“Moisés
orou pelo povo e o Senhor disse-lhe: Faz uma serpente de bronze e põe-na no
meio do povo como sinal. E aquele que, sendo ferido, olhar para ela,
viverá.”Números, 21;11
A serpente de bronze
O que foi esse curioso remédio que Moisés
aplicou ao seu famélico e perdido povo, quando este começou a ser atacado pelas
serpentes no deserto? A Bíblia diz que os israelitas estavam impacientes com a
longa e penosa jornada pelo deserto e começaram a reclamar. “ E o povo falou
contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito, para
morrermos no deserto? pois aqui não há pão e não há água: e a nossa alma tem
fastio deste miserável pão.”(Números, 21:5)
Consta que Jeová não gostou nada dessas
reclamações e castigou os rebeldes israelitas mandando contra eles uma praga de
serpentes cujas picadas ardiam feito brasa. E muitos morreram em consequência
disso.
Então foram pedir a Moisés que os livrasse
dessa praga, reconhecendo que as tais serpentes tinham sido um castigo pela
rebeldia que haviam mostrado contra os desígnios do Grande Arquiteto do
Universo. .
“Então disse o Senhor a Moisés: Fazei uma
serpente de bronze, e colocai-a sobre uma haste; assim, todo aquele que for
mordido, ao olhar para ela viverá. Fez, pois, Moisés uma serpente de bronze, e
pendurou-a em uma haste; e sucedia que, tendo uma serpente mordido a alguém,
quando esse olhava para a serpente de bronze, vivia.”(Números, 21:6,7)
Evidentemente não passa pela cabeça de
ninguém, pelo menos se esse alguém tiver um mínimo de discernimento, que essa
passagem bíblica possa estar se referindo a algum fato verídico que se passou
tal qual se descreve na Bíblia. Se assim fosse ele estaria em clara contradição
com um dos mais claros preceitos do próprio Grande Arquiteto do Universo, que
proibiu taxativamente que seus escolhidos fizessem, ou cultuassem imagens de
quaisquer coisas vivas sobre a terra, sendo esse, a idolatria, um pecado
capital punido com a mais horrível morte, ou seja, a lapidação. Por que então,
o próprio Senhor, que se mostrava tão severo em relação á idolatria, não
admitindo sequer um pensamento de infidelidade a esse respeito, iria recomendar
um remédio tão idólatra para o seu povo? Também é difícil imaginar que a picada
de uma serpente terrivelmente peçonhenta como são as terríveis chifrudas e as
najas que infestam os desertos do Oriente Médio pudessem ser curadas com um
recurso tão xamânico como esse preconizado pelo cronista bíblico.
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O Thau
A
Serpente de Bronze é claramente uma metáfora. Ela é o símbolo que representa o
Thau, o seja, o emblema da “mudança de estrutura”, a troca de um estado por
outro, o abandono de uma crença e a adoção de outra, ação essa fundamentalmente
necessária para mudarmos uma situação que nos incomoda, por outra que poderá
nos deixar mais felizes.
Na natureza, a principal representante desse
simbolismo são as cobras. A certa altura de suas existências elas abandonam
suas velhas peles, trocando-as por novas. É a renovação da vida que assim se
processa. Assim, o que Deus quis dizer a Moisés, mandando que ele fizesse uma
serpente de bronze e a colocasse num pedestal para que o povo pudesse olhar
para ela e se curar do veneno das “serpentes ardentes” era simplesmente um comando para que os
israelitas mudassem suas crenças. Pois se os israelitas continuarem acreditando
nos deuses egípcios, sacrificando ao seus ídolos, iriam todos morrer naquele deserto.
Esse
simbolismo assume um sentido mais claro quando se sabe o que significa o ícone
da cobra enroscada numa haste, que se tornou o símbolo da medicina e da
sabedoria hermética que releva a modificação espiritual do recipiendário,
obtida pela iniciação. Esse símbolo é conhecido pela letra hebraica Thau. Ela é
a última letra do alfabeto hebraico (ת), e no nosso alfabeto corresponde ao T.
Por assimilação visual dá-se a essa letra o significado de cruz, embora na
língua hebraica ela esteja conectada mais com o sentido da audição, ou seja,
significa ouvir.
Desde
os tempos mais antigos essa letra (ת) tem, para o povo de Israel, uma conotação
de marca, sinal, ou seja, ela é um símbolo que significa “assinalar”. Foi com
um Tau que Deus mandou marcar as portas das casas israelitas na noite em que
Abbadon, o Anjo da Morte, passou pelo Egito e matou os primogênitos das
famílias egípcias, como castigo pela teimosia do faraó em não querer libertar
os filhos de Israel. (Êxodo 12:20).
Essa
simbologia era usada também pelos egípcios, onde a serpente era um símbolo da
força regenerativa e do poder transcendental atribuído aos faraós. Nesse
sentido, ela era representada pela Uraeus, a serpente cósmica que simbolizava
os ciclos da natureza em sua eterna repetição. Por isso a Uraeus, a cobra que
engolia o próprio rabo, era um dos símbolos representativos das casas reais,
que os usavam para representar a eternidade do Egito como Estado e das suas
próprias dinastias como perenes. A Uraeus era sempre colocada na mitra do
faraó, como marca representativa da sua realeza e do seu poder..
O
próprio Rio Nilo, aliás, era visto como uma serpente que fertilizava e dava
vida ao país. Por isso, nos rituais de sagração dos reis egípcios, os chamados
festivais Sed, era costume a realização de rituais em que os leprosos, sinal de
degeneração física e espiritual, eram curados pelo toque do cajado mágico do
faraó, o rei-sacerdote, promovendo a regeneração da pessoa afetada. Uma dessas
cenas de cura pelo cajado mágico do faraó encontra-se reproduzida na tumba de
Kheruef, a camareira da rainha Tiye, esposa de Amenhotep III, pai do faraó
Akhenaton.
A Marca
de Cain
Por outro lado, uma tradição cabalística
sugere que a marca posta na testa de Cain, também foi uma cruz em forma de
Thau. O quer dizer que a Marca de Cain, tão comentada em prosa, verso e
romance, não é uma “marca de maldade”, mas sim, a marca de Deus, posta sobre a
cabeça da humanidade, em forma de conhecimento, ciência, capacidade
especulativa, livre arbítrio e liberdade de pensamento, pois essa tradição
ensina que foram os descendentes de Cain (Jubal, Jabel e Tubal-Cain) que
trouxeram as ciências para o seio da humanidade. (Gênesis, 4;17).
É que nessa tradição, a aquisição do
conhecimento, das ciências profanas, sempre foi visto como sendo um pecado, uma
rebelião do homem contra Deus, rebelião essa patrocinada pelo anjo rebelde
Lúcifer. Essa visão está patente, por exemplo, nas profecias de Ezequiel onde o
profeta diz: “Passa pela cidade, por Jerusalém, e marca com um THAU a fronte
dos homens que gemem e choram por todas as práticas abomináveis que se
cometem”(Ezequiel 9, 1-7). Nessa homilia, o profeta vituperava as autoridades
civis e religiosas de Israel, que segundo ele, adotaram uma falsa sabedoria e
haviam se esquecido dos preceitos dados por Jeová. E aqueles que fossem
marcados com o Thau eram os “limpos e puros” que deviam escapar do castigo de
Deus.
O
significada da lenda
Essa tradição também é cultivada na Maçonaria
através da Lenda das Colunas de Bronze. Para os hermetistas, o Thau, ou seja, a
serpente enroscada numa vara, era conhecido como o Cajado de Hermes, o símbolo
da regeneração. Hermes era o deus das mutações, por isso os alquimistas o
adotaram como seu principal símbolo. Daí a alquimia ser chamada de ciência
hermética por excelência. E por inferência, sendo a medicina a ciência que tem
por objetivo a promoção da cura (regeneração) do organismo humano, esse símbolo
foi adotado pelos praticantes dessa profissão.
Com essas informações é possível começar a
entender o emblemático episódio da Serpente de Bronze em seu significado
hermético, simbólico e iniciático. Pois fora desse contexto ele não teria
nenhum sentido. Na verdade, esse episódio é uma metáfora que significa a
necessidade de se “despir da antiga crença” e adotar uma nova para poder sair
de um estado (psicológico ou físico) que nos incomoda e entrar num novo. É como
faz a serpente na sua ação de “trocar” de pele. Nesse simbolismo, o cronista
bíblico utiliza as duas alegorias, para mostrar aos israelitas o poder de Deus
e sua doutrina regeneradora. Como se sabe, a lepra era das principais doenças
daqueles tempos. Sua principal manifestação era a ardência que essa doença
provocava na pele dos afetados. Dessa forma, converter-se ao culto de Jeová
significava a “a cura“ para todos os males. Aqueles que ostentassem a “marca de
Jeová” ficariam livres de todos os males, especialmente a lepra (a picada da
serpente) ardente.
Na Maçonaria, a Lenda da Serpente de Bronze é
uma importante alegoria que veicula profundos ensinamentos iniciáticos. Ela é
tomada no sentido simbólico de regeneração espiritual, fortalecimento de
caráter e demonstração de fé, como símbolo da medicina que cura, de doutrina
que leva o Irmão a emular suas virtudes e mitigar os seus vícios.
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