Escrito
por Luis Fonseca
Para podermos
responder a esta questão convém explicitar que todos os movimentos esotéricos
tradicionais do ocidente se dividem em três grandes grupos que individualmente
se focam às funções que lhes cabem. Esses três núcleos ou patamares iniciáticos
são: a escola, o teatro e o culto.
Entenda-se que a
escola, é a imagem das escolas de ensino que conhecemos, onde as crianças,
jovens e adultos estudam as matérias necessárias ao bom exercício das suas
futuras profissões. A sua estrutura é formada por professores e alunos, cabendo
a uns ensinar e a outros aprender. Contudo, sempre existiram e existirão, maus
professores e alunos; isto é: professores que se formaram em fracas escolas,
sem pedagogia e com falta de capacidade de expressão para veicular o que lhes
foi transmitido. De modo idêntico, é fácil reconhecer um mau aluno devido à
preguiça ou à altivez que demonstra. Numa escola existe, quer se goste ou não,
uma hierarquia que deve ser respeitada e entendida. Um filho não é um pai, um
aluno não é um professor, um neófito não é um mestre.
Assim, à escola,
compete ensinar um determinado corpus tradicional, de acordo às regras
iniciáticas e à tradição oral e escrita, que primariamente concede aos que
verdadeiramente a frequentam: a capacidade de distinção do verdadeiro e falso
no conjunto tradicional iniciático, a capacidade de criar saudáveis raízes
dentro da matéria estudada, a capacidade de compreender a ciência (reforça-se a
palavra ciência) iniciática, sua função e desígnio.
Ao teatro compete o
exercício prático do conjunto de práticas rituais que, através da repetição,
concedem aos seus actores os meios que permitem aprofundar o estudo escolar e
que se traduzem numa aproximação progressiva; individual e colectiva (conforme
as práticas rituais), de uma das finalidades da iniciação: a realização
consciente do papel individual que cada um representa no mundo. Podemos afirmar
que o teatro iniciático aborda os temas fundamentais da humanidade,
transmitidos desde sempre pelos grandes mitos que nos acompanham. Através
deles, cada um poderá viver os mitos e compreende-los psicodramáticamente.
Por fim, ao culto,
cabe honrar o Criador e a criação. Podemos afirmar que este nível corresponde
ao pináculo da iniciação. Aludiremos adiante acerca deste tema.
Para que
compreendamos o já dito, deixaremos um simples exemplo que sinteticamente
permitirá a sua rápida compreensão.
Exemplo 1:
Imaginemos alguém
que um dia acorda, após uma noite tranquila, e assolado por um conjunto de
imagens oníricas (ou outras) decide dar um novo rumo à sua vida. Imaginemos que
tal ser exercia até esse momento um determinado ofício; por exemplo:
carpinteiro, engenheiro ou advogado. Tal ser, ao acordar, decide ser médico!
Assim, compra uma bata branca, vai para um hospital e começa a tratar
doentes!!! Troquemos a sua nova profissão (oniricamente gerada) por outra, como
arquitecto!!! Perante este exemplo questionai-vos se gostaríeis de ser tratados
por tal médico, ou mesmo se (cabendo-vos essa função) adjudicaríeis um projecto
a tal arquitecto. Claro que não! Sabeis, por experiência que para exercer um
ofício, é necessário tê-lo aprendido: primeiro na escola, depois nos estágios e
por fim diariamente. Daí se apelidar profissão ao exercício de funções que cada
profissional professa.
Posto isto, será
mais simples entender o que é o Martinismo, assim como qualquer outra Ordem ou
via iniciática. Podemos agora afirmar que o Martinismo é uma escola de
mistérios, que: através da sua própria teosofia ou conjunto doutrinal, e pelo
exercício de práticas rituais (colectivas e individuais realizadas em oratório)
visa realizar o ser humano na descoberta de si mesmo e do que o transcende
tendo como finalidade fazer com que o “Homem entre no coração de Deus” a fim de
trabalhar no Seu santuário. Embora não seja uma religião, o Martinismo agrega
um conjunto de Servidores Desconhecidos (homens e mulheres que se comprometeram
com o serviço ao Altíssimo) que espalhados por toda a terra cumprem a sua
função.
Assim, dizer que o
Martinismo é uma Ordem, poderá ser um contra-senso. O Martinismo está onde
estiver um Martinista que tenha concluído a sua iniciação (que tenha realizado
os três patamares iniciáticos que a ordem propõe: Associado, Iniciado e S.I.).
Podemos dizer que as Ordens surgem pela necessidade de agregar estudantes
devotados ao estudo de um mesma área tradicional, de os acompanhar e de
comprovadamente os aferir por graus de estudo e teatro. O culto, esse, fará
parte do que se apelida segundo Templo Martinista. Sobre este, novamente,
aludiremos adiante.
Dado que a Ordem
usa especificamente o sistema simbólico Judaico/Cristão como apoio e veículo
dos estudos, faz sentido estar somente aberta a cristãos: aqueles que
reconhecendo a mensagem da hipóstase divina – Cristo – e tendo sido
sacramentalmente recebidos numa comunidade cristã praticam (ou tentam praticar)
na sua vida o exemplo deixado a todos nós pelo Mestre. É por isso estudada e
explicada a figura de Yeshoua (juajh), o seu sentido literal, mitológico,
místico e espiritual; ou seja o significado Real do Redentor da humanidade,
Cristo e Jesus, nosso Mestre, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Esta
mensagem, mal compreendida e dogmatizada através dos séculos, aparece como uma
mensagem clara e pura após a explicação aprofundada dos mistérios da Queda
(expulsão do paraíso primordial) de Adão passando por Abel, Enoque, Noé,
Zarobabel, Moisés, Abraão etc. em linha até Jesus Cristo, Adão resgatado, que
veio para nos reabrir a portas que conduzem ao Paraíso Primordial, conforme nos
diz Ele no Evangelho: “Eu sou o caminho a verdade e da vida, ninguém
vai ao pai senão por Mim”João 14:6.
A realização
Martinista e a compreensão da função individual de um S.I. (do francês: SuperieurInconnue –
superior no sentido espiritual de estar acima do mundano e também no sentido
iniciático enquanto instrutor da Ordem) se cumpre finalmente no culto.
Recordemos as palavras do Mestre relativas ao mesmo.
“Quando
orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas
e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos
digo: já receberam sua recompensa.
Quando
orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu
Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á.
Nas vossas
orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que
serão ouvidos à força de palavras.”Mateus 6:5-7
A Iniciação
Martinista cuja essência se encontra bem descrita no culto primitivo
aperfeiçionado por Cristo, visa segundo as palavras do Filósofo Desconhecido
(Louis Claude de Saint Martin)
“A única
iniciação que prego e que procuro com todo o ardor da minha alma é aquela que
nos permite entrar no coração de Deus e fazer o coração de Deus entrar em nós
para aí fazer um casamento indissolúvel, transformando-nos no amigo, irmão e
esposa do Divino Reparador. Não existe outro mistério para se chegar a essa
santa iniciação a não ser este: penetrar cada vez mais nas profundezas do nosso
ser até aflorar a viva e vivificante raiz; porque, então, todos os frutos que
devemos portar, segundo a nossa espécie, se produzirão naturalmente em nós e
fora de nós, como aqueles que vemos nascer nas árvores terrestres; porque são
aderentes à sua raiz e não cessam de sugar O seu sumo”.
Da queda de Adão à
primeira reintegração no seio da divindade, de Cristo, o Martinismo visa
recordar ao ser caído que existe uma forma de reactivar a comunhão primordial,
com todos os seus direitos e poderes, dando-lhe as ferramentas necessárias para
a árdua tarefa, nomeadamente através do estudo profundo do “Tratado da
Reintegração dos Seres Criados, Nas Suas Primitivas Propriedades, Virtudes e
Poderes Espirituais e Divinos” de Martinez de Pasqually e
das práticas internas e exercícios prescritos aos Martinistas. Como Escola
viva, o Martinismo segue o passar dos tempos adequando o estudo das matérias à
condição mental que se vive em cada época. Como teatro, usa da simplicidade
descrita pelo Mestre (já citada), servindo o culto como meio para a conquista
da Montanha, também descrita como Jerusalém Celeste, morada dos Eleitos do Pai,
que através da sua ressurreição espiritual nela encontram a sua morada final, o
seu destino de Luz, a sua Itica, ilha dos Heróis ou Avalon.
Por Sâr Christophorus S:::I:::
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