por Jean-Michel Mathonière - Tradução
J. Filardo
Desde o século XVIII coexistiram na
França duas instituições que são frequentemente confundidas: A Maçonaria
e o Companheirismo (Compagnonage). Assemelhavam-se mas não se misturavam.
Se alguém pode notar traços da
influência maçônica sobre as compagnonnages desde o século XVIII, é, de toda
forma, depois de 1789 que este fenômeno assumirá uma escala que aumentará
durante as primeiras décadas do século XIX. As razões para isso são muitas, no
mais das vezes passivas – a maçonaria oferecendo em relação a todos por suas
divulgações de modelos fascinantes de ritos, lendas e iconografia simbólica –
às vezes ativas – maçons, sejam eles companheiros ou não, desejam ardentemente
trazer mais luz aos obreiros.
A criação da União Compagnonnique em 1889
marca o ponto culminante dessa influência sobre as Compagnonages. Resultante
das ideias pacifistas propagadas por Agricol Perdiguier e da fusão de
sociedades de benefícios mútuos, especialmente de origem em Lyon, esta
sociedade reunia companheiros pertencentes às três antigas famílias rituais:
“filhos” de Mestre Jacques, do Pe. Soubise e de Salomão, cujas lutas muitas
vezes sangrentas explodiam frequentemente nas estradas do Tour de France. Para
afastar os ressentimentos antigos entre os ritos a reunir, os fundadores,
muitos dos quais são os mais influentes também são maçons (este é
particularmente o caso de Lucien Blanc, o primeiro presidente da UC), optam por
um ritual único em que eles desejavam “trazer de volta a compagnonage aos
seus verdadeiros princípios tradicionais, e restaurar as verdadeiras e
importantes iniciações em sua antiga e respeitável pureza.” Este ritual de
recepção tem como objetivo “trazer de volta a nossa sublime e bela instituição
à via de onde ela nunca deveria ter se desviado, fazendo de todos os artesãos
uma verdadeira família de irmãos que, de mãos dadas, caminharão daqui em
diante, pelo caminho do progresso para a conquista de um destino melhor,
ajudando a sociedade ao desenvolvimento da civilização”. Sua leitura mostra que
este é um decalque quase idêntico ao ritual do aprendiz maçom.
Esse tipo de empréstimo não era novo, no
entanto: alguns companheiros haviam copiado páginas inteiras de rituais
maçônicos no início do século XIX. Isso é o que permitirá que essa reforma se
imponha facilmente, porque não apresentou uma ruptura maior em relação aos
rituais praticados nas últimas décadas, pelo menos nos filhos de Mestre Jacques
e os de Salomão. Além disso, ao fazê-lo, antecipando uma ideia comum hoje em
dia, os pioneiros da UC imaginam que estão apenas restaurando os rituais de
companheirismo que a Maçonaria de alguma forma se apoderou ilegalmente, via
aceitação de burgueses nas lojas operativas britânicas.
Entre os testemunhos mais passivos dessa
influência maçônica sobre a jovem União Compagnonnique, optei por ilustrar uma
litografia intitulada “O templo dos Companheiros”, publicada em 1889 por um dos
fundadores daquela sociedade, Alphonse Fardin (1859- 1929), vulgo Normand, o
Bem-Amado do Tour de France. Recebido companheiro sapateiro do Dever em 1876 em
Bordeaux, Fardin é o delegado dos companheiros sapateiros du Devoir durante o
congresso da Federação Compagnonnique de todos os Deveres reunida em 1889,
durante a qual ela será transformada na União Compagnonnique (é certamente para
esta ocasião que ele editou esta litografia). Poeta e cancioneiro, publicou
também, entre outras obras, uma coletânea de canções, romances e poemas dos
companheiros intitulada O Conciliador (Paris, editora Veuve Vert, 1893), onde
ele proclama, em seu prefácio, que “unidos, seremos fortes e invencíveis”,
enquanto promete trabalhar até seu último suspiro pela prosperidade da União
Compagnônica.
Se desde Avignonnais la Vertu (Perdiguier),
apoiada por Vendôme la Clef des Coeurs (Piron) e Joli-Coeur de Salernes
(Escolle), as canções dos companheiros constituem a ponta de lança dos
companheiros pacifistas para semear e ancorar nas mentes facilmente aquecidas
por sentimentos mais fraternos, a imagem do companheiro não é deixada de fora,
graças principalmente ao desenvolvimento da litografia que permite a reprodução
rápida e econômica de desenhos. Fardin assume, assim, de certa forma, a
sucessão editorial e militante de Agricol Perdiguier, falecido em 1875,
publicando canções e essa litografia.
Além da referência aos três fundadores dos
Deveres, representados unidos no centro do frontão, este templo finalmente tem
como companheirista apenas seu título e os textos, criptografados ou não, que
vêm ocupar cada superfície disponível, incluindo a lista de todas as cidades
onde as sociedades de companheirismo da época estão presentes. Para o resto,
pelo seu estilo geral, sua arquitetura imponente, seu vasto pavimento de
mosaico e seus detalhes simbólicos, é totalmente de inspiração maçônica.
Uma vez mais, o fenômeno não é novo: a partir do início do século XIX, as duas
colunas J e B, bem como o frontão estão amplamente presentes nas imagens dos
companheiros. Mas é, no entanto, a primeira vez, me parece, que a impressão
propriamente companheira é tão fraca. Adolphe Fardin nos legou um templo
para não deixar um maçom do lado de fora! Em todo caso, não demorará muito para
que a União Compagnonnique aceite em seu seio o ofício de pedreiro-construtor,
que os companheiros talhadores de pedra das antigas sociedades sempre se
recusaram a admitir no Dever.
Para ir mais longe
Jean-Michel Mathonière, Interferência entre
especulativos e operativos franceses nos séculos XVIII e XIX, SFERE (Sociedade
Francesa de Estudos e Pesquisas sobre o Escossismo), volume XIV (seminário de
26 de novembro de 2016).
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