Por Ir.'. Nuno Raimundo
Nos séculos XV e XVI devido à necessidade de
se construírem várias construções de cariz religioso ao longo
de toda a Europa, e para mais facilmente circular entre reinos e poderem
trabalhar, os operários da construção civil da época filiavam-se em agremiações
de tipo sindical para que desse modo lhes fosse possível arranjar trabalho e
exigirem alguns direitos e melhores salários. O que deu origem aos termos
“pedreiros-livres” e “franco-maçons”, uma vez que eles estavam livres dos
pagamentos de certos tributos e de portagens nos reinos onde trabalhavam.
E como o trabalho que os construtores tinham
de executar era normalmente demorado, apesar de ser um trabalho nómada, (porque
quando finalizavam uma obra seguiam para outras terras, para outros trabalhos),
reuniam-se no seio dessas associações ou grémios que eram denominadas por
“guildas de construtores” para poderem conseguir manter a sua coesão e união
enquanto grupo de operários especializados e também para que lhes fosse
possível transmitir e ensinar os segredosda sua arte a
coberto dos olhares indiscretos de quem não pertencia a este ofício. Criando
desse modo um tipo de fraternidade entre eles.
Mais tarde, nos finais do século XVI, quando as
grandes construções religiosas (catedrais e abadias) se encontravam finalizadas
e como não existiam nenhumas grandes obras a serem iniciadas a longo prazo,
e como o número de membros destas guildas começavam a decair, estes
grémios de construtores começaram a aceitar como seus membros, elementos de
outras profissões dos locais onde se estabeleciam dada a curiosidade que estes
tinham em relação ao que se passava e discutia no interior destas associações.
O que consequentemente em virtude dos temas que
nessas lojas agora se debatiam, que já não eram somente dedicados à construção
de edifícios e porventura também da entrada destes novos membros, designados
por “maçons aceites”, veio estemovimento a dar origem a uma
transformação deste tipo de maçonaria, assumidamente operativa, numa maçonaria de
cariz especulativo. Um género de maçonaria que já não trataria das construções
físicas, mas que em seu lugar, tratariam de um tipo de construção espiritual.
Aproveitando os maçons especulativos, o vasto simbolismo que os construtores
detinham e que passaram a tomar como seus. Assumindo que em vez de construírem espaços
para glorificar o divino, seriam eles o seu próprio templo a cultuar.
E já no decorrer do século XVII, quando os
partidários dos Stuart (casa real) vindos de Inglaterra e fugindo ao seu regime
vigente, trouxeram consigo para o continente os seus ideiais maçónicos,
aproveitaram a liberdade que lhes era concedida na França e abriram lojas
(especulativas) onde se pudessem reunir e onde pudessem discutir as formas de
resistência necessárias para os levar de novo ao poder em Inglaterra.
Sendo que no interior dessas lojas para além de
conseguirem manter a sua união enquanto grupo de resistentes e debater que
posições deveriam ser tomadas neste tipo de luta, também conseguiam assim
manter aceso o espírito fraternal que tinham entre eles.
Mais tarde, pela entrada nestas lojas de outras
personalidades que nada tinham a haver com o espírito de resistência para o
qual este tipo de lojas tinha sido criado bem como da criação de outras novas
lojas maçónicas em terras francesas formadas por franceses e/ou estrangeiros, a
expansão em França estava lançada.
Na restante Europa, a expansão maçónica estava
também em marcha, fosse pelatransformação das lojas operativas
(guildas de construtores) em lojas especulativas, bem como da criação de lojas
militares itinerantes ou lojas locais onde a burguesia da época se reuniria
para debater as novas ideias que viam a luz do dia nesses
tempos.
- O que se pode constatar é que independentemente
da sua denominação (operativos/especulativos), os maçons sempre se
reuniram em alguma espécie de agremiação para debater as suas ideias, deixando
de fora gente que não considerassem como “bem-vindos” ou
que não lhes trouxessem qualquer mais valiapara o debate de ideias.
-
E já no século XVIII, os maçons impulsionados pelo
ideário maçónico e pelo idealismo das Luzes e com o auxílio
indireto da expansão colonialista europeia para as “novas terras das
Américas”, contribuíram relevantemente para o estabelecimento da
Maçonaria nesses locais.
Fosse nas ilhas caribenhas ou no próprio
continente americano, em qualquer porto em que os barcos vindos da “velha
Europa” aportassem, traziam consigo maçons que para além das relações
comerciais que teriam com os povos nativos, se viriam a estabelecer de
forma permanente nestas terras. E estes maçons apoiados pelo facto de nestes
lugares existirem também lojas maçónicas formadas por militares – uma das
maiores fontes do expansionismo maçónico no mundo deve-se a este tipo de Lojas
que costumam estar associadas a um determinado batalhão ou companhia militares
– conseguiram em alguns casos, montar uma estrutura local e que não fosse
nómada como é o caso da generalidade das lojas militares maçónicas. Desta forma
ficaram estabelecidas as raízes para o crescimento e consolidação da Ordem nas
colónias americanas. E não obstante o aumento da imigração europeia para as Américas e
com a transformação destas povoações em grandes metrópoles posteriormente,
também a Maçonaria teve um crescimento proporcionalmente direto e hoje em
dia estimam-se que na totalidade do continente americano existam mais de 5
milhões de maçons.
Para além do colonialismo americano, também o
colonialismo africano e asiático pelos povos europeus possibilitou a chegada da
Maçonaria a estas partes do mundo e se estabelecer de uma forma mais ou menos
gradual face à cultura e sistemas políticos vigentes nesses países.
Atualmente, do norte ao sul do globo terrestre, a
Maçonaria encontra-se implantada em quase toda a parte. Sobressaindo assim o
carácter universal desta Augusta Ordem. E, independentemente do regime
político, desde que seja considerado como democrático, a Maçonaria convive de
forma natural com as leis do local onde se encontra estabelecida. Seja em
países monárquicos (um bom exemplo que temos é o continente europeu, onde a
Monarquia, nos países nórdicos, se encontra consolidada) ou países republicanos
(exemplificados pelo continente americano, que na sua totalidade é formado por
repúblicas democraticamente eleitas), com governos eleitos designados
de direita ou de esquerda, a Maçonaria
existe.
Porque apesar da alternância dos poderes políticos,
a Maçonaria sempre persistirá. E o fará, porque ela própria não tem doutrina
política, a Maçonaria está num patamaracima das discussões
partidárias ou de qualquer questão que possa dividir os Homens.
A Ordem Maçónica é uma instituição agregadora de
pessoas por isso nunca poderia fomentar a divisão entre elas.
Todavia, a Ordem não impede que os seus membros
exerçam no mundo profano os seus deveres e direitos cívicos conforme
os princípios que escolham praticar na suas vidas
profanas, sejam eles políticos (ou outros) que considerarem que lhes
sejam mais favoráveis ou com os quais melhor se identifiquem. E isso pode ser
verificado pela prática política de alguns maçons que participam efetivamente
no mundo político sem que tenham qualquer diligência maçónica nesse sentido - Agindo somente com a sua convição e o seu pensamento.-
Nomeadamente se pode dizer o mesmo no
que respeita às suas filiações associativas, tenham elas o cariz que tiverem ou
à religião que os maçons decidam (ou não, no caso de Maçonarias Liberais)
observar. E isto pode acontecer porque o compromisso que se toma com a
Maçonaria é um compromisso de ética e de respeito na observância dos valores
morais existentes; logo este compromisso estará acima de qualquer tipo de
política ou agremiação. Sendo por isso que me é possível afirmar neste contexto
que : “O maçom faz, a Ordem apenas observa…”.
O próprio cosmopolitismo que é inerente à Maçonaria
permite tais factos.
A Maçonaria ao deter um carácter universalista e
progressista que ultrapassa qualquer fronteira e por se reger por valores de
igualdade, fraternidade e de solidariedade entre os seus membros, propiciou que
a ação dos seus afiliados no mundo profano seja um reflexo dos seus próprios
valores. E como os valores maçónicos são valores que são transversais à
sociedade e ao mundo em si, não existe um lugar onde um maçom não possa se
encontrar ou que esteja impossibilitado de agir…
Logo, ao ter a Maçonaria criado as bases para o
diálogo e para o debate de ideias nas suas lojas e tendo posteriormente
transferido estas competências também para o espaço público, sendo as lojas
maçónicas consideradas como centros formadores de opinião e o
espaço público como sendo o local de aplicação das vontades profanas,
fomentou na sociedade a ideia que a tolerância aplicada de forma salutar na
discussão de ideias, contribuiria para a obtenção de consensos
sem que se tivesse de passar por um qualquer conflito para chegar a tal.
Apenas discutindo e debatendo com respeito e
elevação é que é possível se criarem as condições válidas para se poder chegar
a um determinado consenso que possa ser valorizado como sendo o melhor para ser
aplicado ou cumprido pelos intervenientes na discussão. Nem sempre a posição
dominante prevalece, mas sim a opinião que fará mais sentido para a
generalidade. E isso somente é possível se existir algum sentido de tolerância
e respeito pelo próximo e de se ter a capacidade de nos sentirmos como
integrantes de algo superior a nós próprios. Copiando a sociedade desta forma,
uma praxis maçónica há muito existente.
No entanto quando se fala em Sociedade, Civismo
ou inclusive em Política, abordamos conceitos que estão para
além de nós, e a melhor forma de se conseguir ou atingir o bem comum,
para além de um diálogo franco e tolerante, é reconhecer nooutro a
sua diferença de opinião como algo que pode fazer evoluir e enaltecer o debate
público. Por isso no seio da Maçonaria Regular não se aborda política partidária
mas poder-se-á em determinado contexto, abordar a Política como sendo mais um
conceito necessário a quem vive em sociedade. Sociedade esta, que já não será
apenas o local onde nos encontramos ou em que vivemos, mas o mundo na sua
plenitude.
Mas apesar de toda esta evolução civilizacional que
nos foi permitido alcançar, a própria Instituição Maçónica dada a sua linguagem
simbólica e do seu carácter quase indecifrável aos profanos, conseguiu
permanecer quase inalterada desde a sua origem até à atualidade. O que facilita
e permite que em qualquer parte do mundo (mediante a respetiva tradução
linguística, se necessária) a qualquer iniciado nos mistérios da
Maçonaria poder reconhecer facilmente aquilo que observa ou escuta. Tanto que
ao nível da ritualística maçónica, para os maçons que visitem outros países e
tenham a honra de serem acolhidos nas lojas maçónicas locais, mesmo que não
compreendam a língua nativa, conseguem estar sempre integrados no ritual que se
pratique nas lojas maçónicas - pois o conhecem -, e mesmo as mais ligeiras
adaptações que possam ter ocorrido fruto do tempo ou de traduções feitas aos
rituais originais, esse cumprimento do ritual será sempre perceptível para quem
o assiste.
E dado que a forma como hoje em dia o Homem se
desloca pelo mundo também evoluiu, e que esta “viagem pelo mundo”, seja em
trabalho ou em turismo, pode ser feita de uma forma bastante mais lesta que
antigamente, também a nossa visão do mundo foi evoluindo. Já não olhamos para
nós como pertencentes a um lugar somente mas como pertencentes ao mundo
na sua globalidade. Apesar das diferentes identidades nacionais se manterem - e
ainda bem!- o resto se vai esbatendo. As relações económicas, judiciárias e
culturais entre países atualmente são de tal forma evoluídas na
sua interação, que em determinado país poderemos conhecer ou saber o que
se passará noutro qualquer, bem como nos é permitido deslocar sem qualquer
entrave à circulação. O que é sempre determinante para o modo de vida que
atualmente levamos.
E devido ao facto de o maçom ser alguém que se
considera livre e que vive e exerce a sua liberdade em qualquer parte, o maçom
é um “cidadão do mundo”, isso permitiu-lhe que lutasse também pelos valores em
que acredita e que acima de tudo são os valores da Maçonaria. Assim, foi
através da sua ação por este mundo fora, que foi possível criar as bases para a
implantação e reconhecimento de garantias ao nível dos Direitos Humanos, o
direito à escola pública, o direito à saúde pública, a laicização dos estados
(no sentido de que nenhuma religião se sobreponha ou seja enaltecida em
detrimento das restantes), o ataque ao trabalho infantil e a emancipação da
Mulher, entre outras lutas das quais os maçons fizeram e
ainda fazem parte pelo mundo fora.
Assim, em jeito de conclusão, combater as trevas,
a tirania e a ignorância, propiciando o progressivo bem-estar da humanidade,
são os labores que os maçons assumem para com a sociedade e apenas tal é
exequível globalmente porque a Maçonaria é universal e cosmopolita.
Fonte: A Partir Pedra
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