Por Luiz
Sérgio de Freitas Castro, baseado no artigo de Irmão Daniel Doron
A Maçonaria,
instituição repleta de simbolismo, tradição e história, guarda em seus
manuscritos antigos uma narrativa fascinante: uma verdadeira história da
Criação da Ordem. Mas seria essa narrativa apenas uma lenda? Ou poderíamos
considerá-la uma autêntica mitologia maçônica? O Irmão Daniel Doron, em
profunda reflexão sobre os "Old Charges" (ou Antigos Deveres), propõe
uma resposta afirmativa à questão: sim, a Maçonaria possui uma mitologia
própria – e ela é essencial para compreender o ethos maçônico.
A Origem da
Narrativa
Os 143 manuscritos
conhecidos como "Obrigações Antigas", especialmente o Regius
(1390) e o Cooke (1410), formam o alicerce documental da Maçonaria
operativa medieval. Eles contêm duas partes principais:
Uma narrativa
lendária, que descreve a origem e a transmissão da arte maçônica desde os
tempos mais remotos;
Um corpo de regras
(as Obrigações), que regulavam o comportamento dos maçons operativos em suas
lojas e com seus empregadores.
É na parte lendária
que encontramos elementos típicos da mitologia: personagens simbólicos,
episódios fundacionais, e uma cronologia idealizada que legitima a tradição
maçônica.
Da Lenda ao Mito
Segundo o dicionário
Webster, mito é:
“Uma história
tradicional que serve para revelar parte da visão de mundo de um povo ou
explicar práticas e crenças.”
“Uma crença ou
tradição popular que encarna os ideais de uma sociedade.”
Sob essas
definições, a narrativa maçônica não é apenas uma lenda: é um mito estruturado,
que explica o surgimento da Maçonaria, seu ideal moral, e sua missão
espiritual.
A Cadeia
Mitológica Maçônica
A análise dos
personagens envolvidos na narrativa confirma essa hipótese. Entre os
principais:
Adão – O primeiro
homem, início da linhagem simbólica.
Ninrode – Construtor da Torre de Babel, associado à arquitetura e à rebeldia
humana.
Lameque e seus filhos – Descobridores das sete Artes Liberais, entre
elas a Geometria, definida como sinônimo de Maçonaria.
Noé – Representa a continuidade da sabedoria após o dilúvio, salvando os
conhecimentos em duas colunas.
Abraão – Transmissor do saber iniciático ao Egito.
Euclides – Simboliza a matemática e a geometria, pilares do ofício.
Hermes
Trismegisto – Arquetípico iniciador egípcio, ponte entre
ciência, religião e magia.
Salomão – O ápice do simbolismo maçônico, com a construção do Templo.
Carlos Martel – Figura histórica com valor simbólico: defensor da cristandade.
Santo Albano – Primeiro mártir cristão na Inglaterra, ligado à difusão da Maçonaria
nas Ilhas Britânicas.
Rei Athelstan – Herói saxão, unificador da Inglaterra, que teria convocado a lendária
Assembleia de York em 926.
Cada personagem
funciona como um elo na cadeia iniciática, transmitindo a Arte Maçônica
até sua formalização na Inglaterra medieval.
A Lenda de
York: Clímax da Mitologia
A narrativa culmina
na célebre Lenda de York, onde se diz que os Mestres Maçons do reino se
reuniram em assembleia para codificar as Obrigações da Arte. Este momento
simbólico representa não apenas um marco organizacional, mas também a
sacralização da Maçonaria como guardiã de uma sabedoria ancestral.
A Mitologia como
Ancestralidade Simbólica
Curiosamente, a
narrativa ignora os períodos de ouro da construção em pedra da Grécia e de
Roma, fixando-se em personagens bíblicos, figuras lendárias e reis saxões. Isso
mostra que o propósito não era histórico, mas identitário e simbólico. Os
manuscritos refletem o ethos dos maçons operativos, seus valores, suas
tradições e sua visão de mundo. Mais tarde, ao serem adotados pelos maçons
especulativos, esses textos forneceram uma ancestralidade respeitável à
nova Maçonaria filosófica.
Conclusão
Sim, existe uma
mitologia maçônica. Não no sentido de uma religião ou de uma fantasia
infundada, mas como um corpo simbólico que revela a alma da Ordem. A mitologia
maçônica é a narrativa fundadora que une gerações de obreiros, do
passado ao presente, em torno de um ideal de construção moral e espiritual do
ser humano.
Ela não precisa ser historicamente exata, pois sua verdade é iniciática, simbólica e transcendental.
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