Por João
Anatalino
Um dos grandes sucessos literários do momento
é o romance Mozart, o Grande Mago, escrito pelo autor francês Christian Jacq, o
mesmo que produziu a saga de Ransés II, outro grande sucesso de público e
crítica, que fez desse escritor um dos autores mais lidos do mundo.
Trata-se, evidentemente, de uma biografia
romanceada desse que é considerado o maior compositor de todos os tempos, e não
reflete a verdadeira vida e obra de Mozart, mas serve para mostrar a atmosfera
fluída e cativante, cercada de misticismo e mistério, na qual ele cresceu e
elaborou a sua magnífica obra.
Christian Jacq enfoca principalmente a face
esotérica e mística de Mozart, que transparece em sua fascinante vida e obra
musical. Faz com que o grande compositor seja, em sua essência, um espirito
profundamente influenciado por essa atmosfera de sonhos utópicos e espíritos
fervilhantes que caracterizaram a Europa do século XVIII, com seus magos,
alquimistas e filósofos iluministas, que nos deram as bases do espirito
moderno.
O romance gira em torno da obra musical de
Mozart e da sua vida maçônica, à qual o autor credita a maior parte da
influência que permeia sua música. Tanto que a culminância dessa obra é a
famosa ópera “A Flauta Mágica”, ópera maçônica por excelência, que reflete todo
o simbolismo da iniciação, com suas reminiscências aos Mistérios de Ísis e
Osíris e, principalmente, todas as nuances e conflitos vividos pela Maçonaria
alemã da época, dividida entre suas raízes alemãs (de influência claramente
rosa-cruz) e a anglo-francesa (um misto de templarismo com claras influências
judaicas).
Mozart, o maçom
Mozart, como se sabe, era maçom. Ele
ingressou na Maçonaria em fins de 1784 por influência do empresário e ator de
óperas populares Emanuel Schikaneder, o qual era um maçom bastante atuante nas
Lojas de Viena na época, sendo inclusive amigo do Barão Hund, criador do Rito
da Estrita Observância, rito maçônico de claras influências templárias e
profundamente influenciado pelos Mistérios Egípcios. Há quem diga que a
iniciação de Mozart na Arte Real se deu por razões políticas e interesseiras,
uma vez que, tornando-se maçom, ele esperava ser aceito pela corte austríaca,
que até então desprezava sua música. Isso porque uma boa parte da corte
austríaca era constituída de maçons, sendo que o próprio Imperador Joseph III
era membro da Ordem.
É bem possível que Mozart tenha se valido
dessa condição para tentar penetrar no fechado círculo de compositores da corte
vienense, onde a maior influência eram os compositores italianos, liderados
principalmente pelo maestro Antonio Salieri. Mas acreditamos que não tenha sido
essa a principal razão para o fato dele ter ingressado na Maçonaria. Na
verdade, essa disposição era própria da personalidade de Mozart, que
incorporava muitos traços de misticismo e uma certa disposição para confrontar
as tendências moralistas e ultramontanistas da elite vienense, em razão do
domínio espiritual que Igreja Católica tinha sobre as autoridades austríacas.
Nesse sentido, as tendências iluministas e libertárias que já começavam a
causar ebulição na França, exerciam sobre o espirito do grande artista uma
enorme influência, a qual transparecia em suas obras. E essa era,
principalmente, a razão de suas músicas não fazerem sucesso na elitizada corte
vienense e ser repudiada pela nobreza em geral, que a achava por demais popular
e potencialmente perigosa.
Mozart gostava de trabalhar temas místicos e
tinha certa fixação pelo folclore germânico, no tocante as suas lendas e
arquétipos. Criticava com veemência o gosto da corte austríaca pelos libretos
escritos em italiano, que abusava dos temas latinos, e os preferia aos temas da
terra, mais afeitos a um povo que falava alemão e tinha uma cultura
predominantemente germânica. Dessa forma, foi ele o primeiro compositor a
compor e reger uma ópera em alemão no teatro municipal de Viena, o que, diga-se
de passagem, não fez nenhum sucesso e só aumentou a antipatia que os nobres da
corte nutriam por ele.
Os ritos maçônicos forneceram a Mozart a
inspiração para algumas das suas mais significativas obras. A principal delas é
a famosa Flauta Mágica, que ele escreveu com seu amigo e Irmão maçom, Emanuel
Schikaneder. Essa obra revela o fundamento espiritualista do sistema iniciático
adotado pela maçonaria alemã, especialmente aquela que é professada pelo
chamado Rito da Estrita Observância, na qual os temas ligados á antiguidade
egípcia são de especial relevância.
A Flauta Mágica
A ópera começa com a entrada de Pamino, “ um
profano que se encontra perdido num bosque escuro e desconhecido.”. É uma clara
alegoria iniciática que evoca o princípio do ritual maçônico de iniciação. “Um
profano que está perdido na escuridão e bate á porta do Templo á procura de
Luz”.
Logo se percebe que esse profano está fugindo
de uma enorme serpente. (Alusão à serpente Apépi dos Mistérios Egípcios,
devoradora de almas). Desmaiando, ele é salvo por três Damas da Rainha da
Noite, que matam a serpente e correm para dar a notícia á ela. Nesse meio tempo
aparece um caçador de pássaros, Papageno, que diz que foi ele que matou a
serpente. Mas é surpreendido na mentira pelas três damas, que depois de
castigar o mentiroso, dão as boas vindas a Pamino e contam a ele história de
Pamina, uma bela e jovem princesa, filha da Rainha da Noite, que foi
sequestrada pelo perverso Sarastro, um poderoso feiticeiro, que a mantém cativa
no seu soturno castelo. Mostram a ele um retrato de Pamina, e ele,
imediatamente se apaixona pela princesa.
Nessa alegoria se percebe claramente a
influência do simbolismo dos chamados Mistérios, explorado na iniciação
maçônica. Ao Irmão que se inicia na Maçonaria se diz claramente que ele está
ali para se livrar dos seus vícios (as mentiras do mundo profano) e se iniciar
numa grande aventura pela conquista da virtude (a bela Pamina). Aí está
presente a referência ao mito desenvolvido nos Mistérios de Elêusis ( na pessoa
da jovem Perséfone, que foi raptada pelo deus dos infernos Hades). A tarefa dos iniciados nesses antigos
Mistérios gregos era exatamente libertar Perséfone dessa escravidão. Em
princípio é essa a proposta que se coloca aos
profanos que se iniciam nos Mistérios maçônicos e que Mozart alude na
sua ópera.
Tamino se propõe a libertar a bela princesa
do seu cativeiro. Para isso recebe da Rainha da Noite uma flauta mágica. E assim, tendo como escudeiros
o mentiroso Papageno (que será perdoado da sua mentira) e três Gênios da
Floresta (o Irmão Terrível e os dois Espertos que auxiliam na iniciação
maçônica) que os ajudarão a encontrar o caminho para o sinistro castelo de
Sarastro, lá vai o glorioso cavaleiro para a sua missão.
Pamino e seu escudeiro Papageno ignoram o
verdadeiro motivo do sequestro da princesa. Ao chegar no castelo de Sarastro,
antes de encontrar a princesa e enfrentar seu seqüestrador, os Gênios lhe
recomendam o exercício de três virtudes: firmeza, paciência e sigilo.
“Empenhe-se como verdadeiro homem e conseguirá seu objetivo”, dizem os gênios.
Tudo bem maçônico.
No caminho para o castelo de Pamino, eles
passam por um bosque onde existem três templos muito belos. Colocados, um ao lado
do outro, em cada um deles está escrito “Natur”(Templo da Natureza), no
primeiro,“Weisheit” (Templo da Sabedoria, no segundo e “Vernunft” (Templo da
Razão), no terceiro. Num deles, segundo os ensinamentos dos Gênios da Noite,
está o objeto da sua busca. Prestes a bater na porta do templo da Natureza ele
escuta um coral lhe dizer: “Zurük” – para trás! Vai em seguida bater na porta
do templo da Razão e outro coral lhe diz: “Zurük” - para trás! (ação correspondente ao que os dois
Vigilantes fazem em relação aos iniciantes na Maçonaria).
Resolvem, finalmente, ao bater na porta do
Templo da Sabedoria. Esta se abre se abre e um sacerdote, trajado em vestes
brancas e com voz suave se dirige a ele nesses termos: “Que traz você aqui,
jovem audacioso? Que procuras neste local sagrado?” Tamino revela a intenção de
libertar a princesa Pamina das mãos do cruel feiticeiro Sarastro. Conta a
história que ouviu da Rainha da Noite. O Sacerdote percebe que Tamino está
apaixonado pela Princesa (a verdade), mas foi enganado pela Rainha da Noite a
respeito de Sarastro e suas intenções. A Rainha da Noite não é a mãe da
princesa. Isso porque Sarastro é, na verdade, o Sumo Sacerdote (Venerável
Mestre) de uma Fraternidade(A Maçonaria) secreta cujo objetivo é preservar a
Verdade. Essa Fraternidade é a Irmandade de Ísis e Osíris.
Papageno e Tamino percebem o erro mortal no
qual estavam laborando. Então se propõem a entrar para a Fraternidade de Ísis e
Osiris. Sarastro lhes informa que para serem membros dessa Fraternidade eles
terão que passar por um julgamento dos seus membros e submeter-se à uma série
de provas destinadas a comprovar o mérito deles. Segue-se a preparação dos
neófitos, que saem de cena com a cabeça coberta por capuzes negros.
Após essa cena têm início os preparativos
para a Iniciação de Tamino e de Papageno que, com os olhos cobertos por uma
espessa venda, saem de cena e ficam reclusos em uma caverna escura.
A
iniciação
O II Ato começa num cenário onde se vê um
bosque com estranhos símbolos desenhados e uma pirâmide truncada ao fundo.
Dezoito sacerdotes estão posicionados em três pontos da cena, à esquerda, à
direita e ao fundo. Sarastro, presidindo a seção no centro, abre a reunião
anunciando: “Vamos iniciar neste Augusto Templo da Sabedoria novos servos de Ísis
e Osíris. Eles estão à porta de nosso Templo.”
Sarastro lê as qualificações de cada um. Três
dos sacerdotes se levantam, um de cada vez. O primeiro questiona: “Eles são
virtuosos?” pergunta o primeiro. “Ele são discretos?” pergunta o segundo. “São
homens caridosos?” pergunta o terceiro.
Sarastro responde afirmativamente a todas as questões. Todos concordam com a
iniciação manifestando-se com as mãos erguidas. Os grupos de sacerdotes que se
encontram à esquerda, á direita e ao fundo também fazem o mesmo gesto enquanto
a orquestra entoa uma nota constante. Sarastro encerra a reunião cantando uma
ária em que invoca a proteção de Ísis e Osíris.
Em seguida tem início a cerimônia de
iniciação.
Os dois iniciandos estão prontos para o
cerimonial. Este tem início com Tamino e Papageno sendo conduzidos, cada um por
um sacerdote para a execução das provas. Tiradas a venda após a entrada deles
no Templo, eles reafirmam suas intenções de galgar a sabedoria e ter como
recompensa o amor de Pamina.(conquistar a virtude). Segue-se um discurso
essencialmente maçônico onde eles são concitados a perseguir a virtude e,
sobretudo, manter silêncio sobre o que se passou ali. Em seguida todos saem e
deixam os dois sozinhos no centro do Templo para meditarem na importância da
decisão que tomaram. Nesse momento entram as três Damas da Rainha da Noite que
os advertem sobre o perigo que correm se permanecerem naquele lugar. Elas
tentam demover os dois da decisão que tomaram. Mas eles persistem e assim
vencem aquela provação.
A próxima cena se dedica à iniciação de
Pamina. A tentação de Pamina aqui é exercida pela Rainha da Noite que tenta
seduzi-la de todas as formas para que ela desista da iniciação. Usa para isso
diversos artifícios, inclusive a alegoria da traição (expressa na traição dos
companheiros no Drama de Hiram). A ária cantada nesse momento sublime da peça é
particularmente bela e elucidativa, pois nos remete ao simbolismo do Drama de
Hiram.
“Em
nosso sagrado templo,
A
vingança é desconhecida,
E
áqueles que se desviam do dever
O
caminho lhes é mostrado com amor
Com
ternura são levados pela mão fraterna
Até
encontrarem, com alegria, um lugar melhor
Dentro
de nossa sagrada maçonaria,
Por
laços de amor estamos unidos
Cada um
perdoa o seu próximo
Aqui
não há traição
E
aqueles que desprezam este nobre plano
Não
merecem ser chamados de homem.”
Com esta ária, Sarastro (Venerável Mestre)
mostra a diferença entre o propósito do Mal, representado pela Rainha da Noite,
e o Bem, representado pela doutrina da Fraternidade de Ísis e Osíris. Pamina,
Tamino e Papageno conhecem agora a verdade: Nessa área se coloca o tema central
do ensinamento maçônico, que é a confrontação da Luz contra as Trevas.
E assim a ópera segue apresentando a cada ato
um tema maçônico de importância ritual. Lá estão as alegorias alquímicas que a
Maçonaria adota em seus rituais: as provas que o maçom deve se submeter para se
tornar um verdadeiro Irmão; o tema do segredo e das cavernas escuras que hospedam
os monstros que destroem o caráter; nas engraçadas intervenções de Papageno as
tentações a que são submetidos os Irmãos em consequência das suas relações
profanas; a tolerância, a firme disposição, a coragem e fidelidade que os
irmãos devem demonstrar para vencer essas tentações.
A opera é longa e cheia de detalhes e alusões
a motivos maçônicos e temas arcanos. E tudo é desenvolvido em versos de
indiscutível inspiração e apoiados por uma música francamente arrebatadora. E
finaliza com uma cantata em louvor ao sol, a deidade máxima dos cultos solares,
representação do deus Osíris, símbolo da ressurreição inciaática.
“A glória do dourado Sol,
Conquistou
a noite.
O falso
mundo das trevas
Conhece
agora o poder da luz.”
Um
majestoso coral encerra a ópera com louvores a Ísis e Osíris e aos iniciados:
“Salve,
novos iluminados!
Passastes
pela noite
Louvamos
a ti, Osíris.
Louvamos
a ti, Ísis.
Pela
força são vitoriosos
São
dignos da coroa
A
beleza e a sabedoria
Haverão
de iluminá-los como o Sol.”
Facilmente o iniciado nos Mistérios maçônicos
se reconhecerá nessa obra genial. E ao deixar o teatro terá o justo orgulho de
ser um maçom e saber que os quadros da Sublime Ordem já foram engrandecidos por
Irmãos do porte do genial Amadeus Mozart.
Falecimento de Mozart
Mozart faleceu no dia 5 de dezembro de 1791 e
não é verdade que tenha sido enterrado como indigente, como mostra o filme de
Milos Forman. Na verdade ele foi velado na catedral de Viena em 6 de dezembro
daquele ano, e no dia 7 foi enterrado discretamente em uma vala comum no
cemitério da Igreja de São Marx, nos arredores de Viena. Não houve nenhuma
cerimônia nem acompanhamento do seu caixão, mas isso, segundo o que se
justificou na época, se deve á sua causa mortis, provavelmente uma moléstia
contagiosa (tuberculose, ou cólera). Esse procedimento era comum na época. O
fato de não ser erguida nenhuma lápide sobre seu túmulo, segundo se informou na
época, foi um pedido da família. Também não é verdade que ele tenha sido
ignorado pela crítica e pelos Irmãos maçons. As crônicas da época fizeram
diversas referências a sua morte, enfatizando sua condição de gênio da música e
os maçons fizeram celebrar uma suntuosa missa na catedral de Viena no dia 10 de
dezembro daquele ano. Um caloroso sermão em sua honra foi publicado nos
principais jornais do país. Vários concertos foram dados em sua memória, e os
Irmãos maçons promoveram diversos eventos em benefício da sua esposa e filhos.
Existem cerca de 630 obras registradas em
nome de Mozart. E por mais que sua obra e biografia já tenham sido exploradas
nunca será demais recordar esse nosso poderoso Irmão, cujo gênio engrandeceu a
humanidade e honrou os quadros da nobre instituição maçônica.
0 Comentários