Por Claudio Blanc
A espiral é o símbolo imemorial da força
vital. É uma das formas que repetem-se com mais constância na natureza – das
galáxias aos redemoinhos, das conchas dos caramujos às digitais humanas e à estrutura
helicoidal do DNA.
Também na arte, as espirais são um dos motivos decorativos mais comuns – uma das características maiores da arte celta e nórdica. Gravadas nos monumentos megalíticos, as espirais sugerem o labirinto pelo qual a alma passa em sua jornada rumo à existência após a morte. A espiral também representa o tempo, os ciclos da natureza e do nascimento e morte. Os símbolos que empregam espirais duplas, como o Caduceu de Hermes – o ícone adotado pela medicina –, sugerem equilíbrio de opostos, mas, em alguns casos, como a kunadalini indiana, remete à fertilidade.
O simbolismo da espiral ocupa papel de
destaque na Maçonaria, nesse caso uma alegoria ligada ao grau de Companheiro
baseada em um versículo bíblico do sexto capítulo do Primeiro Livro de Reis. “A
porta para a câmara do meio estava do lado direito da casa; e eles subiram
pelas escadas em espiral à câmara do meio e saíram da câmara do meio para a
terceira”, reza o texto.
A Escada em Espiral começava no pórtico do
Templo de Salomão. O pórtico, a entrada do templo, por sua vez, representa a
Presença Divina. É preciso passar pelo pórtico e entrar no templo para tornar- se
maçom, para nascer no mundo da luz maçônica. Ao entrar nesse templo simbólico
de conhecimento, o candidato torna-se Aprendiz. Quando o candidato avança outro
grau e torna-se Companheiro, sua verdadeira educação maçônica tem início. Esse
momento é simbolizado pela escada em espiral, “que convida-o a ascender e que,
como símbolo do discípulo e da instrução, ensina-lhe onde deve começar seu
trabalho maçônico – aqui ele deve iniciar as pesquisas gloriosas, embora
difíceis, que o levarão à posse da Verdade divina”, escreve Albert Mackey. No
alto dessa escada estão os tesouros do conhecimento, a Verdade maior.
O candidato que começa a subida das escadas recebe
instruções simbólicas a cada etapa. Primeiro, é informado sobre a organização
da ordem à qual pertence. Essa instrução pretende informar o aspirante sobre a
união dos homens na sociedade e o desenvolvimento da natureza do estado social.
São as benesses que surgem com a civilização e com o conhecimento que se
desenvolve e é transmitido de civilização para civilização.
Em seguida, o candidato contempla outra série
de instruções. Nessa etapa, os sentidos humanos são referidos como as fontes mais
importantes do nosso conhecimento e simbolizam aqui o cultivo intelectual. A
arquitetura, intimamente ligada à Maçonaria Operativa – aquela praticada na
Idade Média pelas corporações de pedreiros-construtores –, também é aludida
como símbolo de todas as outras artes úteis. Assim, nessa segunda escala na
ascensão das Escadas em Espiral, o maçom é lembrado da necessidade de obter- se
conhecimento prático.
Na terceira pausa, o maçom recebe
ensinamentos sobre o círculo completo da ciência humana. Mackey explica esse
ponto: “No século 7, e por um longo tempo depois, o círculo de instrução ao
qual toda a aprendizagem das mais eminentes escolas e dos mais distintos filósofos
ficou confinada estava limitado ao que foi então chamado de artes e ciências
liberais, e que consistia de dois ramos, o trívio e o quadrívio”. Enquanto o
primeiro incluía a gramática, a retórica e a lógica, o segundo compreendia a
aritmética, a geometria, a música e a astronomia. De acordo com o pensamento em
voga, quem fosse mestre dessas artes era capaz de resolver quaisquer questões
situadas no compasso da razão humana. O conhecimento do trívio dava ao seu
possuidor a chave de toda a linguagem e o do quadrívio revelava as leis
secretas da natureza.
Na Antiguidade, quando o conhecimento
científico e das ciências humanas era comparado à manipulação da magia, poucos
eram instruídos no trívio e, menos ainda, no quadrívio. Aquele que dominasse
ambos os conhecimentos assumia, de fato, o caráter de filósofo. O maçom que
alcançou esse ponto pode prosseguir e completar a tarefa para a qual foi
iniciado e, ao alcançar o último degrau, absorver o total aprendizado humano.
Na tradição maçônica, a recompensa recebida
no final da árdua jornada de iluminação não é “nem dinheiro, nem milho, nem vinho,
nem óleo”. Sua recompensa é a Verdade. Mas não a verdade parcial, aquela
concebida a partir do ponto de vista daquele que a interpreta. Essa verdade de
perspectiva pessoal é apenas um aspecto da Verdade maior, aquela que está acima
da realidade e da compreensão humana ordinária. Essa Verdade só pode ser apreendida
ou talvez vislumbrada pelos homens e mulheres se unirem os aspectos subjetivos
e objetivos de suas mentes.
O iniciado nas religiões dos Mistérios “sabe
o fim”, e, por isso, “conhece a origem da vida”. A Câmara do Meio simboliza
essa vida, onde pode-se aproximar da Verdade. Essa é a maior recompensa do maçom
– e está inscrito também no simbolismo numérico das Escadas em Espiral. A
ascensão do peregrino finda na Câmera do Meio, ou Santo dos Santos, onde está a
presença de Deus. É ali que o maçom recebe as recompensas por suas obras.
O número de degraus da escada em espiral
maçônica é sempre ímpar. O arquiteto romano Vitrúvio, que viveu no século I da
nossa era, testemunhou que os templos antigos sempre tinham um número ímpar de
degraus. Assim, se o fiel começasse a subir a escada com o pé direito, chegaria
ao último degrau pisando-o com o mesmo pé que iniciou a subida – um sinal de
bom presságio.
O número de degraus também reflete a
filosofia pitagórica, grande influência na moderna Maçonaria Especulativa. O simbolismo
numérico das Escadas em Espiral constitui outro trecho dessa mensagem escrita
claramente para aqueles que conhecem o alfabeto dos símbolos. A escada é feita
de três divisões, respectivamente de três, cinco e sete degraus. Os antigos
atribuíam especial importância aos números três, cinco e sete, uma vez que consideravam
que, excluindo o número um, esses são os três primeiros números ímpares. Além
disso, são divisíveis apenas por um e por eles mesmos (números primos).
Os números ímpares eram considerados
masculinos. Assim, o número um, divisível apenas por ele mesmo e cujo resultado
é ele mesmo, unido ao número feminino dois, resultava em três, a Trindade. O
simbolismo do número Três é poderoso, compreendendo muitos significados
diferentes ou complementares para muitos povos e nações. O Três remete ao céu.
É o número da síntese, da resolução, da criatividade, da versatilidade, do
nascimento e do crescimento. Pitágoras considerava o três o número da harmonia,
e Aristóteles considerava-o o número da completude.
O número cinco é composto do número três – e
de todo o significado nele contido – e do número dois, o primeiro número par.
Como resultado de um número masculino (três) e do feminino número dois, o
número cinco representa, de acordo com Pitágoras, o casamento – a união que
permite a renovação da Criação. O cinco também se relaciona aos cinco planetas
conhecidos na Antiguidade e igualmente aos cinco sentidos – capacidades que nos
permitem apreender o mundo ao nosso redor e com ele nos relacionarmos. O cinco
é o número humano, representado pelo pentagrama – signo, aliás, dos maçons
pitagóricos. Remete seus muitos significados à totalidade, formada pelos quatro
pontos cardeais e o meio – o “umbigo do mundo” de tantas culturas primevas.
Por todas as eras e terras, o número sete
ocupa destaque: os sete pecados capitais, as sete virtudes cardinais, os sete
dias da semana, os sete dias da Criação e assim por diante. É um número sagrado
e mágico que simboliza a ordem cósmica e espiritual, bem como a conclusão de um
ciclo natural. O sete era fundamental no universo mesopotâmico, que divide a
terra e o céu em sete zonas. É também o número das Colunas da Sabedoria e a
soma das três ciências que compõem a trívia com as quatro que constituem a
quadrívia.
O número total de degraus, quinze, também
encerra significado místico. Esse número era sagrado entre os judeus, pois a
soma das letras (que entre alguns alfabetos antigos representavam igualmente números,
como, por exemplo, os sistemas numerais grego e romano) do nome sagrado Jeová
era quinze. Assim, os quinze degraus das Escadas em Espiral remetem ao nome de
Deus.
A escada em espiral evoca a ascensão que leva
a Deus, à Verdade maior, e reflete por isso a caminhada do maçom da escuridão
rumo à luz, da ignorância à sabedoria, do estado inferior ao superior.
Incorpora a própria busca do maçom de
apreender a Verdade divina. Conforme Albert Mackey, “o candidato sempre
ascende, ele nunca fica parado, nunca volta atrás, mas cada passo que dá o leva
a alguma nova iluminação mental – ao conhecimento de algumas das doutrinas mais
elevadas”. Mackey adverte também que é apenas como símbolo que devemos
interpretar a lenda das Escadas em Espiral. “Se tentarmos adotá-la como um fato
histórico” – aliás, um erro que muitos cometem e que termina por absolutizar o
símbolo, perdendo assim seu verdadeiro sentido de “chave” que leva a um
conhecimento que só pode ser apreendido pela intuição – “o absurdo de seus
detalhes nos encara e os homens sábios se espantarão com nossa credulidade”,
avisa Mackey.
A escada é, assim, um poderoso mito
filosófico, uma representação da sublime jornada de conhecimento empreendida
pelo homem que deseja iluminar-se e, assim, libertar-se das condições humanas inferiores
e acessar o espectro mais elevado da nossa consciência.
Fonte: Grande Livro da Maçonaria
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