Por Rui Bandeira
A interrupção dos trabalhos presenciais em
resultado da pandemia constituiu, obviamente, um apreciável transtorno para a
Loja. Interrompeu-se a programação do ano, bem como o contato presencial entre
os obreiros da Loja. Ao fim de algum tempo, passou-se a utilizar os meios
técnicos disponíveis para passar a reunir em videoconferência, nas mesmas
noites em que normalmente haveria sessões de Loja. Foi o remédio possível, mas
rapidamente se verificou que… não é a mesma coisa! Nem poderia ser, claro.
Inicialmente, nas duas ou três primeiras
videoconferências, ainda houve a alegria do reencontro, ainda que por meios
virtuais. Mas depois começou a ouvir-se o lamento, de cada vez mais de nós até
ser evidente haver unanimidade nesse sentimento, de que… falta o ritual! E
falta, efetivamente.
Mas em quase todas as situações podemos
escolher ver o copo meio vazio ou olhar para o copo meio cheio. O copo está
meio vazio, porque falta o ritual. Mas, por outro lado, afinal o copo está meio
cheio, porque nos demos conta de que falta o ritual!
Efetivamente, antes da pandemia (e
subjetivamente este “antes da pandemia” começa a parecer-nos algo como “no
século passado”…) quantos de nós REALMENTE tínhamos a noção da importância do
ritual? Cada um que confesse a si próprio: é ou não verdade que, antes da
pandemia, ao menos uma vez, em momento de maior cansaço ou num assomo de
aborrecimento, se pensou que a repetição uma e outra vez do ritual era, afinal,
uma perda de tempo e que mais valia tratar-se do que se tinha a tratar,
debater-se o que se tinha a debater, decidir o que se tinha a decidir sem se
“perder tempo” com a repetição de um ritual já conhecido? E não terá porventura
havido alguma vez em que o ritual de encerramento foi “despachado” em alta
velocidade porque já era tarde e o ágape esperava?
Pois
bem, agora vimos, agora sentimos, que o ritual nos faz falta. Que a repetição
daquelas frases, por alguns já centenas de vezes ouvidas, nos conforta, que a
audição desse diálogo nos sintoniza, que os princípios, os lemas, os
símbolos dele constantes nos relembram
as condutas que devemos seguir, as melhorias que nos esforçamos por fazer, o
sentido da vida que buscamos.
Se
algo de bom para a Loja resultou da paragem em resultado da pandemia, foi isto
mesmo: lembrou-nos como o ritual é importante, como nos faz falta, como integra
a essência de ser maçom.
Assim,
enquanto nos mantemos nesta “apagada e vil tristeza” de nos irmos vendo (alguns
de nós, que a outros as videoconferências nada dizem) bimensalmente por videoconferência,
comecemos, cada um de nós de si para si e todos em conjunto, a preparar o
regresso à Luz das nossas reuniões presenciais e ao reencontro com o ritual.
Porque
– não nos enganemos – há que preparar esse regresso e nos prepararmos para esse
regresso, pois este interregno deixou marcas, fez-nos perder o hábito de “ir à
Loja”, potenciou a nossa preguiça (e venha de lá o mais pintado dizer que
preguiça é coisa que não sente e nunca sentiu, que eu logo fraternalmente terei
de o apodar de Irmão mentiroso… Um dos vícios para que cavamos masmorras é a
preguiça…). Pelo que, quando regressarem as reuniões presenciais, haverá que
sacudir todos e cada um de nós para desalojar a instalada rotina de “não ir à
Loja” e motivar todos para comparecer… até porque vai haver ritual!
Na
minha ótica, três ações serão necessárias, quiçá indispensáveis.
1)
Nas duas ou três primeiras sessões, fazer um trabalho mais pronunciado
de divulgação e de motivação de todos a comparecer. No limite, organizar que
cada um da metade mais assídua tenha a tarefa de contactar, motivar e tentar,
por todos os meios exceto a força física, que os menos assíduos agora venham.
Não só porque vai haver ritual, mas afinal porque vai haver um RECOMEÇO, um
novo ciclo, a organização e funcionamento de uma nova Loja pós-pandemia (quer
nós estejamos cientes disso ou não, este interregno pandémico é um corte, uma
separação, entre a Loja de antes e a Loja de depois, que será o que nós
quisermos, pudermos e conseguirmos fazer dela. Então, os menos assíduos, os
menos interessados, os mais ocupados com trabalho, família e tudo o resto que
normalmente se atravessa à frente da “ida à Loja”, que melhor oportunidade têm
de contribuir para uma Loja mais à medida do seu interesse, das suas
necessidades, do que aproveitar o RECOMEÇO e a folha em branco que ele
transporta para escrever nela o que mais lhe interessa, para ajudar a fazer da
Loja o que eles sentem que falta? A Loja pós-pandemia far-se-á com todos, os
que antes vinham mais e os que antes vinham menos (ou não vinham de todo…), que
agora podem ajudar a refazer a Loja mais a seu gosto!
2)
A segunda necessidade a satisfazer é… RITUAL, RITUAL, RITUAL. Se
sentimos que o ritual nos está fazendo falta, vamos matar a fome dele!
Deveremos dar prioridade, nos primeiros tempos, à execução ritual e, sobretudo,
à execução de vários rituais, designadamente o de Iniciação, o de Passagem e o
de Elevação. Exceto os dinossauros da Loja (eu e mais um ou dois),
miraculosamente ainda não extintos, os elementos do Quadro da Loja podem
porventura ter ouvido falar, mas não tiveram experiência dos primórdios dela. E
os primórdios dela resume-se a uma palavra triplamente dita: ritual, ritual,
ritual. Durante mais de um ano, por imposição do Grão-Mestre Fundador, era a
nossa Loja e só a nossa Loja que fazia Iniciações, Passagens e Elevações. No
fim desse tempo estávamos exaustos, já deitávamos ritual pelos olhos fora, mas
foi com esse trabalho que forjámos a argamassa que constituiu a coesão da Loja
e que nos ajudou, ao longo de três décadas, a superar crises e adversidades. A
Loja pós-pandemia vai recriar a sua coesão e a execução ritual vai certamente
ter um papel nisso. Mas não esqueçamos que para fazer um ritual de Iniciação
temos de ter candidatos já inquiridos e admitidos pela Loja à Iniciação.
Aproveite-se o tempo de pausa para ultimar as inquirições de quem está nos
passos perdidos, de forma a votarmos a sua admissão à Iniciação na primeira
sessão presencial de Loja. Para fazer Passagens, temos que ter Aprendizes com o
interstício cumprido e as respetivas pranchas lidas. Haverá que verificar se
estão reunidas as condições de Passagem também logo na primeira sessão
presencial, para programar a Passagem de quem pode fazê-lo logo nas sessões
seguintes e assegurar o cumprimento dessas condições aos que ainda as não
reunirem, para serem passados logo depois, numa fase subsequente tão rápida
quanto possível. E o mesmo quanto às Elevações.
3)
Finalmente, a terceira necessidade a satisfazer é cíclica na nossa Loja:
estabelecer qual o nosso projeto nos tempos mais próximos, que iniciativas
vamos assegurar, em que é que nos podemos distinguir das demais Lojas.
Para satisfazer esta necessidade vai ser
necessário apresentar ideias, formular projetos, debater prioridades. Este é,
por exemplo, um dos pontos que porventura permitirá que os mais desinteressados
se voltem realmente a interessar. Mas não tenho ilusões. O passado mostra-nos
que este não é um processo fácil, nem rápido, nem sequer particularmente
eficiente. Ter ideias, apresentá-las, defendê-las, harmonizar com as sugestões
dos demais, estabelecer pontos de entendimento e planos de ação nunca foi, não
é e não será nunca fácil. Mas se há algo que os trinta anos da nossa Loja
mostram é que este processo, quantas vezes anárquico ou demorado, acaba sempre
por, cedo ou tarde, dar resultados positivos. Às vezes de forma não esperada,
às vezes sem decisão formal da Loja, mas por avanço de dois ou três a que
outros se juntam e acaba por se estar perante um projeto da Loja. Pouco
importa. A seu tempo, algo se fará. E
cada coisa que se faça é mais um elemento fortalecedor da Loja e da sua coesão.
Nem sempre poderemos avançar rápido. Teremos porventura de fazer pausas, de
reordenar prioridades. Mas algo se fará. E muito mais se discutirá e projetará
e fará mais à frente.
E verificaremos que, compreendendo que o
ritual é importante e dando-lhe a importância que lhe é devida, ele não é tudo.
Na Loja, como na vida, o equilíbrio é fundamental e o caminho faz-se
caminhando. A Loja pós-pandemia vai necessariamente ser diferente da Loja de
antes, mas a essência do que nós somos, essa, vai permanecer. Esta é a Loja
Mestre Affonso Domingues!
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