Por Luiz Sérgio Castro
Na noite silenciosa de um domingo em Belo
Horizonte, o trem azul fez sua última parada. Lô Borges, o menino do tênis
gasto e dos acordes luminosos, partiu aos 73 anos, deixando um eco suave nas
esquinas da música brasileira — aquelas mesmas esquinas que ele ajudou a
transformar em eternidade.
Era um artista raro, desses que não precisavam
de barulho para existir. Com seu violão e uma alma que parecia feita de nuvens
e saudade, Lô fez da simplicidade um espelho de profundezas. Quando, ainda
garoto, cruzou o caminho de Milton Nascimento no bairro de Santa Tereza, nasceu
algo que nem o tempo ousou apagar: o Clube da Esquina — esse encontro de vozes,
sonhos e harmonias que ensinou o Brasil a ouvir com o coração.
De “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” a “O Trem
Azul”, suas canções sempre pareceram atravessar o céu de Minas, misturando
melancolia e esperança em proporções exatas. Aos 20 anos, já assinava com
Milton um dos discos mais belos da história da música mundial, o lendário Clube
da Esquina (1972). No mesmo ano, lançou seu Disco do Tênis, aquele em que o
pop, o rock e a poesia se deram as mãos — e nunca mais se separaram.
A vida, no entanto, também soube ser silêncio
para Lô. Depois do sucesso, ele se recolheu — talvez buscando o sossego que só
os sons do mar da Bahia poderiam oferecer. Mas o destino sempre chama de volta
quem tem algo a cantar, e em 1978 ele retornou com Via Láctea, um álbum que
parecia vir das estrelas e que ele mesmo considerava um dos seus melhores
trabalhos.
Nos últimos dias, o corpo já pedia descanso. A
voz que embalou gerações foi aos poucos se calando, até que, no domingo, a
canção cessou. Mas não o som — porque Lô Borges não morre assim. Ele continua
onde sempre esteve: nas esquinas da memória, nas tardes mineiras, nas janelas
que abrem para o infinito.
E assim, enquanto o trem azul segue seu rumo
pelo céu, nós, cá embaixo, continuamos ouvindo — porque toda vez que um acorde
seu ressoa, o mundo volta a ser Belo Horizonte numa tarde de sol.
Lô Borges partiu, mas a canção ficou. E é ela
que, suavemente, ainda nos conduz.

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