Por Rafael Cavacchini – 19/03/2025
Por que Dom Pedro I rejeitou o título de rei e se tornou algo ainda maior?
Ao proclamar a Independência, Dom Pedro I poderia ter se tornado “Rei do Brasil” – ou pelo menos era isso que muitos esperavam. No entanto, a história não foi bem assim. A Revista Sociedade Militar consultou historiadores, especialistas e entusiastas para entender por que o primeiro Imperador do Brasil não escolheu o título de “Rei”.
Uma aclamação e não uma coroação
Na realidade, Dom Pedro I não “escolheu” o título. Ao retornar ao Rio de Janeiro após o famoso Grito do Ipiranga, ele foi recebido com grande entusiasmo popular. Durante as celebrações, o presidente do Senado da Câmara (espécie de câmara municipal da época) do Rio de Janeiro lhe ofereceu o título imperial. A decisão, no entanto, não ficou restrita a essa cerimônia, pois foi confirmada por várias câmaras municipais em todo o Brasil.
Dessa forma, ao contrário dos reis, que eram coroados por direito dinástico, os imperadores do Brasil eram aclamados, ou seja, recebiam legitimidade diretamente do povo.
Segundo historiadores, durante sua cerimônia de aclamação, três jovens — um branco, um negro e um indígena — representaram simbolicamente as etnias que compunham o Brasil. Esse detalhe era fundamental para fortalecer a legitimidade de Dom Pedro I como Imperador.
Mas por que Imperador e não Rei?
Havia diversas razões para essa escolha, todas mostrando como o Brasil já nasceu com uma visão ousada sobre si mesmo:
1) O título de Rei do Brasil já existia!
D. João VI, pai de Dom Pedro I, ainda se intitulava Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Se Dom Pedro adotasse o título de Rei do Brasil, poderia parecer uma continuidade do domínio português. Ao escolher “Imperador”, ele criava algo inédito e reforçava a separação entre Brasil e Portugal.
2) Império combinava mais com o Brasil
Historicamente, o título de “Império” era utilizado por nações vastas e multiétnicas – exatamente o caso do Brasil. Já os reinos costumavam ser menores e etnicamente mais homogêneos. Portanto, chamar o Brasil de Império fazia sentido para reforçar sua grandeza territorial.
3) Um toque de nobreza imperial
Dom Pedro I não era um príncipe europeu qualquer. Ele descendia de imperadores romanos do Oriente e do Sacro Império Romano-Germânico. Além disso, era casado com uma princesa da Áustria (D. Leopoldina, filha do imperador Francisco I). Em determinado momento, Dom Pedro quase foi coroado rei da Grécia e até cogitado para unificar Portugal e Espanha como Imperador da Ibéria. Sua ligação com o título imperial não era apenas simbólica.
Primeiro monarca constitucional do mundo
Uma inovação brasileira pouco conhecida é que Dom Pedro I foi o primeiro monarca a colocar oficialmente “Constitucional” em seu título. Assim, ele se tornava um imperador vinculado às leis e à Constituição. Essa ideia foi tão impactante que, anos depois, Afonso XII da Espanha copiou a fórmula e se autoproclamou Rei Constitucional da Espanha.
A relação com a Maçonaria e um título pouco conhecido
Muito antes da proclamação da Independência, a Maçonaria já estava envolvida nos movimentos independentistas. Em maio de 1822, meses antes do Grito do Ipiranga, Dom Pedro I recebeu da Maçonaria o título de Defensor Perpétuo e Protetor do Brasil. Assim, consolidou-se como líder do movimento independentista. Esse título continuou a ser usado oficialmente mesmo após a Independência.
Quando Dom Pedro I assumiu o trono português em 1826, acumulou, por um breve período, os títulos do Brasil e de Portugal. Sua titulatura oficial ficou gigantesca e impressionante:
“Sua Majestade Imperial & Fidelíssima, Pedro I & IV, Por Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil; Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África; Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.”
E as polêmicas?
Dom Pedro I era um líder carismático, mas também um governante controverso. Se, por um lado, sua aclamação como Imperador foi vista como um ato de soberania nacional, por outro, sua personalidade explosiva e suas decisões políticas geraram crises. Sua abdicação em 1831 foi um dos momentos mais caóticos da história do Brasil. Além disso, muitos o viam como um governante autoritário. Seu envolvimento na sucessão portuguesa também levou a disputas internas no Brasil, enfraquecendo sua popularidade.
Ainda assim, a escolha do título de Imperador foi um golpe de mestre para consolidar a independência do Brasil e dar ao país um status de grande potência na América Latina. Afinal, não era qualquer nação que se intitulava Império logo de cara!
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