Por
Ir\ Francisco Feitosa
Ao
longo da história das civilizações, muitas deusas foram eleitas por diversas
culturas, a fim de representar os mais variados segmentos, como a agricultura, a
beleza, a música, etc. Durante o longo período de injustiças e conquistas, a
tão sonhada Liberdade dos povos, também, carecia de uma representação divina.
Com isso, em Roma, durante a segunda Guerra Púnica (218 a.C. a 202 a.C), que
ficou famosa pela travessia dos Alpes, efetuada por Aníbal Barca, foi escolhida
a deusa Libertas, como a personificação da Liberdade, em Roma, onde foi honrada
com um templo erigido no monte de Aventine, pelo pai de Tibério Graco,
conhecido por “Tibério, o Velho”.
Tempos
se passaram e já no final do século XVIII, a França passava por períodos
revolucionários, que se iniciaram com a Queda da Bastilha, em 1789, e chegaram
até o seu ápice no ano de 1793, quando a família real francesa foi toda guilhotinada.
Após o triunfo da Revolução Francesa, foi criada a República Francesa,
terminando com o sistema absolutista, dando mais autonomia ao povo através de
direitos sociais e com a declaração dos direitos do homem e do cidadão. A
Revolução, os novos ideais, as perspectivas do povo, enfim, a República,
precisava de um símbolo, de uma imagem, que personificasse aquela conquista, a
tão sonhada República.
Na
França, em 1830, o pintor Eugène Delacroix, pintava o quadro “A Liberdade
Guiando o Povo”, passando a ser a sua obra mais conhecida, uma pintura em
comemoração à Revolução de Julho daquele ano, com a queda de Carlos X. Mais uma
vez, como na Roma antiga, uma mulher representava a Liberdade, e guiava o povo
por cima dos corpos dos derrotados, levando a bandeira tricolor da Revolução
Francesa em uma mão, e, na outra, um mosquetão com a baioneta calada. Sobre sua
cabeça, um barrete frígio, que fora usado pelos libertos romanos, simbolizando
a liberdade durante a primeira Revolução Francesa, de 1789-1794. Delacroix retratou
a Liberdade, tanto como figura alegórica de uma deusa como na de uma mulher
robusta do povo, uma abordagem que os críticos contemporâneos denunciaram como ignóbil.
O monte de cadáveres atua como uma espécie de pedestal de onde a Liberdade
passa descalça e com os seios nus, de lona e no espaço do espectador.
Essa
mulher representa a razão, a nação, a pátria e, principalmente, as virtudes da
República.
Historiadores
dizem que a razão pela qual foi escolhida uma mulher para representar a
República, foi que uma alegoria feminina simbolizava uma ruptura com o antigo
regime autocrático chefiado por homens. Tal figura feminina, no quadro de
Delacroix, recebeu um nome, cuja origem é um tanto incerta, sendo a afirmação
mais aceita a de que seria a junção de dois nomes franceses muitos comuns para a
época, Marrie e Anne. Portanto, Marianne, ficou conhecida por a “Senhora
Liberdade”, uma espécie de deusa Libertas dos antigos romanos.
Em
1793, durante a Revolução Francesa, a catedral do Notre Dame, em Paris, foi
transformada em um "templo à razão" e, por um momento, Marianne, a
"Senhora Liberdade", chegou a substituir a Virgem Maria em diversos
altares. Como reação, o governo procurou incentivar o culto à Virgem Maria.
Essa atitude fez com que se desencadeasse uma batalha de cultos, que ficou
conhecida como Mariolatria x Marianolatria. Após a “Terceira República”
(1870-1940) a figura de Marianne se popularizou.
Segundo
o maçom Augusto Comte, criador do positivismo, o símbolo perfeito para a
humanidade seria a virgem mãe. Suas especificações eram uma mulher de trinta
anos, sustentando um filho nos braços. O rosto, por ele escolhido, seria o de
sua amada Clotilde de Vaux.
O
quadro “A Liberdade Guiando o Povo” inspirou a construção da Estátua da
Liberdade, em Nova York, cujo nome oficial é “A Liberdade Iluminando o Mundo”,
uma versão maçônica de Marianne, projetada e construída pelo maçom Frédéric
Auguste Bartholdi (1834-1904), que se baseou no “Colosso de Rodes” para
edificá-la, e que foi doada para os Estados Unidos, por Napoleão III, em
comemoração aos 100 de declaração da Independência. A estátua de Marianne, que
segura uma tocha na mão, tem uma posição mais estável, ao contrário da mulher
na pintura. A partir de então, não demorou para que Marianne se tornasse uma efígie
da República em todo o Ocidente. Marianne é a representação simbólica da mãe
pátria, simultaneamente, enérgica, guerreira, pacífica, protetora e maternal.
Hoje,
os bustos da “Senhora da Liberdade”, contendo o lema da revolução, “Liberdade,
Igualdade e Fraternidade”, podem ser encontrados em, praticamente, todos os
edifícios públicos da França, além de terem sido adotados como representação
gráfica da República em todo o Ocidente.
Além
disso, os bustos, também, são objetos obrigatórios em todos os templos
maçônicos franceses, sendo bastante comum que nele contenha outros símbolos
utilizados pela Maçonaria, como o esquadro e o compasso, o triângulo com o
“olho que tudo vê” e a estrela de cinco pontas, etc. Por isso, a efígie
simbólica, ou seja, a ilustração que representa a República, ou seja, a
“Senhora Liberdade”, Marianne, ficou conhecida, também, por “Senhora da
Maçonaria”. Marianne, a deusa Libertas da atualidade, deixou de ser um ícone,
apenas, dos franceses e ganhou o mundo, em especial onde os movimentos
libertários foram imprescindíveis para formação de nações livres.
Em
nosso país não foi diferente, onde poderemos atestar, durante o período da
implantação da República, diversas representações de Marianne. Desde antes de
1889, as imagens da República eram abundantemente difundidas nos diversos
jornais e revistas da época. Dentre as quais, destacavam- se a “Revista
Illustrada”, “O Mequetrefe” (1885) e o “Besouro” (1878). Desses periódicos, a
“Revista Illustrada” era, de longe, a que mais dava espaço às imagens da República,
a exemplo da charge de Angelo Agostini: “Senhores de escravos pedem indenização
à República” - publicada em 09 de junho de 1888, e foi nesta Revista a sua primeira
representação personificada na figura feminina, publicada no dia seguinte à
Proclamação.
Depois
de 1889, a figura da Marianne, praticamente, não sairia mais das páginas das
revistas. Alimentada pelos acontecimentos do cotidiano, as representações da
República podem ser entendidas como uma espécie de crônica visual, ao menos no
sentido que lhe atribui Antônio Cândido (1992).
Além
de evidenciar a associação com a imagética revolucionária francesa, a “Marianne
brasileira” cabia representar o cotidiano de um regime, que se esforçava para
se fazer ver, dentre várias atividades como representante da Pátria: apareceu
vencedora das urnas da Assembleia Constituinte. Em primeiro plano ela recebe
das mãos de Deodoro da Fonseca a Bandeira Nacional, enquanto, ao fundo, o
Imperador Pedro II acenava em despedida ao povo presente na sacada; o Conde
d'Eu conduzia as crianças à lancha do Arsenal de Guerra ao lado da chorosa
Princesa Isabel, que os levaria ao cruzador Parnaíba, depois ao Alagoas e ao exílio.
A
composição do quadro é, totalmente, alegórica e não tem nenhum compromisso com
a temporalidade dos fatos: importa o que ele representa e não a veracidade dos
acontecimentos. A imagem da República extravasou, ou tentou extravasar, o
círculo estreito dos dirigentes republicanos. O imaginário de uma figura que
representasse o novo regime não ficou restrito ao Rio de Janeiro. Como a
circulação de periódicos estava limitada às principais províncias, e as obras
de arte laudatórias do novo regime, ficava restrita aos ambientes governamentais.
A figura da República encontrou um meio de difusão mediante à moeda corrente,
conforme podemos identificar no anverso da moeda de 500 Réis (1889).
Em
Belém, capital paraense, numa área que se chamava Praça Pedro I, após a queda
do Império, em 1897, foi inaugurado um monumento à República, erguido em
comemoração à implantação do regime republicano no Brasil. O monumento em
mármore e bronze é formando por um conjunto de esculturas, tendo Marianne, a
Senhora Liberdade, com as insígnias revolucionárias da sua identidade.
No
Rio de Janeiro, a Praça da República, conhecida pelos cariocas por Campo de
Santana, exibe um monumento a Benjamin Constant, construído por Décio Villares,
onde a “Senhora Liberdade” ocupa local altaneiro e de destaque. Assim como, no
monumento a Floriano Peixoto, obra de Eduardo de Sá.
A
cidade gaucha de Porto Alegre, também, poderemos avistar a “Senhora Liberdade”
na Praça Marechal Deodoro, um monumento a Júlio de Castilhos, construído por
Décio Villares.
Em
verdade, Marianne passa despercebida nos mais diversos lugares. A falta de
interesse pela cultura, pelo significado dos símbolos e o imediatismo dos
tempos atuais fazem com que a maioria das pessoas passe alheia a quase tudo.
Uma
versão gravada da pintura do quadro “A Liberdade Guiando o Povo”, junto a uma
representação do próprio Delacroix, foi destaque na nota de 100 francos
franceses, no início dos anos 90.
As
cédulas de Real, em plena circulação no Brasil, são ilustradas por animais que
estampam a face reversa das notas, como a arara, nas cédulas de R$ 10, o
mico-leão dourado, nas de R$ 20, assim por diante. O que muitos ignoram é a
razão da existência de uma moça, que aparece em todas as cédulas. Tal efígie,
nada mais é que a ilustração da “Senhora Liberdade”, Marianne, a “Senhora da
Maçonaria”, o símbolo da República Federativa do Brasil.
Se
os maçons americanos podem ver a Maçonaria na cédula de dólar, através da
imagem do “Olho que tudo vê”, os maçons brasileiros, também, o fazem através da
efígie de Marianne.
Marianne
é o arquétipo que insiste em nos alertar para que, jamais, calemo-nos frente
aos impérios, sejam eles o da corrupção, do desperdício, da incompetência, da
injustiça social, da improbidade, de todos os impérios que permitimos que se
estabeleçam através da nossa omissão. Segundo Abraham Lincoln, “ninguém é
suficientemente competente para governar outra pessoa sem o seu consentimento”.
Afinal, somente será digno da liberdade, como da vida, aquele que se empenhar
em sua conquista e em sua manutenção! Atualmente, vemos com muito bons olhos o
despertar da população brasileira, em busca de derrubar as bastilhas atuais, tão
nocivas como as do século XVIII, clamando pela moralização do país e não se
permitindo ser novamente colonizada, hoje, por um império de maus brasileiros
infiltrados no poder, legitimamente, eleitos pelo nosso descomprometimento!
Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós!
*O
autor é o Grande Bibliotecário do Supremo Conselho, Editor Responsável do
Informativo ASTRÉA NEWS e da REVISTA MAÇÔNICA ARTE REAL www.entreirmaos.net .
4 Comentários
HIPER INTERESSANTISSIMO COM CERTEZA VOVENDO E SEMPRE ;MAS SEMPRE APRENDENDO COM CERTEZA ;PARABENS ; EXCELENTE ABRAÇOS SEMPRE FRAERNAIS E SINCEROS A TODOS OS IIR : .
ResponderExcluirPERDAO ESCREVI SEM A DEVIDA ATENÇAO [ VIVENDO E SEMPRE ; MAS SEMPRE APRENDENDO ] ; OBRIGADO E PERDOEM-ME PELO EQUIVOCO ;ABRAÇOS .
ExcluirO que é um bom texto?
ResponderExcluirCreio que um bom texto deve premiar conhecimento baseado em pesquizas; cultura de base social ou de formação; vivência; compromisso com o leitor; coerência no desenrolar do tema abordado, etc...
Achei todos esses predicados, no meu entender, amalgamados no relato instrutivo e enriquecedor do querido Ir.´. Francisco Feitosa e quero humildemente lhe agradecer, meu prezado editor, por o haver publicado.
Transcender de séculos passados e captar atualidade nas ações históricas vividas em outras culturas é só para quem recebeu a luz e a está distribuindo como lhe é de obrigação.
Fraternamente,
TFA
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