Tradução José Filardo – Fonte: Bibliot3ca
Poucos símbolos tiveram tanto apelo
sobre o homem quanto o Santo Graal que não cessou de solicitar as melhores
mentes durante séculos. E ainda hoje ele interroga o homem do nosso tempo. Isso
se explica na medida em que ele se refere a uma realidade espiritual que
constitui o fundamento do universo e do homem e que pode ser rastreada em todas
as tradições. Assim, o Graal é uma palavra conhecida de todos. Mas a palavra
não é a coisa. Até onde ela é realmente conhecida?
O Graal, um tesouro a descobrir
Textos que nos falam do Graal e da
espiritualidade templária existem em número considerável. No entanto, uma
impressão estranha permanece, de que nem tudo foi dito sobre estas duas
questões que constituem os dois lados de uma mesma moeda. É em torno desta palavra
templária do Graal a ser decifrada que dedicamos um livro, não para esgotar o
assunto, mas para nos aproximar de sua realidade secreta de uma perspectiva
cristã e templária que relatamos neste artigo.
Pela própria natureza das coisas, as
representações simbólicas em que se baseia o Graal são múltiplas e sempre
significativas, quer se tratando de um cálice, de uma pedra preciosa de extrema
pureza, ou ainda de um livro. As virtudes atribuídas ao Graal são
frequentemente aquelas atribuídas à Pedra Filosofal. O Graal é alimento para o
corpo e a alma, força de regeneração e de metamorfose através da palavra,
enfim, experiência iluminadora. Descobri-la é uma façanha. Em todo caso,
trata-se de um tesouro que se descobre em um local reservado, ao final de uma
pesquisa exigente e que se diz perigosa, depois de um processo de
auto-transformação. Entendamos como uma iniciação.
As fontes do Graal são múltiplas. Para
alguns, ela encontra sua origem na tradição celta onde é chamada de “matéria da
Bretanha”. Para outros, ela é de origem oriental, transmitida principalmente
através do cadinho do Islã. Sem esquecer seus vínculos com os Mistérios de
Mitra de que falamos em nosso livro, O Maniqueísmo e a Espiritualidade dos
Cátaros. Mas é também para a Grécia e a espiritualidade de João que voltaremos
hoje o nosso olhar. Vamos descobrir os símbolos “Pitagóricos”, de “arcanos
muito elevados e mistérios horríveis” (1).
Assim, é possível aplicar ao Graal os
princípios de uma “teologia negativa” segundo a qual, na verdade, Deus não é
isso, e ele também não é aquilo. É, portanto, por uma “douta ignorância”, cara
a Nicolas de Cusa, que é possível aproximar-se do conhecimento do Graal, que
não é isto e também não é aquilo. Porque “se alguém acredita saber alguma
coisa, ele ainda não conheceu como convém conhecer” (2).
Assim o Graal é como uma árvore cujo tronco
essencial é o da Tradição imemorial, transmitida de geração em geração e que se
especifica por seus ramos no tempo e no espaço. Se o Graal é muitas vezes
simbolizado por um Cálice, que é aquele do Ser, é o mesmo que São João segura
na iconografia cristã, o Graal também é semelhante à circunferência de um
círculo que é oferecido por sua própria natureza a uma infinidade de olhares,
mas que é armado a partir do interior por seu ponto central onde está o
conhecimento vivo e secreto, a Gnose. Este ponto é o Graal da condição humana
em que reside o mistério do “Eu sou” do homem real, realizado. Encontramos aqui
a injunção solene, transmitida por Sócrates, do “conheça-te a si mesmo.” E ele
é o Logos, a centelha cristã, da qual brotam todas as coisas e para a qual tudo
converge, a respeito da qual uma antiga máxima tradicional diz: “conheça isso,
e pelo qual conhecerás o Todo.” Assim o Cálice do Graal deve ser também
entendido no sentido geométrico do termo.
O Graal, força cristã de metamorfose
do homem
É no mesmo espírito de busca que devemos
considerar o significado desta Palavra, Graal, misterioso entre todos, que nos
é dito que seria de origem desconhecida (3)O
que é, em última análise, reconfortante! Isto significa que a única erudição
não seria levar em conta a realidade espiritual do Graal que apela a um
pensamento meditativo da parte do pesquisador. O Graal está além apenas da
razão e da fé simples, em uma unidade mais alta que é a da Gnose. Ele permanece
inacessível à única compreensão intelectual, apesar de que uma boa razão seja
indispensável e constitua uma bússola preciosa para não ficar perdido em
meandros intermináveis. Porque se o homem deve ter a cabeça no sol, de acordo
com a mensagem de são João, ele deve também ter os pés na terra.
Várias etimologias foram propostas sobre a
palavra “Graal”, que estão longe de esgotar o significado. Apesar das pesquisas
mais eruditas, a Palavra, Graal, que surgiu no século XII, permanece em última
análise “misteriosa”. Assim, “gresal” do Latim “cratalem” (4) tem o sentido de
copo e de vaso, aquele mesmo no qual José de Arimatéia recolheu o sangue de
Cristo; “grael” também tem o sentido de grau ou de escala, o que está de acordo
com o símbolo de uma realidade superior àquela que se atinge gradualmente na
escala de Sabedoria. Esta mesma palavra ainda designava um livro, o Alto Livro
do Graal certamente. Todas estas etimologias estão de acordo para nos dizer que
não pode haver a Busca do Graal sem a elevação do nível de ser do homem, sem a
consciência superior realizada, sem ultrapassar a nós mesmos. Assim, as cinco
letras do Graal estão enraizadas no Pentagrama humano em devir.
Mas é, sem dúvida, do grego, “cratère”, que
se representa mais de perto a realidade do Graal considerada como um mistério
da transformação humana. Uma “cratère”, palava que significa vaso para misturar
(5) designava na Grécia um copo de beber no qual eram misturados o vinho e a
água. Esta mistura dos dois líquidos traduz um princípio de harmonia, unidade
do céu e da terra. Desde a Grécia, ele constitui uma evocação da dupla
natureza, ao mesmo tempo divina e humana, do Cristo e do verdadeiro homem. O
vinho é uma bebida fermentada, que tem o fervor, e que, em muitas tradições,
simboliza o conhecimento superior. Ele é o símbolo de uma bebida de
imortalidade que o homem só pode beber se ele mergulha na cratera do espírito,
como a nos convidar para um diálogo entre Thoth e seu discípulo (6).
Aqui nós abordamos a questão central do
Graal, a morte do “homem antigo” e seu renascimento no “novo homem”. Este é o
tema do “segundo nascimento” segundo o espírito, que foi objeto de um diálogo
famoso entre Jesus e Nicodemos (7), ocorrido à noite para nos dizer que este se
trata de um evento de natureza esotérica. Conhecemos a pergunta de Nicodemos,
que consiste em saber se é possível para o homem envelhecido, renascer e para
isso repassar pelo ventre de sua mãe. E nós conhecemos a resposta de Jesus. A
questão é saber se é possível transformar uma impossibilidade natural em uma
possibilidade sobrenatural. E, se isso é possível, como fazer? É portanto, para
São João, o apóstolo da Palavra, que está no Começo e que tem, por isso o
cálice do Graal em suas mãos, que devemos igualmente mergulhar o nosso olhar. O
Cálice do Graal é, assim, o símbolo do eu verdadeiro do homem oculto pela
máscara da personalidade não evoluída, que deve ser purificado, cinzelado,
elevado e enobrecido e em última análise, transmutado para que a Águia,
magnetizada pelo desejo e o trabalho do homem em si mesmo, pudesse surgir do
céu para ali estabelecer permanentemente a sua casa.
Em nosso livro, recorremos a um certo número
de fontes fundadoras da lenda do Graal, incluindo o Parzival de Wolfram von
Eschenbach. Mas atribuímos uma importância muito particular ao Conto do Graal
de Chrétien de Troyes. Este é um livro de alta tradição que nunca foi realmente
objeto de um aprofundamento sistemático sob um ângulo esotérico e cristão. Um
estudo do texto, conduzido passo a passo, destaca a estrutura íntima de um
drama trinitário cristão que é o da evolução do homem e da humanidade em marcha
em direção ao Paracleto. Os três reis do Conto do Graal simbolizam três degraus
essenciais da iniciação do homem assim como da evolução da história, na esteira
de Joaquim de Flore, que desempenhou um papel importante na espiritualidade do
Templo e na tradição do Graal. Portanto, o nome enigmático “autor” do Conto do
Graal, de quem nada sabemos sobre a sua identidade secular assume uma forma de
toma forma de enigma figurado. Ele se diz cristão, e isto deve ser entendido
literalmente. E ele é, consequentemente de Três. Conforme assinado por sua Cifra.
Assim, podemos acompanhar o que chamamos de
Perceval, o homem “nascido duas vezes” espiritualmente, em sua ascensão ao
Castelo do Graal, que não aparece, naturalmente, em nenhum mapa. Nós o
acompanhamos em um processo de conhecimento que se realiza no amor, em um
caminho semelhante ao de que nos fala Dante na Divina Comédia. Nós também
enfatizamos que este caminho corresponde a uma dupla iniciação: primeiro
cavalheiresca, as armas à mão, matizada de proezas temporais. Depois de
natureza mística, isto é, relativa aos mistérios, em um caminho interiorizado
que o conduz ao encontro de Cristo. Nós mostramos que este caminho é semelhante
ao da iniciação templária conforme foi caracterizada por São Bernard em seu
Elogio da Nova Cavalaria, texto fundador de que fizemos um comentário
aprofundado (8).
Apelamos igualmente a elementos da Cabala,
bem como do Evangelho de Nicodemos, também chamado Atos de Pilatos. Considerado
justamente como uma das fontes do Graal, este texto apócrifo, etimologicamente
considerado secreto, apresenta Nicodemos e José de Arimatéia no momento crucial
do sepultamento do corpo de Cristo após o Gólgota. Convém se questionar sobre a
presença enigmática desses dois atores que intervêm conjuntamente, segundo o
Evangelho de João, para este ato central do sepultamento do corpo do Cristo.
Entendamos, igualmente, do corpo de Cristo, que cabe a cada um revelar.
O Graal e o Templo
A Idade Média cristã, particularmente nos
séculos XII e XIII, não foi uma “Idade Média”, mas uma idade central no futuro
do cristianismo. Foi uma época de ouro que fiu florescer a lenda do Graal, as
Artes Liberais, elevarem-se as catedrais nos céus da Europa, nascer e se
difundir a presença civilizadora do Templo tão crucial nessa encruzilhada de
civilizações, em estreita ligação com o Oriente. Algumas datas nos ajudarão a
entender as origens da história deste momento crucial. Recordemos que o templo
foi oficialmente fundado em 1128 no Concílio de Troyes, sob o alto patrocínio
de São Bernardo, e que se extingue repentinamente no plano físico em 1312, sem
nunca ter sido julgado, após a prisão maciça dos Templários na fatídica manhã
de 13 de outubro de 1307 e as torturas que conhecemos.
Mas essas datas constituem um cadinho
histórico em que devia florescer e se ocultar a própria lenda do Graal, os
principais textos já estando escritso em meados do século XIII. É apenas cerca
de trinta anos após a fundação do templo que os escritos de Chrétien de Troyes
aparecerão, embora indícios fossem no sentido de que o autor da história do
Graal pertencia ao Templo. Em seu Parzival, que data de cerca de 1202, Wolfram
von Eschenbach, ele mesmo um Templário, não hesitou em afirmar que o Graal foi
confiado à guarda dos Templários (9).
Tudo converge para nos dizer que o Templo foi
a luz desta época. A lógica da história nos diz que ele foi secretamente a
inspiração, ou o “patrocinador” dos textos do Graal, assim como o aumento das
catedrais. Os textos do Graal são no plano literário o que as catedrais são na
arquitetura. O Templo precisava de uma “expressão literária” para difundir sua
vibração espiritual e uma parte de seu ensinamento aos olhos de todos, embora
discretamente. Há até mesmo uma vocação entre a pedra ogival, a lenda do Graal
e o gesto do Templo: aquele de encarnar o mistério de cristo na história. Como
“Guardiões da Terra Santa,” a ser entendido em diversos planos, os Templários,
atualizaram por força de seu ideal, o Mistério do Gólgota no coração da Idade
Média, colocando seus passos nos de Cristo, até o sacrifício supremo.
Custodiantes do conhecimento esotérico, o
Templo tinha a vocação de conciliar o espiritual e o temporal em uma unidade
mais alta, que é a do Templo eterno. Há, portanto, na cúpula da arquitetura
humana, um Ponto que é a fonte única e a única fonte dos três princípios
cósmicos que são o espírito, a alma e o corpo. É para esse Ponto central, que
também é uma pedra angular, que convergem toda a sabedoria, toda a beleza e
toda a força. Este Ponto é o Graal da condição humana realizado na esperança do
Paracleto. Porque o Templo é onde está o verdadeiro homem. É na transmutação da
natureza humana que reside uma possível metamorfose do mundo. É nesta unidade
do homem realizado nos três planos que entendemos a missão do Templo eterno,
que é fazer da Jerusalém terrena uma terra cristianizada que esteja em uníssono
com a Jerusalém celeste.
O Graal, uma pergunta para o nosso
tempo
Alguns espíritos poderiam se surpreender que
a Questão do Graal, surgida no século XII, ainda seja relevante em um momento
em que a humanidade está enfrentando turbulência e dramas consideráveis que
ameaçam a sua própria sobrevivência. Hoje, o equilíbrio entre o espiritual eo
temporal, ameaça se romper, o que representa uma grande ameaça para a nossa
civilização, que se tornou global e tão brilhante. Em outras palavras, é o
Graal um assunto ultrapassado no mundo técnico e científico de hoje? Ou, a
contrário, é de natureza a fazer reviver a cultura e espiritualidade do nosso
tempo? É especialmente a esta questão nos esforçamos para responder
afirmativamente em nosso trabalho, tirando ensinamentos do Graal para o mundo
de hoje.
Os templários foram os precursores e eles o
demonstraram em muitas áreas da civilização. É por isso que este Segundo Templo
(10), nas palavras de São Bernardo, tinha João Batista como santo padroeiro. Os
Templários inscreveram seu gesto não só para o seu tempo, mas também para uma
outra época que se abre hoje diante de nós. Em muitos aspectos, o século XXI
que avança sob nossos pés é um século precursor que pede uma nova Busca pelo
Graal realizada por homens e mulheres de um novo calibre, capazes de guiar o
barco da opinião pública mundial por meio de aviso de tempestade. Nosso tempo é
um tempo de equinócio, perturbando as condições culturais, bem como climáticas
de nossas vidas. É um momento de revelação, a luz devendo se fazer em todos os
domínios, na esperança de um Terceiro Templo. O homem está marchando em direção
ao verdadeiro Homem, que é a pedra angular do futuro da humanidade . Porque é
sempre o homem que encontramos nas encruzilhadas da história. Nesta
perspectiva, o Conhecimento vivo, que chamado de Graal, ou ainda de Gnose é o sacramento
que pode conduzir a humanidade até o porto de salvação.
O Templo do Graal (Image: selos
Templários)
O Universo é composto por três planos
fundamentais, existindo o espírito, a alma e o corpo, geometricamente
simbolizado pelo círculo, o triângulo e o quadrado. Estes são, igualmente, os
três planos fundamentais que compõem o Microcosmo humano. É nesta unidade
realizada que reside o Graal da condição humana. E é também a arquitetura
fundamental do Templo. Este é um dos significados do selo principal de dois
cavaleiros sobre um mesmo cavalo. Longe de ser um símbolo dualista, como se
diz, por vezes, ele constitui, ao contrário, um símbolo de unidade entre duas
realidades que são considerados muitas vezes como irredutíveis uma à outra: o
espírito e o que chamamos às pressas de matéria. Este selo principal toma
geometricamente sua origem no símbolo triângulo e do quadrado “colocados” e
unificados no círculo. Aqui encontramos as raízes pitagóricas do Templo.
Notas:
1: Rabelais, La vie très horrifique du grand
Gargantua père de Pantagruel. Prólogo do autor. Obras Completas. Texto
preparado por Guy Demerson. Editions du Seuil. Paris. 1973.
2 : I Corintos, VIII, 2.
3 : Littre (E.). Dictionnaire de la
langue française. Paris. Librairie Hachette, 1876.
4 : Greimas (A. J.) Dictionnaire de
l’ancien français. Paris, Larousse. 1968.
5 : Littre (E.). Dictionnaire de la
langue française, Paris. Librairie Hachette. 1876.
6 : Hermès Trismégiste, D’Hermès à
Tat ou la Monade, dans Corpus Hermétique, tome IV. Traduction A.J.
Festuguière. Parsis. Les Belles Lettres. 1972.
7 : João, III, 3-5
8 : Bernard de Clairveaux (saint
Bernard), Éloge de la nouvelle chevalerie, introductions,
traductions, notes et index par Pierre-Yves Émery, Paris, Cerf, 1990. Cf
Capítulo VII de nosso livro: Meurs et deviens.
9 : Eschenbach
(W.von), Parzival, Livre IX, p 36, traduction, introduction et
notes d’Ernest Tonnelat, Paris, Aubier Montaigne, 1977.
10 : Bernard de Clairvaux (saint
Bernard), Éloge de la nouvelle chevalerie, introductions, traductions,
notes et index par Pierre-Yves Émery, Paris, Cerf. 1990
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