Por João Anatalino
Li
o Ramo de Ouro de Sir James Frazer quando tinha 30 anos de idade. Naquela
ocasião o que me ficara dessa obra fora uma gostosa imaginação sobre a origem
dos mitos e ritos folclóricos da humanidade
onde o autor nos mostra a evolução do pensamento humano através dessas
manifestações culturais. Ler agora o Ramo de Ouro, quase quarenta anos depois,
e com a bagagem de muitas outras leituras sobre esse assunto, é uma aventura
intelectual mais que fascinante.
Mas
de cem anos depois de sua primeira publicação essa obra continua extremamente
atual. Nesse estudo, que foi fundamental para o estabelecimento da antropologia
e da psicologia modernas, Frazer faz um extenso estudo comparativo do folclore
de vários povos primitivos e civilizações antigas, defendendo a tese de que o
pensamento humano trabalhou primeiro com o mágico depois evoluiu para o
religioso, e em seguida racionalizou essas manifestações, alcançando o que
chamamos de científico.
Embora
suas teses tenham sido refutadas por outros antropólogos(e quem nunca o foi?) o
trabalho de Frazer ainda é muito respeitado, principalmente na distinção que
ele faz entre a magia e a religião. Na magia, segundo Frazer, o operador tenta
controlar através de "ritos (ou técnicas)" o mundo e os acontecimentos,
enquanto que na religião, ele requisita o auxílio de espíritos e divindades.
Esse é um processo de evolução que mostra as diversas fases do pensamento
humano que começou com uma fase anímica, quando ele procurava “imitar” os
elementos da natureza, os animais, etc., para obter os mesmos resultados que
estes apresentavam em suas manifestações. Mais tarde, vendo que nem sempre os
resultados pretendidos podiam ser obtidos através dessas estratégias, os seres
humanos evoluiram para a idéia de que havia “um pensamento, uma vontade”
regendo a produção desses fenômenos. E então nasceram os deuses e por
consequência, a religião. Mais tarde, com a racionalização do pensamento
trazido pela lógica, esses processos passaram a ser melhor compreendidos, e
assim nasceu a ciência. Tudo passou a ser visto como um processo natural de
produção histórica, do qual a própria sociedade e a política não escapavam.
Frazer
mostra que os mitos da criação, em todas as lendas antigas que versam sobre
esse tema tem uma mesma estrutura arquetípica. Da mesma forma a noção do deus
morto e regenerado para a salvação do grupo é uma estrutura psíquica que tem a
ver com o simbolismo da natureza em seus ciclos regenerativos. Ele também se
liga aos ciclos de poder observáveis na estrutura das sociedades antigas, no
sentido que é somente pela morte do rei anterior que o novo rei pode assumir.
Daí o ciclo morte-regeneração-ressurreição assumir essa compostura arquetípica
no Inconsciente Coletivo da humanidade e ser reproduzida em todos os Mistérios
celebrados pelos povos antigos.
Dessa
forma, as cerimônias místicas que se realizavam em Elêusis, nos santuários egípcios
de Isis, na Samotrácia, nos templos hindus e nas florestas druídas, e em todos
os lugares e povos que celebravam a sua forma de Mistérios tinham sempre em
comum o objetivo de garantir a perenidade de suas vidas espirituais e, ao mesmo a de suas sociedades. O “ramo de
ouro”, no caso, era esse símbolo da faculdade regenerativa da natureza, que por
emulação podia ser aplicado ao individuo e à própria comunidade.
Segundo
a lenda que serviu de tema para a inspiração de Frazer, o ramo de ouro, simbolo
da imortalidade, brotava de uma árvore situada em um bosque sagrado dedicado à
deusa Diana, a Virgem, guardiã das florestas. Mas essa árvore era guardada, dia
e noite, por um sacerdote guerreiro, que dedicava toda a sua vida a preservar
esse símbolo sagrado. Este sacerdote era uma pessoa sem descanso, pois sabia
que se relaxasse, alguém o mataria e tomaria o seu lugar.
Daí
Frazer extrai a sua inspiração de que esse mito simboliza uma visão religiosa
que se funda no paralelismo simbólico existente, por um lado, entre a morte e a
ressurreição dos deuses e, por outro, com os ciclos e ritmos regenerativos da
Natureza, aplicáveis à propria vida do individuo e às suas sociedades. E a
ideia que está no centro deste rito é a de que é necessária a execução de um
sacrifício contínuo da vida como forma de proporcionar a ela uma característica
de perenidade. Essa é a oção que está assente no mito do deus morto (ou do herói)
que se sacrifica pela salvação do seu povo.
As
primeiras manifestações desse mito aparecem na Suméria, na forma de uma estátua
de ouro, mostrando um bode em posição erecta, em atitude contemplativa frente a
um ramo de ouro que aflora de uma arbusto. Essa estátua foi encontrada nas
ruínas de Ur, a lendária cidade de Abraão, e os sumérios, como se sabe, estão
entre os primeiros povos do mundo a desenvolver uma consciência religiosa e uma
rica superstição ligada à que até hoje ainda ecoa no pensamento humano.
O
bode sempre teve um papel relevante em todas as tradições religiosas antigas.
Nele se integram duas importantes sensibilidades desenvolvidas pela experiência
religiosa humana. A primeira é o fato de ele ser considerado um animal
catalizador por excelência, que absorve os males do mundo. Por isso, em várias civilizações
que desenvolveram esse mito, um bode, simbolizando a purificação da sociedade,
era sacrificado. Tanto no Velho Testamento quanto em inscrições murais no Egito
e na Mesopotâmea esse costume é referido, o que nos leva a crer que esse era
também um arquétipo de aplicação coletiva entre os antigos povos. A posição do
bode em frente ao arbusto de onde aflora o ramo de ouro é outra indicação
importante nessa manifestação de espiritualidade que essa estátua está a nos
indicar. Sua postura perante o arbusto,
de onde aflora o ramo de ouro é reveladora. Não estará ele a reverenciar a
perenidade da vida conquistada pelo seu sacrifício?
Praticamente
todos os povos antigos tinham representações da Árvore da Vida, uma das imagens
arquetípicas mais significativas do imaginário humano. A Arvore da Vida sempre
aparece como um ícone da natureza, com seus eternos ciclos de reprodução, que
precisam ser reverenciados através de sacrifícios rituais. Por isso todos os
povos antigos realizavam seus Mistérios, onde o sacrifício ritual, ou mesmo
verdadeiro, de uma ou mais vidas, era exigido. Nos rituais dos povos pré-colombianos
(maias e astecas principalmente) era esta última alternativa a preferida. Os
inimigos capturados nas guerras eram sacrificados no ato de uma pirâmide, sendo
o seu sangue canalizado para as plantações.
Mais
do que a mera ignorância de uma civilização em sua infância mental, ou a
simples e notória crueldade de um povo que ainda que não tinha desenvolvido a
noção ética de um direito humano, essa era uma atitude ritual que tinha um
ligação bem profunda com os próprios mistérios da natureza. Resquícios dessa
crença ainda são encontrados no Velho Testamento na passagem em que Abraão é
conclamado por Jeová a sacrificar-lhe em holocausto o próprio filho.
Aí
temos a figura do bode expiatório e a Árvore da Vida, dois arquétipos
profundamente ligados á experiência espiritual da humanidade, nos mostrando um
clara imagem dessa que é a coluna mestra de todas as crenças religiosas: a
esperança de regeneração, ou seja, uma religação da alma humana com o mundo
divino, feita através do “deus sacrificado, do herói”, ou como em outras
variantes do mesmo tema, através de um contínuo sacrifício, sempre com o
propósito de alimentar a Arvore da Vida, para que ela produza o Ramo de Ouro.
Ler
o Ramo de Ouro hoje ainda é uma aventura intelectual profundamente
enriquecedora. Não importa a pecha que muitos intelectuais lhe lançaram, de que
se trata de uma imaginosa viagem pelo mundo do fantástico, atrelada á carruagem
puxada pelos cavalos de Marx e Darwin. Talvez seja. Afinal de contas essa é uma
obra que foi composta no século XIX e que intelectual, mesmo não ousando
excluir a interferência direta de Deus na história do pensamento humano, não
terá sido influenciado por esses dois?
Vale
a pena reler James Frazer hoje. Não seja pelo conhecimento que ele ainda nos
transmite, a beleza da literatura e o adubo que ela dá à nossa imaginação
compensa em muito o trabalho.
2 Comentários
Maravilhoso texto, irei procurar este livro!
ResponderExcluirComo fazer os ∴ três pontos
ResponderExcluirAo IIr ∴ deste blog, Saudações fraternas !
Com a intenção de compartilhar com os irmãos, escrevo neste espaço reservado para comentários a forma de como fazer os três pontos.
• Você não fará assim .’.
• Fará assim ∴
Como faço? No Word você digita 2 2 3 4 Alt X Resultado ∴
Ir∴ Manoel Dias
T∴F∴A∴