Nós,
como nós,
atados
no fio da vida,
unidos,
mas sempre sós,
elos
do eterno, medida. (S.K.Jerez)
O uso de cordas,
cordões, nós e laços pelo homem se confunde com a sua própria história.
Fundamentais para a evolução da espécie e extremamente valiosos para o
estabelecimento de sua supremacia sobre outros animais, o desenvolvimento
destes recursos como parte do ferramental de sobrevivência humano só deve ser
posterior, na escala tecnológica – se o for – ao emprego de pedras, paus e ossos
pelas comunidades primitivas. Supõe-se – já que não há provas materiais disso –
que mesmo o Homo habilis, que viveu entre 2,5 e 1,6 milhões de anos
atrás, na África oriental, já fosse capaz de realizar atividades básicas de
cordoaria e entrelaçamento de fibras.
Os primeiros
materiais para confecção de cordas devem ter sido trepadeiras, cipós, peles de
animais, cabelos, junco, cânhamo, tendões e tripas. Inicialmente, elas devem
ter sido utilizadas para confeccionar abrigos, leitos em árvores e atar coisas a
serem transportadas, e deve ter se passado um longo tempo até que os nossos
ancestrais percebessem o seu valor no desenvolvimento de artefatos de caça,
pesca, ataque e defesa.
Os arcos e flechas,
por exemplo, que requerem o uso técnicas apuradas para produção de cordas e
elaboração de nós, só vieram muito depois. Não se sabe ao certo onde se
originaram, mas os vestígios mais remotos de seu uso foram encontrados em
Angola, datando de aproximadamente 30 mil anos.
A descoberta, em
1991, do “homem do gelo”, – Oetzi, como foi apelidado – que morreu
no Tirol há cerca de 5.400 anos, permitiu uma avaliação precisa do papel dos
nós e das cordas nas vestimentas e utensílios dos povos europeus antigos.
Há mais de 3 mil
anos, como decorrência de sua familiaridade no trabalho com cordas e nós,
que vinha desde os primeiros hominídeos, os egípcios e seus vizinhos semitas e
líbios já eram capazes de produzir tecidos com alto grau de sofisticação.
A par do uso das
cordas nas atividades do dia-a-dia, os nós, em particular, desempenhavam um
papel importante nas crenças egípcias. A eles era atribuído um poder mágico,
médico ou religioso. O tipo do nó variava segundo o seu emprego. A direção das
laçadas, o número de cordões que o compunha e o material com que era feito
também eram específicos para cada finalidade.
Para os egípcios,
tanto fazer nós quanto desfazê-los poderia trazer resultados positivos ou
negativos. Por exemplo, um nó na ponta de um cordão protegia contra as
influências do mal. Contudo, se o mal já estivesse instalado, o impediria de
sair. Desfazê-lo significava remover qualquer bloqueio, mas, por outro lado,
poderia abrir caminho para que alguma força potencialmente prejudicial tomasse
conta de seu usuário. O mesmo nó, no campo da medicina, era usado pelas mulheres
grávidas para como um amuleto para prevenir sangramentos ou abortos.
Um nó muito
importante na mitologia egípcia era o Nó de Ísis, semelhante aos
nós que, naquela cultura, ornamentavam a gola das vestes das divindades em
geral. Segundo o Livro dos Mortos, quem usasse este nó ganharia a
proteção de Ísis e de seu filho Hórus, e seria bem-vindo no outro mundo. Os
sacerdotes e sacerdotisas de Ísis, em particular, eram reverenciados por seu
poder de cura e frequentemente recorriam ao uso de cordões e nós mágicos em
suas terapias. Para demonstrar que acreditavam no seu próprio remédio, usavam,
eles mesmos, cabelos trançados, tradição esta que migrou para a cultura
greco-romana junto com o culto à deusa.
Os kvinus, formas
primitivas de registrar de informações, também recorriam ao uso de nós e
cordas. São os registros “escritos” mais antigos da história. Empregados como
sistema de memorização pelos povos andinos, chineses e japoneses ancestrais,
usavam uma convenção de sinais feitos com nós que auxiliavam na preservação da
memória de fatos e conhecimentos.
Tudo isso dá uma
ideia da importância da arte da cordoaria e das técnicas para elaboração de nós
no desenvolvimento das civilizações. Talvez por serem um recurso muito comum e,
sob a maioria dos aspectos, muito simples, os livros de história não lhes deem
o devido destaque. Mas o fato é que cordas e nós sempre estiveram presentes,
quaisquer que fossem os seus usos, na trajetória do homem. São, portanto, uma
parte indissociável da tradição dos povos, em todos os continentes.
As Cordas e
os Nós na Maçonaria Operativa
A utilização de
cordas ou, pelo menos, o entrelaçamento de fibras, está no nascedouro das
ciências construtivas. A partir do momento em que o homem deixou as
cavernas e passou a adotar uma vida nômade ou seminômade, a confecção de
abrigos tornou-se fundamental e, neste contexto, saber fazer cordas e
confeccionar nós podia significar a diferença entre sobreviver ou não, já que
seu uso proporcionava mais resistência e segurança às primitivas habitações.
Possivelmente foi
muito depois da corda ter sido intensivamente usada nas situações mais comuns –
como amarra, meio de tração e arrasto, auxiliar em escaladas, recurso de ataque
e defesa, utensílio de caça e pesca – que ela passou a ser utilizada com uma
finalidade mais nobre, qual seja, como instrumento de medição. E foi mais
adiante ainda que alguém deve ter tido a ideia de fazer nós equidistantes nas
cordas, de modo a que pudessem servir não só para medir partes inteiras, mas
também frações dessas partes, a exemplo do que o homem provavelmente já fazia
com as varas de medição.
No estabelecimento
de extensões maiores, como, por exemplo, terrenos e áreas rurais, a utilização
de cordas com nós era essencial, já que o uso de outros recursos levava a
medidas menos precisas. Há indícios de que eram usadas com essa finalidade pela
maior parte das principais civilizações antigas, como a suméria, egípcia,
chinesa, grega e romana.
No Egito,
especialmente em função das cheias do Nilo, que destruíam as divisas das terras
aráveis, os agrimensores exerciam um papel fundamental. Eram chamados de Hardenonaptai (esticadores
de corda). Heródoto, o historiador grego, já menciona o trabalho deles ao se
referir a Ramsés II (aprox. 1.300 a.C.), dizendo que o faraó egípcio distribuía
lotes de terra para os seus governados, em parcelas retangulares iguais, sobre
as quais cobrava um imposto anual. Quando o rio varria as linhas demarcatórias,
era comum os proprietários pedirem redução nos valores a serem pagos, alegando
a diminuição de sua área. O faraó, no entanto, cioso das receitas que as terras
lhe proporcionavam, enviava seus agrimensores para restabelecer os limites
perdidos ou determinar a pertinência da redução do imposto.
Isso mostra que os
agrimensores não só determinavam distâncias simples entre pontos, mas que eram
capazes de estabelecer ângulos retos através de um recurso que era passado
tradicionalmente de geração para geração: a corda de doze nós. Não se sabe onde
e quando esta tradição teve início, mas o fato é que, por experiência prática,
os esticadores de corda sabiam que era possível, utilizando-se apenas uma corda
fechada com doze nós equidistantes, criar um triângulo retângulo onde a medida
de cada lado correspondia, respectivamente, a 3, 4 e 5 intervalos entre nós,
como mostra a figura abaixo:
Os agrimensores
eram muito prestigiados no Antigo Egito. Como toda a cultura girava em torno
das cheias do Nilo e das grandes construções, medir era uma atividade essencial
e constituía o topo da escala de conhecimentos da época. Prova disso é que a
cerimônia mais importante da tradição egípcia era chamada de “esticar a corda”.
Seus rituais estavam associados à medida do tempo e do espaço na terra e nos
céus, nos quais a deusa Seshat, padroeira dos arquitetos, aparecia ao lado do
faraó.
Voltando-se à
corda, credita-se a ela os primeiros passos de uma ciência que é, seguramente,
a mais cara para os maçons: a geometria. Quando se amarram hastes nas
extremidades de uma corda e se fixa uma destas hastes num determinado ponto no
chão, basta esticar a corda e com a haste remanescente girar em torno da haste
fixa, que desenharemos um círculo, figura fundamental de todo desenvolvimento
geométrico. Não por acaso, alguns dos filósofos gregos mais importantes,
como Platão e Aristóteles, atribuíam aos egípcios a criação da geometria.
O método de medição
e de criação de figuras geométricas usando cordas permaneceu o mesmo durante
muitos séculos, mas acredita-se que, com o objetivo de aumentar-se a exatidão
das medidas, os nós tenham sido gradativamente substituídos por algum outro
tipo de marcação.
Foi apenas no
século XVII que as técnicas de medição de terras tiveram um salto de qualidade
no que tange à precisão, quando a agrimensura passou a adotar a Corrente
de Gunter, uma cadeia formada por hastes de metal. Até então, as cordas
ainda eram prevalentes. Só em 1922 é que foi patenteada a trena, por Hiram
Farrand.
Corrente de Gunter |
As Cordas e
os Nós na Maçonaria Simbólica
Jean van Win[2] acredita
que a corda que utilizamos na decoração do templos tenha sido introduzida na
maçonaria simbólica devido a um engano. Segundo ele, o uso da corda de nós
espalhou-se pelo mundo, a partir da França, por um erro de tradução do abade
Pérau, que, em 1742, publicou um livro intitulado O Segredo dos
Franco-Maçons, baseado na obra A Maçonaria Dissecada, de
Samuel Prichard, editada em 1730. Nela, Prichard afirma que dentre os
equipamentos da Loja há o “Pavimento Mosaico, que é o piso da Loja, a Estrela
Flamígera, que é seu Centro, e a Orla Dentada, que é a borda em torno dela”[3].
Acontece que o abade traduziu, do inglês original para o francês, Pavimento
Mosaico como Palácio Mosaico, Estrela Flamígera como Dossel
Constelado de Estrelas e Orla Dentada por Borla[4] Dentada.
Com isso, as potências maçônicas que, por qualquer motivo, se inspiraram direta
ou indiretamente na tradição francesa, teriam assimilado o termo Borla Dentada.
Ainda segundo van
Win, a adoção da corda como elemento na decoração dos templos teria vindo de
uma tradição diferente: a partir do século XVI, era costume das mulheres
nobres, ao enviuvarem, encimarem o brasão de seus maridos com uma corda ornada
com nós de amor[5] terminada em borlas pendentes.
Isso – acrescido de uma eventual associação com o termo “filhos da viúva”,
surgido nos rituais na mesma época – teria bastado para que se passasse, por
extensão, a associar a Borla Dentada de Pérau a uma corda com nós e borlas em
torno da Loja.
De todo modo, o
fato é que as cordas com nós vêm sendo usadas desde então como ornamento nos
templos, quadros ou tapetes de Loja maçônicos. Algumas Lojas utilizam nos seus
quadros ou tapetes o número de nós conforme o grau representado. A maioria
delas, no entanto, especialmente na Europa e América do Norte, adota a corda de
12 nós, que, como já mostramos, tem um significado relevante na história da
geometria. Aqui cabe uma consideração: aceita-se, por seu caráter simbólico,
que a corda maçônica, mesmo sendo aberta, tenha 12 nós, embora uma corda assim
crie apenas 11 intervalos ou medidas entre os nós, o que não permitiria a
representação de um triângulo retângulo. Ou seja, a rigor, a corda aberta em
torno do templo, quadro ou tapete de Loja deveria ter 13 nós, perfazendo 12
medidas, para, desta forma, poder representar o triângulo pitagórico. Assim,
quando fechada, os nós das extremidades poderiam ser sobrepostos, criando as
condições para a criação do triângulo.
Diferentemente de
outros países, no entanto, as potências do Brasil fizeram uma opção peculiar,
adotando em suas Lojas a Corda de 81 nós, que, quando fechada,
sobrepondo-se os extremos, formaria 80 intervalos. Logo, a ser observado o
mesmo critério utilizado pelas Lojas do hemisfério Norte, dissociando a
realidade do simbolismo, a corda maçônica brasileira poderia conter apenas 80
nós.
A exemplo da corda
de 13 nós, a Corda de 81 nós também se presta à criação de um
triângulo retângulo. Seus catetos correspondem aos intervalos formados,
respectivamente, por 16 e 30 nós, e, a hipotenusa, por intervalos de 34 nós
(16+30+34=80 e 162+302=342). Também, da mesma
forma que a corda de 13 nós, a de 81 pode ser usada para criar triângulos
equiláteros e isósceles e, assim sendo, quer sejam de 12 ou 80 nós quando
fechadas, ou 13 e 81 quando abertas, geometricamente ambas as cordas
expressariam o mesmo significado.
Os documentos
históricos da maçonaria anteriores à criação da Grande Loja de Londres, em
1717, denominados genericamente de Antigos Deveres (Old Charges), não
fazem alusão a cordas e nós.
Já os rituais de
1904, publicados pelo Grande Oriente e Supremo Conselho do Brazil[6], mencionam apenas um cordão que
forma, de distância em distância, nós emblemáticos (e) termina em uma borla
pendente em cada um dos lados da porta de entrada. Conclui-se, desta
forma, que o número de nós foi estipulado em data posterior à publicação dos
rituais.
Não obstante, além
das evidentes conotações geométricas, algumas referências podem ter sido
determinantes para que o número de nós da corda adotada pela maçonaria
brasileira fosse 81, quais sejam:
§ o
número mínimo de meses estipulado para que um maçom chegue ao grau 33;
§
§ o
total de graus da maçonaria francesa, em 1784;
§
§ a
idade do mestre secreto (3 x 27);
§
§ a quantidade
de atributos da divindade, para o intendente dos edifícios;
§
§ a idade
do vigilante do perfeito e sublime maçom.
§
Além dessas, a
inspiração para a adoção dos 81 nós pelas Lojas brasileiras talvez possa ter
advindo de Albert Pike, que escreveu em seu livro O Pórtico e a Câmara
do Meio, de 1872, o seguinte: “Ao redor de toda a parede, logo
abaixo do teto, está pintada, nas Lojas francesas, um cordão ou corda com nós
(la houppe dentelèe) de aproximadamente seis polegadas de diâmetro, com
borlas pendendo em cada canto. Os nós são em número de oitenta e um.
Não é usada nesta jurisdição.”
Quanto às borlas,
nenhum documento foi encontrado que justificasse seu uso maçônico. Se foram, de
fato, inspiradas no brasão das viúvas, serviriam apenas de arremate e adorno e,
do ponto de vista operativo, não teriam qualquer significado.
Há, porém, uma hipótese
plausível de que tenham existido marcadores de distância atados nas cordas
junto com os nós ou em substituição a eles. Essa hipótese decorre da
constatação de que algumas Correntes de Gunter adotavam
pingentes de metal presos em cada elo, de modo que o agrimensor soubesse, ao
olhar um pingente, a que distância se encontrava com relação ao início da
corrente. Isso evitava, especialmente nas distâncias maiores, o trabalho de
contagem e recontagem de elos, que poderia levar a erros.
Ora, se é sabido
que as cordas de nós foram aperfeiçoadas durante dezenas de séculos, é razoável
imaginar-se que a solução dos pingentes fosse anterior à invenção das Correntes
de Gunter. Assim sendo, da mesma forma que adotou as cordas com nós, não
seria de se estranhar que a maçonaria simbólica tenha incorporado também os
pingentes, transformando-os em borlas. Mas isso é apenas um palpite.
Para concluir,
mesmo considerando que o uso da corda de nós pela Ordem possa, de fato, ter
advindo do erro de tradução de Pérau, é inegável que essa “coincidência” foi
extraordinariamente feliz, já que, à exceção da Pedra, nenhum outro utensílio
operativo poderia ser considerado mais importante e tradicional.
Mas estes são
apenas aspectos exotéricos relacionados à Corda de 81 nós. Muito mais se
poderia falar sobre ela ao analisá-la sob outros prismas.
É o que pretendemos
fazer oportunamente…
Autores: Sérgio K.
Jerez, Lincoln Gerytch e Ulisses Pereira da Silva Massad
Loja Nova Esperança, 132 – Oriente de São Paulo
Loja Nova Esperança, 132 – Oriente de São Paulo
Fonte: BIBLIOT3CA
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