Por Ir.'. João Anatalino
Maçonaria não é religião?
Veio-me
á baila esse tema por conta de uma decisão do departamento jurídico de uma
prefeitura da nossa região, que justificou o indeferimento do pedido de isenção
de IPTU para o templo de uma Loja
Maçônica da cidade. “A Maçonaria não é uma religião, como os próprios maçons
sustentam. Assim não cabe invocar a isenção do art. 5º inciso VI da Constituição Federal para isentar do
Imposto Sobre Propriedade Territorial Urbana o que eles chamam de Templo, já
que esse edifício, tradicionalmente chamado de Loja, é um lugar onde eles se
reúnem para tratar dos assuntos da sua Associação, mas não para praticar
qualquer tipo de culto, que possa ser associado á uma religião”, escreveu o
profissional que redigiu o arrazoado.
Os
nossos Irmãos dessa Loja naturalmente ficaram danados da vida, pois a isenção
do IPTU para o seu Templo era coisa que já havia se transformado em
tradição. Mais ainda porque o tal
parecer tinha sido assinado por um Irmão daquela Loja. Quando perguntaram a
minha opinião sobre o assunto, dado que a minha atividade profissional, por
muito tempo esteve ligada ás lides tributárias (como auditor da RF e depois
como consultor empresarial nessa área), eu respondi que o Irmão que dera o
parecer tinha razão. E justifiquei dizendo que nós não podíamos dar duas
interpretações a um mesmo conceito: um quando se tratasse de nos favorecer e
outro quando ele nos prejudica.
Afinal,
por séculos a fio, desde quando a Maçonaria se tornou uma instituição, nós
temos dito, enfaticamente, que a Maçonaria não é religião. Não podíamos agora,
por conta de uma isenção tributária, transformá-la em uma.
Achei
interessante o assunto porque eu estava naquela Loja a convite dos Irmãos
justamente para falar dos antecedentes filosóficos da Maçonaria, ou seja, do
ambiente cultural que deu origem ao movimento maçônico propriamente dito, tal
como ele emergiu do século XVI ─ a partir das associações dos construtores
profissionais ─ para ganhar a simpatia dos intelectuais e das pessoas bem
nascidas em todos os países da Europa, sacudidos pelos ecos da Reforma
Protestante e da Renascença cultural e artística, que no seu bojo trazia também
uma nova forma de viver e de pensar. E isso me serviu de gancho para abordar
esse assunto que ainda hoje constrange e deixa perplexos muitos Irmãos
justamente pela dificuldade que o tema encerra.
Maçonaria- um ramo da Reforma Protestante
A
mentalidade que deu origem ao pensamento maçônico ─ tal como ele surgiu e
ganhou corpo no início do século XVII─ é, claramente, uma obra de pensadores
místicos, de mentalidade reformista, que surgiram durante o século XIV,
fortaleceu-se durante o século XV e finalmente amadureceu e se tornou uma
verdadeira escola durante o século XVI. Foi produto da desintegração da
influência que a Igreja Católica manteve sobre o pensamento europeu durante
toda a Idade Média e da própria perda de poder político de seus líderes em
razão da sua própria corrupção. É um processo que começou com os conflitos que
opuseram os papas contra os monarcas das diversas nações europeias logo após o
término das Cruzadas, conflitos esses que tinham como origem uma clara disputa
de poder.[1]
Já
nessa época, uma plêiade de intelectuais e artistas começavam a ensaiar o
nascimento de uma tendência cultural, que dois séculos mais tarde iria
abastecer os dois grandes rios do pensamento moderno, que foram a Reforma
Protestante e a Renascença.[2]
Embora
essa afirmação possa ser contradita por vários exemplos históricos, inclusive
bem documentados, para nós não resta dúvida que a Maçonaria moderna é, sem
sombra de dúvida, como bem viu Marius Lepage, um episódio da Reforma. Quer
dizer, não que ela tenha nascido a partir da Reforma Protestante, mas sim que
aproveitou o ímpeto reformista para se transformar em um movimento filosófico e
político de caráter mundial.[3] Essa transformação aconteceu tomando por base a
tradição das antigas guildas de profissionais medievais ─ em particular os
construtores de edifícios sacros ─, fundindo-a com o pensamento rosacruciano
que encantou os intelectuais no inicio do século XVI.[4]
Quase
nada se sabe sobre a antiga Maçonaria, dita Operativa. O pouco que resta dessa
antiga prática iniciática e corporativa são alguns fragmentos de documentos
relatando as tradições e os costumes desses antigos maçons que construíam
igrejas e outros edifícios de finalidade sacra, com um ardor e um espírito
quase religioso.[5] A se acreditar em Fulcanelli, e também René Guénon, o maçom
medieval era um iniciado, que muito além da sua fé no credo católico, vivia em
um mundo de magia e misticismo, que ele tentava reproduzir na sua profissão,
elevando-a á categoria de Arte do espirito, tanto quanto o era a alquimia.[6]
Destarte,
a arquitetura medieval, tal como a alquimia, seria uma espécie de prática
ascética que além de buscar resultados práticos em seus respectivos campos de
atuação ─ a construção de edifícios sacros e a manipulação química dos minerais
─ proporcionaria ao seu operador uma forma de preparar seus próprios espíritos
para uma ascese (iluminação), que segundo a Igreja, só podia ser obtida através
da prática da doutrina cristã, orientada pela Igreja católica.Santo só quem
fosse católico e perfeito na prática das
virtudes teologais.
Iluminação,
reforma espiritual, conhecimento para além do racionalismo científico e da mera
especulação filosófica tomista ( doutrina de São Tomás de Aquino), e a
derrubada de todos os dogmas religiosos que aprisionavam o espírito humano, foi
a grande promessa dos Irmãos Rosacruzes, que no início do século XVI,
concomitante com a verdadeira revolução á que a rebelião de Martinho Lutero deu
início, viriam a provocar uma verdadeira febre de misticismo e um enorme anseio
de liberdade de pensamento por toda a Europa. É desse caldo cultural que
nasceria a Maçonaria que nós chamamos de moderna, pois ela, sobre o manto da
antiga prática dos maçons medievais, criou uma estrutura completamente nova,
que se não pode ser chamada de religião, pelo menos constitui uma prática para
religiosa que incomoda muito (ainda hoje) as chamadas religiões oficiais, que
nela veem fumos de heresia e conspiração, tal como no inicio da Reforma
Protestante, todo grupo que manifestasse simpatia pela nova tendência de
pensamento era carimbada com essa pecha.[7]
A Maçonaria moderna e seus inspiradores
Se
a antiga Maçonaria dos construtores medievais era uma espécie de sindicato que
congregava os profissionais da construção, usando práticas místicas e
iniciáticas, muito a gosto da cultura da época, a Maçonaria moderna, que nasceu
da fusão entre os membros dessas associações com intelectuais, militares,
nobres, cientistas e outras pessoas bem nascidas na Europa, pode ser
considerada um movimento ecumênico que congrega pessoas de todas as tendências
religiosas, políticas e culturais. Essas pessoas se reúnem em torno de uma
ideia utópica que já estava presente no pensamento de vários filósofos
renascentistas e dos próprios cultores do pensamento Rosacruz, como bem
expressa o próprio Johan Valentin Andreás (provável autor dos chamados
Manifestos Rosacruzes), quando fala de uma “Nova Ordem Mundial”. Essa nova
Ordem Mundial seria tema de outros famosos trabalhos, de nomeados autores, que
atravessaram os séculos e ainda hoje são fonte de influência para muitos
espíritos. Alguns desses trabalhos e autores são comumente citados em vários
rituais e na tradição litúrgica desenvolvida nas Lojas dos maçons, porque neles
se reconhecem algumas das mais interessantes inspirações da prática maçônica.
Obras como a Cidade Mágica do Sol, de Campannella, Novum Organum, de Francis
Bacon, Utopia, de Thomas Mórus, são alguns dos trabalhos que antecipam a
estrutura pretendida pelos “pais” da Maçonaria moderna, no sentido de criar um
movimento internacional que pudesse levar ao mundo todo o sonho de uma nova
ordem mundial. [8]
Entre
esses, talvez o mais influente de todos tenha sido o filósofo Giordano Bruno..
Em muitos aspectos, ele foi o precursor dos chamados pensadores rosacrucianos
que desenvolveram o conteúdo espiritualista da Maçonaria moderna.
A
filosofia de Bruno procura revalorizar as antigas religiões solares, que a
Igreja de Roma tinha banido do espirito ocidental, empurrando-as para o rol das
heresias. Para ele o que conferia diferentes graus de divindade ás coisas e ás
pessoas era a presença de “luz” nelas. Por isso a grande valorização que ele
dava ao simbolismo do sol e da lua, os dois corpos luminosos mais relevantes e próximos
á terra.[9]
Essa
era razão da influência que esses corpos celestes sempre exerceram sobre o
espirito do homem e o fato de as religiões antigas terem neles sua razão de
existência e princípios de funcionamento. Segundo suas próprias palavras “ nos
dois corpos que estão mais próximos do nosso globo e divina mãe, o Sol e a Lua,
eles concebem o que é a vida e o que informa as coisas segundo as duas razões
principais. E entendem a vida segundo sete outras razões, distribuindo-as á
sete outras estrelas errantes, que, como no principio original e na causa
fecunda, reduzem as diferenças em espécie em cada gênero, dizendo das plantas,
animais, pedras, influências e outras coisas, que umas pertencem a Saturno,
outras a Júpiter, outras ainda, a Marte e assim por diante.[10]
Nesse
discurso hermético, muito a gosto dos filósofos dessa escola, está expressa a
cosmogonia de Bruno e o fundamento da reforma religiosa da qual ele pretendia
ser o arauto. Era uma reforma que devolveria a antiga religião egípcia ao lugar
de proeminência que nunca deveria ter perdido, pela sua substituição pelo
cristianismo. A religião egípcia, na cabeça de Bruno, era a religião do
intelecto, da inteligência, da sensibilidade, que havia evoluído, com os
ensinamentos de Hermes Trismegisto, para além do culto solar, penetrando em uma
divina “mens”(sabedoria), que, no seu conceito, se aproxima das modernas teses
dos cientistas do átomo (os novos gnósticos), segundo os quais o universo é
produto da transformação de energia em matéria, por força da pressão interna
que essa mesma energia exerce sobre si mesma.[11]
A
religião que Bruno pregava era a verdadeira Gnose, a única capaz de unir o
profano ao sagrado. Essa religião tinha sido, no seu entender, suprimida pelos
“falsos mercúrios” (os teólogos cristãos), em proveito de uma teologia pobre,
que nada mais era que uma grosseira degeneração de uma religião superior.
Foram
sem duvida, afirmações como essas que o levaram á fogueira. Ele acreditava que
a antiga religião egípcia, por se fundamentar na adoração da verdadeira
divindade através de suas manifestações nas coisas, proporcionava um estado
ideal de ordem, harmonia e felicidade na terra, pois ela permitia ao homem uma
verdadeira simbiose com tudo que havia na criação. Se o elo entre tudo era a
luz, se tudo era luz, e tudo estava em tudo, então havia uma verdadeira unidade
no universo como reflexo daquele que era Um, o Pai das Luzes.
Esse
pensamento permitia o desenvolvimento de um governo humano baseado no principio
da Maat, a deusa que no panteão egípcio representava a Justiça, pois num
universo uno não haveria lugar para estratificações. Por outro lado,
restabelecia o culto por meio de uma simbologia que a liturgia cristã havia
banido em proveito de uma ritualística vazia de conteúdo místico e pobre em
interesse esotérico, que constitui a essência de toda religião.
Giordano Bruno e a Maçonaria
O
interesse nas ideias de Giordano Bruno, para qualquer estudo que envolve a
Maçonaria, reside principalmente no fato de que sua reforma religiosa consiste
num sistema onde os vícios são expulsos pela virtude.[12] Na mística do seu
sistema isso se dá naturalmente através dos deuses. Na cosmogonia bruniana o
movimento vicio-virtude vai povoando o espaço á medida que os deuses reformam
os céus. A vitória final da antiga religião, por ser uma religião baseada na
virtude, seria o corolário dessa reforma.
A reforma religiosa de Bruno é um verdadeiro
discurso iniciático. Nele os deuses, (Júpiter, Apollo, Saturno, Netuno, Isis,
Marte, etc), são todos símbolos de virtudes e poderes da alma. Como o homem é
uma representação do universo, (um holom, na linguagem os novos gnósticos), a
“reforma no céu” feita pelos deuses reflete também na terra, influenciando o
psiquismo humano. Na medida em que um deus, (ou uma virtude), ocupa um lugar
nos “céus”, o universo divino se recompõe e isso ressoa também na terra através
da alma humana. Assim, as personalidades na terra vão sendo moldadas e quando a
“reforma nos céus estiver completa, o homem também será um homem novo,
reformado segundo o movimento dos deuses nos céus”.
A
personalidade boa é a personalidade solar. Quando o sol ocupa o centro do
universo, isto é, quando a luz está no centro, ela se irradia por todos os
lados. Por isso, quando o universo estiver transbordando de luz, o reino da
ordem, da harmonia, da justiça e felicidade será finalmente instalado.
O
fundamento espiritual das ideias de Bruno é a iniciação gnóstica e a forma de
realização da espiritualidade é a alquimia. Ambas realizam transmutação
essencial. Os próprios homens estão sujeitos a essa lei da transformação. Os
espíritos precisam ser transformados pela luz da iniciação. E daí Bruno define
a personalidade do novo homem que resultaria dessa “reforma”: “serão homens
necessários á comunidade, hábeis nas ciências especulativas, cautelosos na
moralidade, solícitos no zelo e no auxílio de um ao outro, mantendo a sociedade
(para a qual são prescritas todas as leis) pela proposição de certas
recompensas aos benfeitores e pela ameaça aos criminosos de certas punições
“[13]
A
analogia com os textos maçônicos que transmitem a ideia de uma renovação
espiritual através da prática maçônica é bastante sugestiva. Veja-se que a
descrição do homem novo de Bruno se encaixa perfeitamente nos moldes da
Ordem. Em um dos mais importantes graus
do Rito Escocês serão exatamente essas características que serão destacadas. E
em todos os graus da “Escada de Jacó” serão encarecidas aos maçons a aquisição
de virtudes associadas com o estudo, a moral, a ética, o zelo e a lealdade
recíproca, como garantia de sobrevivência da Fraternidade, e principalmente um
grande anelo pela prática da Justiça. É difícil não pensar que tais influências
não tenham sido pescadas diretamente no fértil rio do pensamento bruniano.
Então, prossegue o filósofo,” Hércules descerá a terra para realizar as boas
obras.” Quando se sabe que um dos mais
importantes graus maçônicos fundamenta seus ensinamentos nos Doze Trabalhos de
Hércules, é difícil refutar que tal
inspiração não tenha nada a ver com esse simbolismo.
As
ideias de Giordano Bruno representaram uma grande abertura para o pensamento
místico-liberal que encantou muitas gerações de intelectuais. Até o século XIX
os intelectuais de orientação espiritualista o adoravam. Por isso é que
advogamos a influência desse grande pensador sobre os homens que deram a
Maçonaria a conformação que ela adquiriu a partir do início do século XVII,
quando membros do grupo rosacruciano começaram a fazer parte das Lojas de
Companheiros especulativos.
Como
se pode perceber, as ideias eram as mesmas. O Templo da Sabedoria, (O Templo de
Salomão), simbolicamente, fora construído primeiro entre os egípcios e os
caldeus, de onde os hebreus foram buscar as bases de sua cosmogonia. Depois a
idéia passa pelos persas de Zoroastro, pelos trácios com Orfeu, entre os gregos
com Tales de Mileto, entre os italianos com Lucrécio e Vitrúvio, pelos alemães
com Copérnico e Alberto Magno etc. O recurso á geometria como demonstração dos
atributos da divindade é uma das suas ferramentas. “Deus é uma esfera cujo
centro está em toda parte e cuja circunferência está em parte alguma” diz ele.
Parece a definição do templo maçônico, que
corresponde a todo universo. Deus é o Uno, o Perfeito, o Número que contém
todos os números. O contato entre o profano e o divino se dá através dos ritos
apropriados que elevam o homem as alturas; ao mesmo tempo faz a divindade
descer ao mundo. A iniciação é parte desse processo; só o iniciado pode
pretender essa elevação. A Cabala é a ciência das combinações divinas. Por ela
se pode chegar ao conhecimento do Nome Inefável, fonte da Gnose divina. [14]
Ás
três virtudes teologais, amor esperança e caridade, que os católicos
consideravam as virtudes guias da religião, Bruno somou a mathesis e a magia,
como essenciais a esse conjunto. [15]
Eis
aí, na filosofia do mago renascentista, todo o estofo do que viria a ser, dois
séculos mais tarde, a Maçonaria moderna.
Ainda
a propósito da obra de Giordano Bruno, conclui a Prof. Francês Yates: “ Onde mais existe igual combinação de
tolerância religiosa, vinculada emocionalmente ao passado medieval, com uma
ênfase nas boas obras, além de um imaginativo apego á religião e ao simbolismo
egípcio? A mim ocorre uma única resposta: na Maçonaria, herdeira da ligação
mítica com os maçons medievais e com a sua tolerância, sua filosofia e seu
simbolismo egípcio. Só apareceu na Inglaterra, reconhecível como instituição em
meados do século XVII. Mas teve, decerto, seus predecessores, antecedentes e
talvez tradições, que se reportavam a um passado muito remoto. Esse porém, é
assunto muito obscuro. Aqui caminhamos nas trevas, mas podemos conjeturar se,
entre as pessoas espiritualmente insatisfeitas na Inglaterra, alguma não teria
ouvido, na mensagem “egípcia” de Bruno, um prenúncio de alívio, ou dos acordes
da Flauta Mágica que em breve soprariam
no ar. [16]
Certamente a professora Yates tem razão. A
Maçonaria que emergiu do século XVII tem tudo a ver com o “socialismo mágico”
de Bruno e dos hermetistas da Renascença. A sua reforma moral da humanidade,
que ressuscitava a velha idéia egípcia da Maat, era uma solução, ao mesmo tempo
antiga e nova, para o problema que a Europa enfrentava justamente naquele
momento. Faria desaparecer as dificuldades religiosas, ao passo que também
educaria o caráter do homem para construir e viver um novo tipo de sociedade.
Conclusão
O
momento que estamos vivendo, neste início do século XXI, nos sugere muitas
analogias com aqueles vividos pela Europa nos princípios do século XVII, quando
surgiu a Maçonaria moderna. Crise religiosa, conflitos políticos, desagregação
de antigas tradições, morte e descrédito de instituições, epidemias, pandemias
e outros acontecimentos que estamos vivendo hoje são indícios de grandes
modificações na história da humanidade. Naqueles antigos dias o surgimento do
movimento maçônico em âmbito mundial foi uma resposta á essa febre espiritual
por mudanças significativas. A nossa esperança é que hoje a Maçonaria ainda
tenha suficiente lastro de virtude para responder com eficiência ás atitudes
que dela se exige nessa nova conjuntura.
[1] Um dos
episódios mais característicos desses conflitos foi o que opôs o Papa Bonifácio
VIII e o rei da França, Filipe o Belo, e depois o sucessor desse Papa, Clemente
V, que resultou inclusive na supressão da Ordem dos Templários e execução dos
seus líderes, queimados como hereges. A Maçonaria, muito a propósito, iria
utilizar esse episódio como sendo uma fonte de suas tradições.
[2] Entre esses
intelectuais podemos citar Roger Bacon, Dante Alighieri e Petrarca. O primeiro
destacou-se como filósofo naturalista e alquimista, precursor do método
científico de observação dos fenômenos naturais. Dante é o autor do famoso
poema “A Divina Comédia”, obra prima de simbolismo e carregada de conceitos e
visões gnósticas. Petrarca foi um dos mais ácidos críticos da corrupção
existente na Igreja Católica, sendo um dos maiores inspiradores do monge
Martinho Lutero na sua rebelião contra o Vaticano. Não é sem razão as alusões e
as invocações que alguns ritos maçônicos fazem ao trabalho desses intelectuais.
[3] Jean Palou- A Maçonaria
Simbólica e Iniciática, São Paulo, 1964
[4] Essa visão foi
muito bem formulada por Francês Yates em suas excelentes obras , Giordano Bruno e a Tradição Hermética
e o Iluminismo Rosacruz, ambas publicadas no Brasil pela Ed. Cultrix.
[5] As chamadas
Old Charges, conjunto de manuscritos que
relatam as práticas dos antigos profissionais de construção da Idade Média e
início da Idade Moderna, os quais foram adaptados para os rituais praticados na
Maçonaria moderna.
[6] Fulcanelli- O
Mistério das Catedrais, Lisboa, 1956. René Guénon- Aperçus sur l’initiation- Paris 1956. Segundo
esses autores, a arquitetura medieval, tal como a alquimia, seria uma espécie
de prática ascética que além de buscar resultados práticos em seus respectivos
campos de atuação ─ a construção de edifícios sacros e a manipulação química
dos minerais ─ proporcionaria ao seu operador uma forma de preparar seus
próprios espíritos para uma ascese (iluminação), que segundo a Igreja, só podia
ser obtida através da prática da doutrina cristã, orientada pela Igreja
católica.
[7] Os chamados
Manifestos Rosacruzes (Fama
Fraternitatis, 1614; Confessio Fraternitatis, 1615 e Núpcias Químicas de
Christian Rosencreutz,1616) contribuiram muito para que os movimentos de
tendência mistica adquirissem essa aura de heresia e conspiração, pois atacavam
com muita virulência a doutrina católica e pregavam transformações que
misturavam temas de caráter religioso e político que incomodavam as autoridades
civis e eclesiásticas. Vide, a esse respeito, a excelente obra de Francis
Yates, O Iluminismo Rosacruz, citada.
[8] Idem, O
Iluminismo Rosacruz, citado.
[9] Que estão
presentes na Maçonaria moderna, representada pelos ícones encontrados em seus
templos e no simbolismo da iniciação que se traduz por uma “jornada em busca da
luz”.
[10] Francês Yates,
op citado, pg. 241. Quer dizer: conforme
o grau de energia, ou de “luz” que cada coisa, ou espécie concentra. Os antigos
gnósticos identificavam nos planetas diferentes etapas de manifestação do Poder
Criador, razão pela qual tudo na terra podia ser explicado nos termos dessa
simbologia. Esse é o fundamento filosófico da tradição da astrologia. Por
consequência, obter iluminação, concentrar a “luz” dentro de si era
aproximar-se o mais possível da divindade.
[11]Esse também é
um conceito defendido pelos cabalistas, segundo os quais “Deus é pressão”.
[12] Na Maçonaria
essa tese se exprime no lema “erguer templos á virtude e cavar masmorras ao
vício.”
[13]Francês Yates-
op citado pg. 255-
[14] De acordo com
a Cabala , o Inefável Nome de Deus (Tetragrammaton), tem quatro letras e sua
luz é portada por setenta e dois anjos (Semhamaphores) . A multidão
celeste, a partir desses portadores da
luz divina, se expandem progressivamente á uma razão aritmética de quatro por
doze, formando uma multidão inumerável, que simbolicamente repete o mesmo
processo pelo qual Deus constrói o mundo material. A Cabala, combinando,
números e letras, dão ao iniciado em seus mistérios todos os nomes de Deus a
partir dessa inumerável multidão, até o primeiro e Inefável Nome, geratriz de
todos os outros. A Maçonaria também trabalha com esses conceitos, partindo do
princípio de que Deus é o “Grande Arquiteto do Universo” e que constrói o
universo com os recursos da Geometria.
[15] Mathesis é a
ciência da contemplação.
[16] Francês Yates-
op citado, pg 26- A Flauta Mágica é a ópera maçônica por excelência. Mozart a
compôs a partir da influência que recebeu dos ritos maçônicos. As cerimônias de
iniciação, as purificações pelo fogo e pela água, o misticismo do número três,
temas explorados naquela ópera, são todos influenciados pelos ritos maçônicos,
já que tanto Mozart quanto o compositor do libreto, Schikaneder, eram maçons.
João Anatalino
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