Cultura
Por Euler de França Belém - Revista Bula
Rohter dá o devido valor a um músico sofisticado: “Pixinguinha pode ser considerado o equivalente brasileiro de Louis Armstrong: um brilhante instrumentista, improvisador e chefe de banda, que sintetizava várias correntes musicais afros num novo estilo vivaz que cativou o mundo. (...) Foi a ascensão de Pixinguinha que marcou o início do diálogo constante entre a música pop brasileira e a norte-americana”.
Ao contrário do biógrafo Ruy Castro, o crítico americano é econômico nos elogios a uma cantora que fez muito sucesso no Brasil e nos Estados Unidos: “... a batida e a energia de Carmen Miranda eram irrefreáveis e ajudaram a estabelecer o samba como uma dança de salão popular nos Estados Unidos e na Europa”. Sobre Heitor Villa-Lobos: “É o compositor mais tocado e influente que já saiu da América Latina”.
Um computador pode ser aposentado por outro mais moderno. Mas música não é igual a tecnologia. Noel Rosa é “pior” do que Chico Buarque, porque este surgiu depois e, teoricamente, é mais inovador? Alguém dirá que Stravinski é “superior” a Mozart? Mesmo assim, Rohter diz que, em 1955, quando morreu Carmen Miranda, “a música brasileira a havia deixado para trás e já dera início à próxima inovação a desfrutar de popularidade global: a bossa nova”.
“A bossa nova nasceu do fascínio de Antônio Carlos Jobim pelo jazz norte-americano e pelos compositores clássicos românticos como Chopin, mas ele absorveu essas influências e produziu algo novo e tipicamente brasileiro”, acredita Rohter, esquecendo de citar pelo menos uma influência local. Adiante, contradizendo-se, escreve: “O samba e seu derivado mais suave, a bossa nova”. Os tradutores, seguindo o original, escrevem sempre Antônio Carlos Jobim, como se o compositor e músico não fosse conhecido como Tom Jobim, aqui e alhures.
A bossa nova é uma revolução musical, que, assinala Rohter, “retinha o ritmo contagiante do samba clássico, porém com uma abordagem mais suave e menos ruidosa, em que o piano e o violão têm precedência sobre instrumentos de sopro e percussão”.
Manuel Bandeira bebeu nas águas dos Campos mas retomou o seu lirismo, que, no fundo, é mais moderno do que seu concretismo desajeitado. Drummond, sempre matreiro, talvez tenha percebido que o concretismo era mais um movimento cultural — daqueles que questionam valores e querem destruir tudo o que se fez de diferente — que uma poesia, ou um estilo de fazer poesia. Um dos imitadores, Paulo Leminski, escapou aos tentáculos dos irmãos Campos (Haroldo e Augusto), acabando por fazer um romance, “Catatau”, em que mistura Rabelais com James Joyce, e uma poesia mais libertária. Régis Bonvicino poderia ter se tornado epígono, mas distanciou-se e tornou-se um poeta que dialoga com a tradição interna e externa com desenvoltura. Nelson Ascher parece ter escapado à camisa de força do concretismo e estabeleceu-se como poeta de nível, na tradição da poesia patropi de qualidade. A poesia de Arnaldo Antunes ainda parece engessada. Curiosamente, Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari são melhores poetas quanto menos parecidos com os “bardos” do movimento concretista. Haroldo, quando parece mais próximo de Octávio Paz, talvez em “Galáxias”, mostra-se um poeta poderoso, até discursivo.
A bossa nova é uma espécie de concretismo da música — quase uma ditadura de civis. Antes dela, nada. Depois dela, ninguém. Mário Reis cantava baixo, diferentemente dos cantores de vozeirão, como Francisco Alves e Orlando Silva, e sem dúvida foi modelo (admitido) para João Gilberto. Mas, para João Gilberto se tornar o Machado de Assis da música brasileira, ponto de partida e de chegada, raramente isto é dito de modo enfático. Não resta dúvida que, com “Chega de Saudade”, escrita por Tom Jobim e pelo poeta Vinicius de Moraes, e “Bim Bom”, de João Gilberto, a bossa nova é uma revolução musical. Nas artes, porém, as rupturas não são necessariamente excludentes.
Os tradutores escrevem “o guitarrista [João] Gilberto”. Se fosse nos Estados Unidos, tudo bem — pois, lá, guitarrista é o mesmo que violonista. No Brasil, guitarrista toca guitarra e violonista toca violão. João Gilberto é violonista afinado e exigente. Se a bossa nova bebeu no jazz — e no samba local —, o jazz, depois de certo tempo, começou a beber na bossa nova. O guitarrista Charlie Byrd e Stan Getz gravaram o disco “Jazz Samba”, “que gerou”, afirma Rohter, “os sucessos compostos por Jobim ‘Samba de uma nota só” — o qual ganhou um Grammy para Getz — e ‘Desafinado’. O passo seguinte para Getz foi ir direto à fonte: ele colaborou com João Gilberto e sua esposa, Astrud, e com Jobim para fazer outro álbum, chamado ‘Getz/Gilberto’. A primeira canção-solo desse disco, ‘Garota de Ipanema’, de Jobim, fez Getz ganhar mais alguns Grammys e convenceu os dois cantores mais renomados dos Estados Unidos, Frank Sinatra e Ella Fitzgerald, a gravar os próprios discos de bossa nova”.
Quando a bossa nova dominava as paradas de sucesso norte-americanas e, segundo Rohter, “parecia prestes a se tornar a forma de música ‘pop’ mais popular no mundo inteiro, o rock, via britânicos, tornou-se hegemônico. Ainda assim, a bossa nova permaneceu. A arte de seus principais artistas, como Tom Jobim, João Gilberto e a cantora Nara Leão, permanece viva. Não foi “superada”.
Da bossa nova, Rohter salta para o tropicalismo, citando Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Tom Zé e Torquato Neto. “O ecletismo deles, especialmente seu entusiasmo por guitarras elétricas e rock and roll, escandalizou a velha guarda musical. Pelo mesmo motivo, a esquerda radical os via como agentes do imperialismo norte-americano, tentando sabotar a integridade da cultura brasileira e enfraquecer o engajamento políticos do jovens.” O disco “Tropicália ou panis et circensis” é apontado como uma obra-prima.
Para Rohter, “os principais atributos de [Milton] Nascimento eram a sua voz, um tenor puro de doer, que ele frequentemente deixava subir para um falsete etéreo, e seu elaborado senso de harmonia, que rapidamente fez dele um favorito dos músicos de jazz”. Milton colaborou com o saxofonista Wayne Shorter, Pat Metheny, Herbie Hancock, Ron Carter, George Duke, Quincey Jones, do jazz, e Jon Anderson, do Yes, Duran Duran, Peter Gabriel, Paul Simon, Sting, Cat Stevens e James Taylor, “pops”.
Embora pródigo em elogios a Chico Buarque, suas letras são “ágeis e inteligentes, engenhosas e subversivas”, Rohter comete o desatino de dizer que o compositor e cantor é “popular em todos os grupos e classes sociais”. Deve tê-lo confundido com Roberto Carlos.
Jorge Ben, Luiz Melodia e Tim Maia, que fundiram “música soul com pop brasileiro”, foram seguidos por Ed Motta, Luciana Mello e Max de Castro. Rohter destaca os roqueiros Arnaldo Antunes, Titãs e Paralamas do Sucesso e as bandas Los Hermanos, “pop”, Charlie Brown Jr. e Jota Quest, “punk”, “e grupos de inspiração reggae como Skank e Cidade Negra. Entre as cantoras merecem registro Adriana Calcanhoto, Ana Carolina, Cássia Eller, Maria Rita e Vanessa da Matta. Rohter não o diz, mas fica-se com impressão de que, como compõem, Calcanhoto, Carolina, Eller (morreu), Maria Rita e da Matta são melhores cantoras do que Carmen Miranda, Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina (Maria Rita, um cantora menor, se comparada à mãe, é citada, mas Elis não é mencionada nem de passagem). Rother deixa a impressão de priorizar músicos e de não levar muito em consideração cantores.
No geral, o livro divulga bem a música brasileira em 18 das 40 páginas do capítulo comentado. Ampliado, deveria ser publicado separadamente pela Geração Editorial.
No geral, o livro divulga bem a música brasileira em 18 das 40 páginas do capítulo comentado. Ampliado, deveria ser publicado separadamente pela Geração Editorial.
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