Autor:
Rodrigo Peñaloza
Ruth and Boaz – David Wilkie Wynfield (1879) |
Nas Lojas brasileiras muito se confunde
quanto à forma correta do nome Boaz, uns dizendo Booz, outros Boaz. Neste
texto, eu procuro mostrar duas coisas. Primeiro, que o correto é Boaz, o que,
aliás, é trivial, pois, para tanto basta observar a pronúncia hebraica. Em
segundo lugar — e principalmente — , eu procuro dar uma explicação sobre o
porquê de os tradutores antigos, ao escreverem a Septuaginta e a Vulgata,
optaram pela transliteração incorreta do nome.
O termo Boaz aparece 18 vezes no Livro de
Ruth, 3 vezes nas Crônicas, 1 vez em 1 Reis, 1 vez em Mateus e 1 em Lucas.
Na edição maçônica norte-americana da Bíblia
Sagrada (Heirloom Bible Publishers, Kansas), o termo é Boaz. Na Encyclopedia
of Freemasonry, de Albert Mackey (1917), é Boaz. Em Light on
Masonry, de Elder D. Bernard (1828), é Boaz. O Manual of
Freemasonry, de Richard Carlile (uma exposée da Maçonaria
publicada aos poucos na revista The Republican, em 1825), é Boaz.
No The Complete Ritual of the Scottish Rite Profuselly Illustrated,
editado por um Soberano Grande Comendador (anônimo), 33o, e complementado por
J. Blanchard, no século XIX (sem data), é Boaz. Em Morals and Dogma,
de Albert Pike (1871), é Boaz.
Em todas as obras antigas, enfim, o termo é
Boaz. Isso não nos surpreende, se observarmos que na escrita hebraica
massorética, o que temos é בֹּ֫עַז (Bṓʿaz) e que, além disso, não existem
vogais repetidas no Hebraico, de modo que Booz é uma pronúncia incorreta. Nos
tempos modernos, o Irmão Harry Carr, em seu artigo “Pillars and globes, columns
and candlesticks”, publicado em Ars Quatuor Coronatorum, Transactions
of the Quatuor Coronati Lodge №2076 London, em 2001, e
apresentado antes na Vancouver Lodge of Education and Research, em
20 novembro de 1998, é Boaz. Nesse artigo, Harry Carr reproduz alguns trechos
de exposées publicadas entre 1760 e 1765, nos quais o termo é
Boaz.
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A segunda razão está nas traduções
portuguesas da Vulgata. De fato, na Vulgata o termo é Booz. Se São Jerônimo
(347–420 d.C.) traduziu o Antigo Testamento diretamente do Hebraico para o
Latim, por que optou por Booz e não Boaz? Só vejo duas explicações. Primeiro,
em sua época, ainda não existiam os sinais massoréticos, que indicam as vogais.
Somente alguém absolutamente fluente em Hebraico poderia ler corretamente o
texto hebraico. São Jerônimo, porém, era ilírio e só aprendeu Latim e Grego no
início de sua vida adulta. Quando maduro, mudou-se para Jerusalém para estudar
Hebraico. É bem provável que, diante de uma dúvida, consultasse a Septuaginta,
a versão grega da Bíblia, que também traz Booz (Βοος, que deve ser lido como Βοός,
pois não é possível, por razões morfológicas, dizer Βόος em Grego).
Nessa série encadeada de porquês, surge mais
um. Por que a Septuaginta traz Booz e não Boaz? Por uma razão muito simples.
Boaz é nome próprio e é oxítono. Em Grego, um nome próprio masculino pode
terminar em –ας, como ὁ Ξανθίας (cuja pronúncia é ksanthías, donde
veio o nosso Xântias), mas não pode jamais ser oxítona. O mesmo ocorre com os
substantivos terminados em –ας, como ὁ νεανίας (o jovem), que não podem
ser oxítonos. Por outro lado, substantivos terminados em –ος podem ser
oxítonos, como θεόϛ (theós, pronuncie the-ós, com o th ligeiramente aspirado).
Dessa forma, os sábios que verteram a
Bíblia para o Grego podem ter optado por Booz (Βοός) em vez de Boaz apenas para
preservação do acento tônico na última sílaba, uma exigência natural se a
intenção era não desvirtuar demais a pronúncia de um nome próprio e fazê-lo ser
entendido pelo leitor ou ouvinte grego. Em outras palavras, se a
intenção era fazer a história bíblica minimamente inteligível ao grego, os
tradutores tinham de resolver a seguinte questão: ou preservavam a grafia BOAZ
mas trocavam o acento tônico da última para a penúltima sílaba (ou seja, Bóaz)
ou trocavam Boáz para Boós e preservavam a oxítona. O nome Boáz, oxítono,
soaria muito estranho ao ouvido grego, mas não Boóz e tampouco Bóaz. O que é
mais próximo de Boáz: Bóaz ou Boóz? Eles julgaram que era Boóz. Dessa forma,
São Jerônimo, mesmo que estivesse ciente da correta pronúncia hebraica, pode
ter optado por Booz por influência da Septuaginta, tendo preferido, sabiamente,
manter uma coerência entre a versão latina e a versão grega já estabelecida há
séculos.
Os autores maçônicos antigos devem ter sabido
disso, pois todos, no mínimo, eram fluentes em Latim, com boas noções de Grego
e alguns até de Hebraico, além de, sendo em sua maioria protestantes, terem em
mãos a versão protestante da Bíblia, que, ao contrário da Vulgata, trazia Boaz,
graças ao gênio de Lutero. Textos não-maçônicos também trazem Boaz, como Historiarum
Totius Mundi Epitome, seção 16, de Cluverius Johannes, de 1667.
Conclui-se, assim, que a pronúncia correta é
Boaz e que, além disso, Booz é apenas a herança de uma característica fonética
do idioma Grego, que herdamos por intermédio da Vulgata. A opção pelo aparente
erro fonético se deve à perspicácia dos antigos tradutores, convictos que
estavam de tornar esse e outros nomes hebraicos inteligíveis aos ouvidos
gregos, sem prejuízo do significado mais profundo das histórias que traduziam.
(*) Rodrigo é Ph.D em Economia
pela University of California at Los Angeles (UCLA), M.Sc. em Matemática pelo
Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Ba. em Economia pela
Universidade de Brasília (UnB). É professor adjunto do Departamento de Economia
da UnB, Mestre Instalado, filiado à Loja Maçônica Abrigo do Cedro n.8,
jurisdicionada à Grande Loja Maçônica do Distrito Federal.
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