograram avançar muito mais do que as aparências
históricas nos permitem supor. Porque, pelo menos, chegaram ao final dessa
viagem de ida e volta que supõe o grande ciclo da evolução do conhecimento humano.
O Templo foi criado, como tal ordem, no
oriente. Mas foi criado ali, conscientemente, por enviados especiais do
ocidente que iam à Terra Santa em busca das fontes ancestrais do conhecimento,
conhecidas – ou melhor, suspeitadas – através do simbolismo crítico dos livros
sagrados. Uma vez ali, embebidos das raízes ainda mais remotas dessas fontes
que buscavam, graças ao contato com grupos paralelos muçulmanos e judeus,
continuaram sua busca em terras onde teriam de encontrar as origens daquele
saber bíblico que já haviam captado. Com toda a força de sua potência econômica
e militar, se assentaram novamente no ocidente de onde haviam partido e, nele,
foram conseguindo sistematicamente a posse daqueles territórios nos quais, sob
as diversas aparências, encontravam-se as chaves primeiras – e as últimas – de
sua busca. Lugares de cultos remotos, encruzilhadas de encontros seculares de
crenças, enclaves considerados como mágicos por aqueles que eram capazes de
entrever a sua realidade, tudo isto constituiu as metas secretas dos monges do
Templo.
Esses enclaves que continham a mensagem
buscada não reconheciam fronteiras territoriais. Estavam, simplesmente, no
ocidente: em Aragon, na Catalúnia, em Castilla, em Provenza, em Navarra, em
Leon, na Bretanha, em Portugal, na Irlanda. Estavam em lugares de velhas
tradições esquecidas, em pedras misteriosamente esculpidas, em montes e fontes
que ainda conservam para o povo o caráter mágico sacralizado desde as origens.
Estavam nas formas especiais de conceber a estrutura dos templos e nas formas
insólitas de venerar os mortos. Estavam inclusive em pontos muito especiais nos
quais, desde sempre, ocorriam feitos anormais que eram alternativamente
considerados como milagrosos ou como obra dos espíritos do mal.
Os templários, assim como outros ocultistas,
sabiam que existe uma realidade que nada tem a ver com o bem supremo nem com o
mal mais abominável, embora seja atribuída a um ou ao outro, segundo a
circunstância dominante. O fundo dessa realidade é o conhecimento, um
conhecimento em que o homem penetra poucas vezes, e quando o faz é
invariavelmente tachado de santo ou de diabo, sem que chegue a ser nem uma
coisa nem outra, apenas um ser essencialmente humano.
Os templários estabelecidos na península
buscaram sem tréguas esse saber e esses lugares. Lutaram militar e
economicamente para alcançá-los e, quando os tiveram em seu poder,
defenderam-nos até com sacrifício de sua própria segurança e
sobrevivência. E havia algo neles que justificasse sua defesa, porque chegado o
momento de sua extinção por ordem superior da igreja, enquanto na França os
monges se entregavam sem opor a mínima resistência, em vários enclaves
peninsulares – Monzón, Cantavieja, Jerez de los Caballeros, Miravet –
encastelaram-se, desobedecendo as ordens reais e eclesiásticas, dispostos em muitos
casos a defender até a morte o que ali haviam encontrado, coisa que não chegou
a acontecer.
Não tenho a pretensão de fazer aqui uma
história dos templários peninsulares. O propósito é, em parte, estudar seus
enclaves e as circunstâncias mágicas que os envolviam, em uma busca do por quê
daqueles lugares especiais. Por outra parte, desentranhar, ainda que
parcialmente, a evolução arquitetônica da Idade Média peninsular, que contém
toda uma chave do conhecimento que ultrapassa os limites estritos da
arquitetura, para expressar, através dela, a realidade de um universo de
símbolos superiores, que só a matemática mágica dos templários podia conter.
Neste sentido, é lógico tomar por certa a
influência que pode ter a Ordem do Templo sobre a evolução esotérica das formas
arquitetônicas. É verdade que, carregados de uma série de princípios básicos do
conhecimento superior, compreenderam com bom critério que somente através da
edificação de templos poderia o homem transmiti-los aos que fossem capazes de
apreendê-los. E isto por duas razões. A primeira, puramente material, porque a
pedra tem maior probabilidade de manter-se incólume ao longo do tempo do que a
madeira, o ferro ou o papel. A segunda, porque sendo em princípio o templo a
casa que o homem dedica ao ser superior, a sua divindade, é lógico que contenha
em si mesmo, desde o planejamento estrutural até o último detalhe de sua
construção, todo o acúmulo de saberes e de crenças que o ser humano pode
oferecer em seu desejo de acercar-se de sua origem e de fazer-se realmente
digno dela e de sua razão de ser.
É possível – porém, infelizmente, pouco ou
nada documentalmente provável – que os templários tenham contribuído, no
terreno econômico e material, para o grande boom das catedrais
dos séculos XII e XIII. Não há provas diretas dessa contribuição. Entretanto, é
certo que mantiveram estreitas relações com as lojas de construtores e que
transmitiram aos mestres canteiros uma série de módulos simbólicos, que logo se
refletiriam nos grandes templos populares do ocidente. Com eles se tratava de
fazer chegar ao homem – ao povo – a intuição do conhecimento que até então se
havia mantido fechado entre os muros das abadias e dos mosteiros.
Tratava-se também de colocar esse povo, consciente ou inconscientemente,
de cara com a realidade superior representada nos símbolos, para que estes,
convertidos em atos, em ritos ou em costumes, atuassem sobre ele e
influíssem em sua vida individual e coletiva.
Os templários, pois, adquiriram um
conhecimento, assimilaram-no, deram a ele um significado e logo o transmitiram.
A brevidade da sobrevivência da ordem impediu que esse conhecimento chegasse a
superar a realidade dimensional do tempo, porém foi, em muitos aspectos, uma
semente que deu seus frutos onde encontrou terra fértil para frutificar. Em
alguns lugares – certamente uma maioria – os poderes estabelecidos cuidaram de
apagar de imediato toda marca que pudesse assinalar a presença templária,
negando seu apoio ao progresso cultural enquanto a ordem existiu. Em outros
enclaves, embora restrita e de certo modo subterrânea, a obra templária
continuou em seus herdeiros e gravou determinados feitos marcantes de
conhecimento e esplendor. No primeiro caso se encontra Castilla.
No segundo, Portugal, onde a benevolência
para com a ordem extinta permitiu que muitos templários do resto da Europa e
até da própria península buscassem refúgio na Ordem de Cristo, recém criada
para eles. Como conseqüência de longo prazo desta benevolência, no lado
exotérico, veio a criação da Escola de Sagres, que reuniu os maiores
conhecimentos cosmológicos de seu tempo e propiciou o auge das explorações
ultramarinas lusitanas. No campo do esoterismo, temos o surgimento da insólita
experiência da arquitetura manuelina, em que, muito além da exacerbação barroca
de um gótico tardio, se encontra a mais multicolorida linguagem simbólica que
foi possível se expressar em pedra ao longo dos tempos.
Ainda há, porém, algo mais que vem marcado
pelas pegadas templárias, algo que as casualidades nunca poderiam justificar e
que, a meu modo de ver, está condicionado precisamente pelo grau de
conhecimento superior que alcançaram os templários. Se fizéssemos uma contagem dos
lugares onde nos últimos séculos ocorreram fenômenos insólitos e
incompreensíveis, do tipo mágico-sagrado, tais como aparições virginais, curas
milagrosas, visões de óvnis, danças solares e histórias religiosas coletivas,
descobriríamos que, em porcentagem elevada, há antigos enclaves
templários – castelos, capelas e mosteiros – nas imediações.
Essa realidade supera os limites restritos da
cronologia e até as razões aparentes da história. Existe – não tenho a menor
dúvida – uma relação, digamos que mágica, que cavalga por sobre o tempo e o
converte em um puro capricho no jogo cósmico das dimensões.
Os templários, assim como a ordem beneditina
e outros grupos de ocultistas que faziam investigações livres, conheciam ou
pelo menos tinham razões para intuir a realidade paranormal de determinados
lugares, muitos séculos antes de que tal realidade se fizesse patente. Mas eles
sabiam que esses feitos, tanto os sucedidos como os previstos, não eram milagre
divino nem diabólico, mas amostras de uma suprarrealidade cujas razões estavam
expressas nos sinais cifrados da sabedoria antiga. Conhecedores dessas
mensagens, ou pelo menos desconfiados de sua importância, cuidaram de vigiar
atentamente aqueles enclaves, ocupando-os e estudando as suas características.
Possivelmente durante a existência da ordem nunca se fizeram patentes os
prodígios, mas o germe dessa outra realidade já estava ali, como que esperando
o instante propício para manifestar-se em aparente prodígio.
O simples fato de buscar hoje os lugares da
aventura templária peninsular é, em si, a aventura apaixonante de uma busca no
terreno do insólito. A sombra fantasmagórica dos monges iniciados está
entranhada em seus velhos enclaves arruinados e continua transmitindo a
mensagem que nunca chegaram a tornar pública, mas que confirmaram com sua
presença.
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