Por João Anatalino
Como todos os maçons sabem,
foi a chamada “Constituições”, obra escrita pelo pastor anglicano James
Anderson, que deu nascimento á Maçonaria como instituição mundialmente
reconhecida. Antes disso, a Maçonaria era composta por grupos esparsos, que
praticavam uma tradição para religiosa que tinha mais a ver com um sindicato do
que com um movimento de caráter mundial, destinado a criar e divulgar uma nova
ciência de viver e de pensar.
Anderson adotou a estrutura da
Maçonaria ─ tradição, que em princípio se ligava á arquitetura ─ para construir
a sua ideia de um movimento ecumênico, que a partir de então se
transformaria em uma filosofia, cujo objetivo seria construir uma nova ordem
mundial, pautada pelos princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade,
postulados defendidos pelos filósofos mais influentes da época, os chamados
iluministas.
Não sem razão ele adotou o
simbolismo bíblico da origem da sociedade humana para dar força á imagem que
ele queria criar, de que essa nova filosofia (a Maçonaria) estava baseada em
princípios fortemente defendidos na própria Bíblia, pois ela já fora
estabelecida pelo próprio Deus ─ sendo o próprio Deus um Arquiteto, o Grande
Arquiteto do Universo ─ e ensinada a Adão no paraíso. Segundo o que ele escreve
no preâmbulo das suas Constituições “Adão, nosso primeiro Pai, criado á
imagem de Deus, o grande Arquiteto do Universo, deve ter tido as Ciências
Liberais, particularmente a Geometria, escritas em seu Coração; pois mesmo
depois da Queda, encontramos seus Princípios no Coração de seus Descendentes,
Princípios esses que no curso, foram reunidos em um Método cômodo de
Proposições, pela observação das Leis da Proporção, tiradas da Mecânica. De
modo que á medida que as Artes Mecânicas davam aos sábios a ocasião de
reduzirem os Elementos da Geometria em um Método, essa nobre Ciência, assim
reduzida, é o fundamento de todas essas Artes (particularmente da Maçonaria e
da Arquitetura) e a Regra segundo a qual são conduzidas e praticadas” [1]
Essa forma hermética de
escrever, recorrendo principalmente a uma simbologia que só podia ser entendida
pelos iniciados era muito própria na época e comumente usada pelos escritores
da tradição hermética, particularmente os alquimistas e os cultores do
pensamento rosa-cruz. Na verdade, os Irmãos que deram á Maçonaria um caráter de
movimento filosófico copiaram descaradamente uma ideia lançada por Johann
Valentin Andreae (1586-1654) em seus famosos manifestos, onde se falava da
criação de uma “ Fraternidade mundial” de pessoas de alto saber, para
divulgar a verdadeira ciência e a verdadeira religião, com o intuito de
libertar o espírito das pessoas da ignorância e da servidão.No fundo um claro
manifesto contra o poder da Igreja Católica, então contestado e combatido pelos
reformistas protestantes; [2]
Essa Fraternidade, segundo
acreditava Anderson, já existira no passado, e fora formada pelos sábios de
Israel, tendo atingido a sua culminância nos tempos de Salomão, razão pela qual
os maçons tinham nesse rei uma espécie de patrono e fundador da instituição
maçônica. Mas a pródiga imaginação de Anderson fez com que a Maçonaria,
enquanto Arte e Ciência de aplicação dos planos divinos de construção do
universo, se tornasse uma inspiração do próprio Deus, que ao dar forma prática
á esses planos, o fez através da instituição do povo de Israel, que no seu
entender, era uma espécie de “maquete” da sociedade perfeita que Deus queria
para a humanidade toda.
Na verdade, essa era a
doutrina defendida pelos sabataístas, grupo de rabinos judeus, seguidores de
Sabatai Tzvi (1626-16760 , rabino cabalista que se dizia o Messias, fundador da
seita judaica dos sabatianos.
Assim, a Maçonaria instituída
pelas Constituições, pode ser recenseada na ideia rosacruciana desenvolvida por
Johan Valentin Andreas, adaptada ao modelo bíblico da antiga nação de Israel,
conforme a ótica sabataísta. Essa disposição é bem visível na Maçonaria alemã e
francesa, como bem viu Gershon Shcoler, ao descobrir evidências de uma grande
adesão de judeus sabataístas nas Lojas Maçônicas da Alemanha, e da introdução,
por esses judeus, de muitos temas judaicos nos ritos maçônicos das Lojas
alemãs. E nas Lojas inglesas e francesas, como sugere esse autor, essa
influência deve ter ocorrido via pensamento iluminista, já que ele identifica
nesse movimento uma grande influência do pensamento messiânico sabataísta na
sua formação;[3]
Não é sem razão que as duas
principais fontes de inspiração da filosofia maçônica sejam exatamente a Cabala
e a Alquimia. A Cabala porque ela reflete a influência judaica na estrutura da
Irmandade Maçônica e a Alquimia porque na origem, uma grande parte dos
intelectuais que formavam a base desse grupo inicial eram alquimistas ou
simpatizantes dessa antiga tradição.[4]
A escolha da nação judaica
para servir de estrutura simbólica para a Maçonaria tem uma razão muito
prática. Em nossa opinião, foi o espírito de verdadeira Irmandade que permitiu
aos judeus, descendentes e herdeiros da tradição dos Filhos de Israel,
continuarem a praticar uma filosofia e uma forma de vida diferenciada através
da história dos povos. Essa filosofia os manteve unidos através das mais
diversas provações pelas quais esse povo tem passado ao longo da sua história.
E os colocou em oposição a outros povos, especialmente os de origem
nórdica, na disputa pela verdadeira pureza racial.
Segundo uma antiga lenda
maçônica, Seth, o filho caçula de Adão, nascido após o assassinato de Abel por
Cain, recebeu o título de primeiro maçom, pela cidade que construiu em
homenagem a seu filho Enos, cidade que ele chamou de Consagrada. A partir
dai a arte de construir tornou-se o símbolo da construção do edifício
universal, que é a sociedade humana. Anderson aproveitou essa lenda para
costurar a sua tese de que a Maçonaria era tão antiga quanto as próprias
origens da raça humana.
Por isso é que a maioria dos
ascendentes e descendentes de Noé estão conectados com várias lendas da Arte
Real, pois segundo a tradição maçônica mais antiga, Noé foi escolhido pelo
Grande Arquiteto do Universo para reformar o edifício terrestre da humanidade,
da mesma forma que Moisés instituiu a idéia da Fraternidade humana na terra ao
organizar a nação dos hebreus.[5]
Vários autores maçons já
relevaram o fato de que a estrutura dos ritos maçônicos, em seus mais diversos
graus, está muito mais ligada á motivos do Velho Testamento do que ao Novo. E
que muito pouco, com excessão dos chamados graus rosa-cruzes, eles se referem á
motivos cristãos. Essa disposição nos parece bem clara na própria Constituição
de Anderson, pois ali a preocupação é a de identificar a Maçonaria com a
própria nação de Israel em sua saga histórica e na sua tradição mística. Tanto
é que ele mesmo escreve, em um rasgo de imaginação e criatividade, bem a gosto
dos místicos autores da época que “ os israelitas, quando deixaram o
Egito, formaram um Reino de Maçons, bem instruídos, sob a chefia de seu
Grão-Mestre Moisés, que os reunia frequentemente em Loja Geral e regular,
enquanto estavam no deserto, e lhes deu sábias Obrigações, Ordens e & para
que fossem bem observadas! Mas nenhuma outra das premissas deve ser mencionada.”
É claro que as pressuposições
de Anderson em sua obra são tão históricas quanto ás que Joseph Smith usou para
escrever o Livro de Mórmon, bíblia da Igreja dos Santos dos Últimos Dias,
conhecida como Igreja Mórmon. Aliás, o mormonismo e a maçonaria são rebentos da
mesma árvore, e comungam dos mesmos elementos de tradição. São lendas, usadas
para dar á essas tradições um caráter de sacralidade.
Assim, explica-se que a
Maçonaria esteja tão impregnada de elementos judaicos e muito pouco se refira a
motivos cristãos, o que tem servido de munição para que os seus inimigos cerrem
baterias contra ela. Mas ao mesmo tempo em que essa identificação tão forte com
a cultura israelita abre esse flanco para que os críticos da Maçonaria
desenvolvam contra ela os mesmos preconceitos que os antissemitas assacam
contra os judeus, é, no nosso entender essa mesma identificação que a faz forte
e resistente contra todos esses ataques. Da mesma forma que Israel continua a
existir, malgrado todas as tentativas de extinção que contra esse povo já foram
intentadas.[6]
E para entendermos bem o que é
Maçonaria, não podemos esquecer os elementos que estão na sua origem e fornecem
embasamento para a sua prática.[7]
[1]Constituições dos Franco-Maçons- 1723 – São
Paulo, 1982
[2] Tal como consta dos
Manifestos Rosa-cruzes “Fama Fraternitatis” e principalmente do seu artigo Republicae
Christianopolitanae Descriptio (Descrição da República de Cristianópolis).
[3] David Biale,
Cabala e Contra História- Ed. Perspectiva, São Paulo. 1982.
[4] Como o próprio Johan
Valentin Andreás e Elias Ashmole, um dos mais famosos “maçons aceitos”, que
tinha fama de alquimista e cientista. Na Inglaterra foi Ashmole que fez a
“ponte” entre a Maçonaria e Ciência da época, representada pela Real Sociedade
inglesa.
[5]Noé, o construtor, é a
décima quarta geração de Seth, filho caçula de Adão.
[6]A esse propósito é
interessante lembrar que nas suas diatribes contra os maçons, Hitler os compara
a judeus e entende que eles deviam ter o mesmo tratamento dado aos filhos de
Israel.Essas disposições foram claramente expostas num documento que ele enviou
às autoridades do partido nazista em 1931, denominado "Guia e Carta de
Instrução", onde se declarava que "A hostilidade natural dos
camponeses contra os judeus, e sua hostilidade contra o maçom como um servo do
judeu, devem ser trabalhados com frenesi." Hitler fechou todas as Lojas
Maçônicas na Alemanha nazista e mandou para os campos de concentração vários
Irmãos. O mesmo fez Stalin na antiga União Soviética, o que identifica ainda
mais a Maçonaria com o povo de Israel.
[7] Ver nossa obra “O
Tesouro Arcano”, publicado pela Ed. Madras, onde esse vínculo é estudado com
maior profundidade.
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