Embora
não se tenha levantado, até o momento, uma prova conclusiva de que o poeta
Fernando Pessoa era maçom, não há dúvida que ele era iniciado nos segredos da
Arte Real. Pelo menos, em seus escritos, ele demonstra muito mais conhecimento
do que a grande maioria dos maçons que já atingiram os últimos degraus da
Escada de Jacó.
Por
prova conclusiva entendemos documentos escritos, tal como uma ata de seção
registrando sua iniciação. Todavia, vários outros documentos, como por exemplo,
as publicações maçônicas, que ele recebia regularmente, mostram que ele,
efetivamente, tinha ligações com a Maçonaria.
A
Maçonaria de Fernando Pessoa é espiritualista por excelência. E não poderia ser
de outra maneira dado o conteúdo dos seus escritos. Ele não via a Maçonaria como
uma sociedade secreta, mas sim como uma sociedade iniciática.
Há
diferenças fundamentais entre os dois conceitos. Uma sociedade secreta não tem
estatutos nem divulga seus objetivos ou o nome de seus membros. Vive nas
sombras e suas atividades só é conhecida de seus adeptos. A sociedade
iniciática é , quando muito, seita, ou uma ordem que pratica uma doutrina. Ela
inicia seus adeptos nessa doutrina, que não pode, por isso mesmo, ser secreta.
Se
o fosse, não poderia ser chamada de doutrina. O segredo, na maçonaria, como
próprio poeta diz, é circunstancial. Quer dizer, existem certas
particularidades que não podem ser divulgadas a quem não pertencer á Ordem, ou
mesmo dentro das diversas hierarquias de graus,
a quem não pertencer ao mesmo grau.
Mas
isso era simples questão de circunstância e organização hierárquica. Na
verdade, aquilo que as pessoas chamam de secreto na maçonaria, que são os seus
símbolos, palavras e toques são muito mais uma forma de linguagem do que
propriamente uma fórmula discriminatória, ou de exclusão de pessoas estranhas
ao meio, como é o caso das sociedades secretas.
Outra
indicação da sua condição de maçom é a estreita amizade que ele manteve com o
famoso mago e eminente maçom Aleister Crowley, o qual visitou Lisboa em 1930 para,
segundo ele mesmo informou, estabelecer na capital portuguesa uma “delegação da
Ordem, sob a autoridade de Dom Fernando Pessoa.” Que Ordem era essa ele não
disse. Aleister Crowley era maçom e membro da famosa Golden Dawn, uma espécie
de Loja Maçônica espiritualista fundada na Inglaterra em fins do século XIX
pelo escritor Bullwer Litton, famoso pela narrativa dos Últimos Dias de
Pompéia, livro que o notabilizou. Crowley fundou diversas Lojas Maçônicas, de
diversos ritos. Foi um das maiores autoridades em maçonaria, em toda a história
da Ordem.
Não
temos dúvida que Fernando Pessoa era irmão. Tanto era que se envolveu em
acirradas lutas em defesa da Maçonaria, quando o Estado Novo, implantado em
Portugal em 1926, sob a direção de Oliveira Salazar, iniciou um sistemático
processo de perseguição contra a ordem maçônica em Portugal. Essa perseguição
culminou com a lei 1901, de maio de 1935, que proibia e existência das chamadas
“sociedades secretas”. Essa lei, que só foi revogada em 1974, quando o regime foi
abolido, tinha um alvo bem claro: A Maçonaria. Fernando Pessoa insurgiu-se
contra esse decreto escrevendo vários artigos em revistas da época, defendendo
a Maçonaria, expressando sua opinião e conceitos á respeito da Ordem e da sua
dou-trina. Em razão disso, sua vida durante o regime salazarista, não foi muito
fácil.
Para
Pessoa a Maçonaria não era uma sociedade secreta, embora suas reuniões fossem
fechadas e privativas dos iniciados.
Quem
diz que a Maçonaria não é uma religião só está certo em uma coisa, dizia
Fernando Pessoa: ela não é religião confessional. Ela é uma religião
iniciática. Qual a diferença? Ele mesmo explica: a diferença entre as seitas
iniciáticas e as religiões institucionais é precisamente a iniciação e a forma
de participação. Nas religiões institucionais o adepto participa, mas não
aprende. Ele é cooptado, não pela razão, mas pela fé. Na Maçonaria não há uma
fé, mas sim uma doutrina de caráter inciático.
Para
Fernando Pessoa havia duas classes de maçons: os esotéricos e os exotéricos. Os
esotéricos, em sua opinião, os verdadeiros maçons, eram os espiritualistas,
aqueles que viam a Ordem como sociedade de pensamento, onde se podia adquirir
uma verdadeira consciência cósmica. Os exotéricos eram aqueles que viam a
Maçonaria como um clube de cavalheiros, uma entidade sócio empresarial elitista
e pseudo-filantrópica, mais interessada em política e vida comunal do que,
propriamente, doutrina.
Na
sua opinião, a maioria dos maçons era do último tipo, isso é, exotéricos. Eram
do tipo administrativo, pessoas que galgam até os últimos graus da Ordem sem
entender absolutamente nada do que aprenderam lá. Isso significa que existe na
Maçonaria uma grande quantidade de iniciados profanos, que por falta de uma
sensibilidade para com a verdadeira natureza dos ensinamentos maçônicos, ou
mesmo pela falta de interesse ou mera preguiça intelectual, jamais serão
verdadeiros iniciados, ou maçons no verdadeiro sentido da palavra. São
iniciados por fora, apenas formalmente, mas continuam profanos por dentro.
Sua
principal crítica era o fato de as Lojas terem se tornado instituições, que
faziam seções meramente administrativas. A maioria das Lojas, segundo o poeta,
praticavam os rituais de uma forma vazia e puramente formal, sem levar o adepto
a entender a riqueza espiritual contida nas lendas, nos ritos e nos símbolos
utilizados no ensinamento maçônico. Por isso, dizia ele, cada grau deveria
corresponder a um estado de vida, tendente a levar o iniciado a um novo patamar
de consciência. Isso tudo se perdeu quando a Maçonaria institucionalizou seus
ritos e se transformou numa organização administrativa.
Salientava
ainda, o poeta, que a Maçonaria é uma “Ordem de Vale”, isto é, uma Ordem que
precisa da qualidade iniciática para se tornar uma “Ordem de Montanha.”
Simbolicamente isso significa que a sua função é dirigir o adepto na busca da
elevação espiritual. Foi isso que os hebreus fizeram, por exemplo, quando
deixaram o Vale do Nilo e se dirigiram para o Monte Sinai sob o comando de
Moisés. Os hebreus deixaram a religião formalista e meramente confessional do
Egito para buscar a iniciação na montanha. Assim, o Êxodo foi, na verdade, uma
grande jornada iniciática. Dai ele entender, por exemplo, ser o Rito de
Heredon, o mais representativo da Ordem maçônica. Isso porque Heredon é o
centro supremo do mundo, o polo místico da iniciação planetária, segundo a
tradição Rosa-Cruz. De acordo com a lenda Rosa-Cruz, a montanha de Heredon está
situada na Escócia, a 60 milhas de Edimburgo.
Não
precisamos dizer que concordamos com Fernando Pessoa. Em nosso entender a
Maçonaria, enquanto instituição não deve se envolver com questões comunitárias
nem se preocupar com a prática da filantropia. Isso deve ser uma preocupação do
maçom como pessoa, mas não da Maçonaria como instituição. Uma Loja voltada mais
para esses fins torna-se, como disse o poeta, uma unidade administrativa,
fugindo da sua verdadeira finalidade, que no nosso entender, é evitar a
desintegração cósmica do homem, desintegração essa provocada pelo
individualismo e pela luta pela sobrevivência. Afinal, a busca dessa integração
é a meta das doutrinas espiritualistas.
Fernando
Pessoa nasceu em Lisboa em 1888 e morreu na mesma cidade em 1935. Deixou para a
comunidade maçônica um extraordinário legado doutrinário, muito pouco conhecido
e por isso mesmo pouco explorado. Esperamos voltar ao assunto em breve para
levar aos irmãos mais um pouco da sabedoria maçônica do grande poeta português.
DO LIVRO O PENSAMENTO MAÇÔNICO DE FERNANDO PESSOA- JORGE DE MATOS, ED. SETE CAMINHOS- LISBOA, 2006
ENVIADO POR JOÃO ANATALINO
FONTE: RECANTO DAS LETRAS
1 Comentários
Excelente texto, Parabéns! Creio que Fernando Pessoa deixou muitos ensinamentos da arte real espetaculares, principalmente nas figuras de seus heterônimos, personalidades muitas vezes aprimoradas do seu próprio eu.
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