Por Willian Almeida de Carvalho (*)
O autor visa dar uma ideia
sobre Freud na Maçonaria judaica: a B´nai B´rith. Diferenças e semelhanças
entre a Maçonaria judaica e a Maçonaria tradicional. Sua iniciação, seus
trabalhos apresentados em Loja. Uma breve visão sobre a b´nai b´rith no mundo e
no Brasil e seu papel para a comunidade judaica. Cita os diversos trabalhos de
Freud apresentados previamente em Loja e um texto sobre o que pensa da
Maçonaria judaica. Encerra com uma visão de Einstein sobre a psicanálise.
Breve Introdução
Muito se discutiu se Freud teria
ou não participado da Maçonaria. Este artigo visa elucidar tal questão.
Antes de entrar propriamente no
assunto gostaria de falar sobre a B´nai B´rit que é a
Maçonaria da comunidade judaica.
B’nai B’rith (ברית בני)
A Ordem Independente de B’nai
B’rith (Os Filhos da Aliança em idioma hebraico ou Söhne des
Bundes em ídiche) é a mais antiga organização judaica em todo o mundo
(KARESH & HURVITZ, 2006). Funciona sob uma estrutura semelhante à da
maçonaria. Visa basicamente a incrementar a segurança e a continuidade do povo
judeu e do Estado de Israel, combatendo o antissemitismo e o fanatismo,
promovendo a união dos Ashkenazes e dos Sefaraditas. Sua missão é a de unir as
pessoas da fé judaica e aumentar a identidade judaica através do fortalecimento
da vida familiar judaica e promover uma base de serviços para o benefício dos
cidadãos judeus e facilitar a advocacia e ação em favor dos judeus através do
mundo.
O símbolo fundador da BB é
um Ménorah, ou seja, um candelabro de sete velas que representa o
Templo e a Verdade. Desabrocha como uma flor. É um símbolo, ao mesmo tempo,
judeu e maçônico.
Sua estruturação se compõe de
lojas (tipo maçônicas convencionais) e unidades de apoio para atingir seus
objetivos nesse alvorecer do século XXI. Conta atualmente com 200.000 membros
em mais de 50 países e com um orçamento anual em torno de US$ 14.000.000. Sua
sede localiza-se em Washington e na Europa, em Bruxelas. Convém salientar que
os EUA concorre com 95% dos filiados mundiais. Mantém uma filiação com o
Congresso Judaico Mundial (CJM).
A B´nai B´rith foi
criada em 1843 por Henry Jones e outros 11 imigrantes alemães que se reuniam
no Sinsheimer´s Café em Nova Iorque para lutar contra o que
Isaac Rosenbourg, um dos fundadores, chamou de “a deplorável condição dos
judeus neste país, nosso novo país adotivo”.
A primeira ação concreta da nova
organização foi a criação de um seguro para ajudar nas despesas de funerais de
seus membros viúvos com US$ 30. Cada criança receberia ainda um estipêndio e
para os meninos seria ensinado uma atividade comercial.
Foi assim que sobre esta base
humanitária e de serviços que se erigiu o sistema de lojas fraternais e
capítulos nos EUA e posteriormente em todo o mundo habitado por judeus.
O crescimento da organização na
comunidade judaica apresentou os seguintes itens, incluindo ajuda em respostas
a desastres:
- Em 1851, um Covenant Hall foi
erigido em Nova Iorque como o primeiro centro da comunidade judaica;
- Um ano depois foi estabelecido a Maimonides
Library, a primeira biblioteca pública judaica nos EUA;
- Imediatamente após a Guerra Civil – quando judeus de
ambos os lados do conflito ficaram sem teto – criou-se o mais moderno
orfanato do seu tempo: o Cleveland Jewish Orphan Home;
- Em 1868, quando uma inundação devastou Baltimore, a
BB respondeu com uma campanha amenizar o desastre. Este ato precedeu em 13
anos a fundação da Cruz Vermelha Norte-americana;
- Neste mesmo ano a BB patrocinou o primeiro projeto
filantrópico fora dos EUA, enviando US$ 4.522 para ajudar as vítimas de
epidemia de cólera na Palestina.
A partir de 1920 a BB se tornou
uma dos mais poderosos lobbies da comunidade judaica nos EUA,
influenciando a política, tanto interna quanto internacional.
A expansão internacional da BB
deu-se em 1875, estabelecendo-se uma loja em Toronto, no Canadá, e logo em
seguida uma outra em Montreal, como também a de Berlim, que Freud irá
frequentar como veremos mais adiante, em 1882. A proliferação de novas lojas
seria crescente: Cairo (1887), Jerusalém (1888), treze anos antes de Theodor
Herzl reunir o Primeiro Congresso Sionista em Basileia na Suíça.5 A Loja de Jerusalém
tornou-se a primeira a funcionar em hebraico, visto que todas as outras falavam
ídiche (WILHELM, 2011).
Em 1886 foi lançada a Revista da
BB (B’nai B’rith Magazine), a mais antiga publicação contínua periódica
nos EUA.
Com a imigração em massa de judeus
da Europa Oriental para os EUA em 1881 (DINER, 2004) a BB patrocinou a
americanização das classes, escolas de comércio e programas de assistência
social. Em 1897 a BB formou um capítulo para mulheres em São Francisco.
Tornou-se posteriormente o BB Women, que em 1988 se transformou
numa organização independente: a Internacional da Mulher Judaica – Jewish
Women International (WILHELM, 2011).
Para responder ao Progrom
Kishinev, o Presidente Theodore Roosevelt (maçom) reuniu-se com o comitê
executivo da BB em Washington. O então presidente da BB – Simon Wolf –
apresentou uma moção para ser enviada ao governo russo protestando pela
leniência do mesmo em não combater o massacre. Roosevelt prontamente concordou
em apoiar a moção e as lojas BB começaram a colher assinaturas de apoio.
Nos anos 20 a BB lançou a Anti-Defamation
League (ADL) também um dos maiores lobbies judaicos
nos EUA.
Ainda em 1920 os membros europeus
tiveram um grande crescimento – 17.500 – quase a metade dos EUA e na década
seguinte assistiu-se à formação da loja de Xangai, fato que representou a sua
entrada no Extremo Oriente. Esta expansão internacional coincidiu com o
surgimento do nazismo. No começo da era nazista, havia seis distritos da BB na
Europa. Com a guerra os nazistas tomaram todas as propriedades no continente
europeu, dissolvendo a BB e somente em 1960 ressuscitou em Viena com a Loja
Zwi-PeretzChage (FOURTON, 2012).
No pós-guerra, a BB foi refundada
na Europa em 1948. Membros das lojas de Basileia e Zurique e representantes das
lojas na França e na Holanda, sobreviventes do Holocausto, compareceram a esta
reunião inaugural. Em 2000, o distrito da nova BB europeia fundiu-se com o
distrito do Reino Unido, formando assim a consolidada BB Europa com ativo
envolvimento em todas as instituições da União Europeia. Em 2005 a BB Europa já
possuía lojas em mais de 20 países, incluindo os países orientais da ex-Europa
comunista.
Ainda em 1947 a BB participou
ativamente da reconstrução do pós-guerra europeu e ajudou a formação do Estado
de Israel na Palestina. Esteve presente também na fundação das Nações Unidas em
São Francisco, com um papel ativo na ONU desde então. À partir de 1947, a
organização conseguiu o status de ONG junto às Nações Unidas. Além da ONU, a BB
participa ativamente, no combate ao antissemitismo, nos EUA, do Departamento de
Estado e do Congresso, e na Europa, da OCDE. Na Íbero-américa, foi o primeiro grupo
judeu a obter o status de sociedade civil na Organização dos Estados Americanos
(OEA). Seu papel cresceu muito por causa do fluxo de judeus refugiados durante
o nazismo na Europa.
A BB chegou ao Brasil no ano de
1931, mas foi banida durante a vigência da ditadura do Estado Novo (1937-1945).
Voltou às atividades com a redemocratização e se tornou um distrito
independente em 1969. Desde então tem contribuído com a criação e o
aperfeiçoamento de leis nacionais contra o racismo. Desta filosofia decorre a
série de programas de relações sociais entre judeus e não judeus, o incentivo
permanente à fraternidade, ao diálogo inter-religioso, a educação democrática e
ao trabalho social, viabilizando parcerias com outros setores da sociedade.
A B’nai B’rith mantem lojas nos estados de São Paulo, Rio de
Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.
Freud na B´nai B´rith
As informações a seguir foram
retiradas do livro de Jean Fourton (2012), de Carl E. Schorske (1989) e de
Jacob Katz (1970).
Convém antes salientar que Freud
não participou da Maçonaria convencional e sim da B’nai B´rith, a
Maçonaria que aceita somente judeus, conforme descrito no item acima. Katz ao
falar sobre a fundação da primeira loja BB na Alemanha afirma que “os
fundadores eram todos maçons, presumivelmente pertencentes ao Royal
York, que tinham renunciado das lojas cuja manifestação de antissemitismo
eles consideravam intoleráveis (KATZ, 1970, p. 164). Convém salientar que no
século XIX, na Europa, várias lojas maçônicas convencionais proibiam a entrada
de judeus. Nesse ponto discriminatório existe uma leve semelhança com as
lojas Prince Hall (CARVALHO, 1999).
Alguns pontos relevantes na vida
de Freud no eixo temporal para melhor contextualizá-lo em relação à sua
Loja e seu laborioso trabalho na mesma (FOURTON, 2012):
- 1856: nascimento de Sigismund Schlomo Freud em
Freiburg, hoje Pribor, na Morávia;
- 1860: a família de Freud se instala em Viena;
- 1874: entra na Faculdade de Medicina;
- 1881: formatura;
- 1885: estágio com Charcot em Paris para estudar a
histeria;
- 1886: monta consultório em Viena e se casa com
Martha Bernays;
- 1892: publicação sobre a hipnose que ele pratica
durante 5 anos e adota o método da livre associação de ideias;
- 1895 publica com Breuer “Os Estudos sobre a
Histeria” e nascimento do quarto filha: Ana Freud;
- 1897: no dia 29 de setembro é iniciado na Loja
Viena da B’nai B’rith. Sua loja se reunia duas terças-feiras
por mês. Apresenta em Loja sua prancha sobre “O Sonho e sua
Interpretação”;
- 1900: publicação da Interpretação dos
Sonhos. Em março, intervém na sua Loja (ata desaparecida). Em 27 de
abril, trata em Loja do texto de Zola: Fecundidade;
- 1901: publicação da Psicopatologia da Vida
Cotidiana e O Sonho e sua Interpretação. Intervem na
sua Loja com o tema: Finalidades e Meios da Ordem da B’nai B’rith;
- 1902: apresenta três pranchas na Loja: Psicologia
da Administração da Justiça, O Problema Hamlet e
a Situação da Mulher no Quadro de nossa Vida em Loja;
- 1903: prancha: Acaso e Superstição;
- 1904: prancha sobre Hamurabi;
- 1907: novamente prancha sobre A Psicologia
a Serviço da Justiça e Acaso e Superstição;
- 1911: prancha sobre o Caso Hamlet e O
que é a Psicanálise;
- 1912: prancha sobre Totem e Tabu;
- 1913: publicação de Totem e Tabu e
ruptura com Jung;
- 1915: pranchas: Por que a Guerra?, Art
e Fantasia e Nós e a Morte;
- 1916: prancha: A Revolta dos Anjos, a
partir da obra de Anatole France;
- 1917: prancha: Arte e Fantasia na
obra de Anatole France e Emile Zola. Segundo seu colega de Escola e
secretário da Loja – W. Knöpmacher, Freud por razões de saúde e
dificuldade de alocução, não tomará mais a palavra em Loja a partir deste
ano. Continuará, contudo, a escrever, pesquisar, consultar e publicar;
- 1926: sua Loja e outras da região reúnem mais de
500 pessoas para celebrar seu aniversário de 70 anos. Não compareceu por
motivo de doença;
- 1931: celebração de 75º. Aniversário em Loja;
- 1933: seus livros são queimados em praça pública
pelos nazistas;
- 1936: celebração em Loja de seu 80º. Aniversário.
Em 22 de abril a Loja Harmonia comemora seu aniversário por ser também um
de seus fundadores. No dia 16 de maio o Grão-Mestre Braun da BB apresenta
uma prancha em Loja sobre Freud;
- 1937: em setembro, sua Loja comemora o 40º.
aniversário de sua iniciação;
- 1938: Anschluss em abril e sua fuga urgente de
Viena em junho para se instalar em Londres;
- 1939: publicação de Moisés e o Monoteísmo.
Em 23 de setembro, sua morte; seu Ir. Stefan Zweig da BB faz o elogia
fúnebre.
Pelo seu valor histórico gostaria
de reproduzir a seguir, em tradução livre, uma carta de Freud sobre a Maçonaria
BB, ainda que um pouco longa, demonstra o contexto da época (Ibidem):
Venerável Mestre Presidente,
Veneráveis Mestres, caros Irmãos,
Estou profundamente agradecido
pela homenagem que vocês me prestam hoje! Vocês sabem por que não posso
responder de viva voz. Vocês a ouvirão de um de meus alunos e amigo, vocês
falam de meus trabalhos científicos, mas possuir um julgamento sobre tal
assunto é algo difícil e não deveria ser possível provavelmente dentro de certo
tempo falar sobre isso com alguma propriedade. Permitam-me acrescentar algumas
palavras ao discurso do orador que é também meu amigo e meu médico vigilante.
Gostaria de dizer algumas palavras como me tornei membro da BB e o que busco
entre vocês.
Sei que nos anos que se
seguiram a 1895, duas fortes impressões concorreram para produzir em mim os
mesmos efeitos. Adquiri, de uma parte, as primeiras impressões sobre as
profundezas da vida pulsional do homem, compreendi bem as coisas que poderiam
desiludir, e mesmo assustar e, de outra parte, a comunicação de minhas
descobertas desagradáveis, que resultaram na perda, nesta época, de minhas
relações pessoais; sentia-me uma espécie de fora-da-lei, rejeitado por todos.
Este isolamento fez nascer em mim o desejo ardente de descobrir um círculo de
homens escolhidos, de espírito elevado e que fariam bem em me acolher com
amizade, a despeito de minha temeridade. Avisaram-me que sua associação seria o
lugar onde poderia encontrar tais homens.
O fato de vocês serem judeus
muito me agrada visto que eu mesmo o sou, e negá-lo me parece não somente
indigno, mas ainda francamente tolo. O que me liga ao Judaísmo não é a fé –
devo confessar – nem mesmo o orgulho nacional visto que sempre tenho sido um
incréu, pois fui criado sem religião, mas não sem o respeito daquilo que
apelidamos de exigências “éticas” da civilização humana. Cada vez que eu
experimento sentimentos de exaltação nacional, sou solicitado a repelir como
sendo funestos e injustos, advertido e assustado pelo exemplo dos povos entre
os quais nós vivemos, nós judeus. Mas permanece tantas coisas capazes de tornar
irresistível a atração do judaísmo e dos judeus, muitas das obscuras forças
emocionais – ainda mais potentes quanto menos se podem exprimi-las por palavras
– ainda que a clara consciência de uma identidade interior, o mistério de uma
mesma construção psíquica. A isto se liga ainda um outro fato: entendo que se
deve somente à minha natureza de judeu as duas qualidades que me foram
indispensáveis na minha difícil existência. Pelo fato de ser judeu fui liberado
dos preconceitos que limitam aos outros o emprego de sua inteligência; como
judeu, estou pronto a passar à oposição e a renunciar a me juntar à “compacta
maioria”.
É assim que eu me tornei um de
vocês, pois comungo os interesses humanitários e nacionais, ligando-me a alguns
de vocês e persuadido por alguns amigos (Dr. Hitschmann e Dr. Rie) a entrar na
nossa Associação. Nunca me foi insinuado que deveria convencê-los de minhas
novas teses, mas numa época onde ninguém na Europa me queria escutar e quando
não tinha um único aluno em Viena, vocês me proporcionaram uma atenção
benevolente. Vocês foram meu primeiro auditório.
Durante ao redor de dois
terços do longo período que transcorreu depois de minha entrada, mantive-me
escrupulosamente ao lado de vocês, encontrando nos meus contatos convosco,
conforto e estímulo. Vocês foram hoje muito amáveis por não me reprovar por ter
me afastado durante o último terço deste período. Neste momento fui submergido
pelo trabalho e as questões que me foram exigidas reclamavam um lugar de
destaque e não me permitiram assistir às nossas reuniões; neste período também
meu corpo exigia cuidados especiais como também foram os anos de minha doença
que ainda me impede de me encontrar com vocês.
Seria eu neste sentido um
verdadeiro Irmão? Duvido um pouco, apesar de haver muitas condições especiais
no meu caso. Posso certificar contudo que durante os anos que convivemos, vocês
jogaram um papel crucial na minha vida e muito fizeram por mim. Por todos estes
anos e ainda pela hora presente, rogo que aceitem, meus agradecimentos mais
calorosos.
Com meus melhores pensamentos,
minha fraternal amizade e em plena comunhão com vocês.
Seu Sigmund Freud
Conclusão
Antes de terminar este brevíssimo
artigo gostaria de salientar a relação Einstein-Freud. Albert Einstein
declarou, após alguma prevenção, que a psicanálise é a mais importante
descoberta ao serviço do humano. Segundo os arquivos da obediência, ambos eram
maçons membros da BB.
Autor: William Almeida de
Carvalho
William Almeida de Carvalho é
sociólogo, historiador, jornalista e empresário. Doutor em Ciência Política
pela Panthé-on-Sorbonne, é membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF,
foi Secretário de Estado do Distrito Federal e subchefe do Gabinete Civil da
Presidência da República.
Fonte: Revista Ciência &
Maçonaria
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