Fonte: O Prumo de
Hiran
Quem, assim como
eu, teve o prazer de ler o livro “Ahiman Rezon – A Constituição dos Maçons
Antigos de Laurence Dermott – Traduzida e Comentada por Kennyo Ismail”, lançado
em 2016 pela Editora “A Trolha”, se deparou com uma nota de rodapé da página
101, que abriu uma lacuna para mais uma pesquisa do blog “O Prumo de Hiram”.
Laurence Dermott,
Grande Secretário do Grande Loja dos Antigos, afim de alfinetar os “modernos”,
escreveu a seguinte linha na sua Constituição ou Ahiman Rezon:
“… E num
evento posterior, em Westminster, ao que parece eles Iniciaram uma mulher
chamada Madame D’E …”
Quem foi
esta mulher citada por Dermott?
Homem da lei,
diplomata e maçom, espião enviado por Luís XV e um dos melhores esgrimistas na
Europa, Charles Genevieve Louise Auguste Andre Timothee de Beaumont
(Chevalier D´eon de Beaumont) é mais lembrado pelo veredito de um
Tribunal, declarando que na verdade ele era uma mulher. O que após o seu
falecimento, foi comprovado que era uma falsidade.
Fofocas que
circularam em Londres em 1770, enfatizavam que o cavaleiro tinha assumido o
traje de mulher como parte do seu trabalho de Embaixador Francês e do Serviço
Secreto, operando na Rússia de 1757 a 1760, o que não tinha fundamento.
Ele se exilou em
Londres por causa de intrigas na corte francesa, e foi levado diante do
Tribunal de King´s Bench, e foi dado como veredito: de que o cavaleiro era na
verdade uma mulher.
Mais tarde foi
autorizado a voltar para a França e receber uma pensão com a condição de
“retomar sua aparência de mulher” e não aparecer em qualquer parte do reino,
sem suas roupas femininas.
Abaixo, uma
reprodução da coleção do Freemason’s Hall, em Londres, apresenta uma exibição
de esgrima, realizada na presença do Príncipe de Gales em 1787.
Charles D´Eon de
Beaumont nasceu em 1728, na pequena nobreza, na cidade francesa de Tonnerre.
Depois de estudar direito em Paris, trabalhando como um censor oficial da
Coroa, se apresentou como o melhor esgrimista da França, para conseguir
ingressar no serviço diplomático em 1756, no início da Guerra dos Sete Anos.
A guerra tomou
conta das grandes potências da Europa e D’Eon foi enviado para a Rússia, para a
corte da princesa Elizabeth com o emprego de secretário Diplomata.
Ascensão e
queda de um espião diplomata
Ele estava
envolvido em uma organização não-oficial conhecida como “O segredo do Rei”.
Louis XV começou esta organização como uma alternativa não-oficial para o
Ministério das Relações Exteriores, que estava sob a influência de Madame
Pompadour.
Depois de alguns
êxitos nas negociações com o Império, D’Eon voltou para a França em 1761, com
um cargo no Regimento dos Dragões, uma unidade de cavalaria do exército.
Permanecendo em estreito contato com o Conde de Broglie, para D’Eon a guerra
foi bem-sucedida, ao contrário da França, que foi obrigada a fazer as pazes com
a Inglaterra.
O Conde Broglie
convenceu Louis XV, para enviar D’Eon como secretário do embaixador francês, o
Duque de Nivernais, para o tratamento dessas negociações de paz.
Enquanto ele agia
como um espião, investigando as defesas costeiras da Inglaterra. D’Eon e o
Duque de Nivernais, trabalhavam para conseguir o melhor negócio para a França,
possivelmente ajudados pela grande quantidade de vinho Chabliss que D’Eon tinha
exportado para Londres para lubrificar as rodas diplomáticas.
Nivernais tinha
ficado tão impressionado com seu secretário, que convenceu os britânicos a
permitirem que D’Eon fosse a Paris em 1763, para trazer a ratificação do
tratado de paz.
O Rei recompensou
D’Eon, com uma pensão e o tornando um cavaleiro da Ordem de St. Louis. Também o
tornou Ministro Plenipotenciário da Coroa Francesa, na embaixada, até que um
substituto para Nivernais fosse escolhido.
Enquanto esperava o
momento certo para investir o seu dinheiro, importava mais vinho e montava uma
grande biblioteca. D’Eon fez muitos amigos em Londres, entre eles, alguns
políticos radicais como o Lorde Ferres, que mais tarde foi Grão-Mestre da
Inglaterra.
Infelizmente, sua
carreira diplomática estava prestes a passar por uma interrupção dramática. O
substituto de Nivernais, o Conde de Guerchy, era o favorito de Madame Pompadour
e tinha cruzado espadas com D’Eon na Guerra dos Sete Anos. Então D’Eon passou
os próximos doze anos tentando manter seus cargos e evitar um retorno à França.
Vários complôs contra D’Eon foram feitos, De Guerchy tentou até envenenar D’Eon
para prendê-lo.
Por sua vez, D’Eon
tentou chantagear os franceses, ameaçando publicar cartas sobre “El Secreto” e
exigiu pagamentos em dinheiro para manter o seu silêncio.
Figura popular
entre os Inglês, o cavaleiro foi protegido por um tempo, por gente da pior
espécie, de Londres. Posteriormente, os franceses conseguiram convencer o
cavaleiro a voltar para a França, mas não antes de uma série de acontecimentos
dramáticos.
Transformação
No final da década
de 1760, começaram a circular rumores de que o cavaleiro era uma mulher.
Ninguém sabe ao certo quem colocou essa informação em circulação, pode ter sido
até mesmo o próprio D’Eon.
A sociedade de
Londres começou a fazer apostas sobre ele e rapidamente as empresas de apostas
se ocupavam com o sexo do cavaleiro D’Eon. Estima-se que, nesse negócio, que
teria sido investido cerca de 120.000 libras sobre a questão do gênero. D’Eon
não se mostrava impressionado com a especulação. Muitas vezes, ele se
apresentava nas salas de jogos, exigindo satisfação sobre quem duvidava de seu
gênero.
Ninguém aceitava o
seu desafio, seja por medo de sua fama como espadachim ou porque eles não se
prestariam a lutar contra uma mulher.
D’Eon permaneceu
sendo uma curiosidade popular. Apareceram cartazes, caricaturando D’Eon com um
marido e retratando que o cavaleiro usava roupas femininas, mas nunca o fez em
público.
Em 1774, Louis XV
morreu e seu sucessor Louis XVI contratou um famoso dramaturgo, Pierre de
Beaumarchais, para negociar o retorno do Cavaleiro D’Eon para a França, sua
retirada e abandono dos uniformes dos Dragões, em troca de seu vestido de
mulher.
Obviamente, o Rei
decidiu que os rumores eram verdadeiros e que deveria ser uma maneira fácil de
fazer D’Eon abandonar o cargo.
Em 1775, o
cavaleiro foi convencido a assinar um compromisso, em que ele admitia ser uma
mulher e aceitava uma aposentadoria pensionista em Tonnerre, adotando a
aparência feminina.
Neste momento o
cavaleiro parecia ter aceitado a feminilidade, embora não parecia sentir nenhum
desejo de se vestir como uma mulher. Mas como a Inglaterra e a França
acreditavam que ele era, o Cavaleiro começou a abraçar seu novo gênero e até
mesmo uma mitologia pessoal foi criada.
Histórias
circulavam com relatos de quando ele nasceu como uma menina e se vestia como um
menino, como o jovem cavaleiro se infiltrou na Corte do Império Russo como serviço
de limpeza e como ele tinha seduzido a própria Madame Pompadour.
D’Eon voltou para a
França e foi convidado por Maria Antonieta, a utilizar o serviço de trajes
reais. A transformação foi completa. D’Eon permaneceu com a aparência de mulher
durante o resto de sua vida.
De vez em quando
ele usava o seu uniforme Dragões, mas isso apenas lhe trouxe problemas com as
autoridades. Em 1785 ele deixou a França, voltando para Londres, onde ele deu
uma demonstração de esgrima, diante do Príncipe Regente, que lhe presenteou com
uma arma, como vencedor do famoso duelo de 1787.
Em 1789, a
Revolução Francesa terminou com a sua pensão e, gradualmente, ele caiu na
pobreza. Quando morreu, em 1810, ele havia vendido sua biblioteca e a Cruz de
St.Louis. Como uma indignidade final, a autópsia mostrou que ele sempre foi um
homem que viveu uma mentira por metade de sua vida.
No entanto, um
capítulo de sua vida merece uma menção.
D’Eon, o
maçom
Charles D’Eon foi
iniciado na Loja Maçônica “Immortality Nº376”, em 18 de maio de 1768, que se
reunia na Taverna “The Crown and Anchor” na Rua Strand, em Westminster,
Londres. Esta loja era filiada à Grande Loja de Londres (Modernos). Ele chegou
ao grau de Mestre Maçom em janeiro de 1769 e trabalhou como Warden (Vigilante)
entre 1769 e 1670.
A loja tinha sido
estabelecida por um exilado francês chamado De Vignoles, em 1766, para maçons
europeus que viviam em Londres. Trabalhando sob a Grande Loja dos “Modernos”,
era uma das lojas mais “caras” na Europa naquele tempo, cobrando para iniciação
15 libras e 9 xelins, o equivalente hoje de cerca de 1500 libras.
Em 1770, alguns
conflitos internos dividiram a loja entre membros franceses e alemães, um ano
depois, Vignoles e a parte francesa, incluindo D’Eon, solicitaram a intervenção
do Grão-Mestre.
Os documentos
pessoais do Cavaleiro, que estão na Coleção Brotherton da Universidade de Leed,
mostram que D’Eon não pagou integralmente a sua iniciação e desde 1765 tinha
sido empregado por De Vignole como seu secretário.
Jean de Vignole foi
uma figura muito controversa. Um ex-padre que deixou a França para viver fora
com sua amante na Holanda, tendo alcançado a posição de Grão-Mestre Provincial
para os Países Baixos até que ele entrou em disputa com a maioria das lojas por
questões de regularidade financeira.
A loja não parece
ter sobrevivido mais de um ano e a relação da Maçonaria com o Cavaleiro D’Eon
terminou aqui.
Como ele foi
considerado uma mulher, tornou-se impossível para ele participar de reuniões em
outras lojas maçônicas, apesar de seus importantes amigos maçons.
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