Por João Anatalino
Sérgio Leone |
Será
que o grande diretor de cinema italiano Sérgio Leone, idolatrado por Clint
Eastwood, e popularizador do western spagueti, como ficou conhecido a série de
filmes de faroeste produzidos na Itália nos anos sessenta, era maçom? Provavelmente não era, pois não encontramos
nenhuma referência a esse respeito nas biografias desse extraordinário
cineasta, que nos legou uma mais vigorosas e interessantes filmografias de
todos os tempos, criando uma forma inteiramente nova de fazer cinema e contar
histórias, combinando fantásticas tomadas de imagem com uma sonoridade de tirar
o fôlego, magicamente criada pelo maestro Ennio Morriconi. Leia mais
Dizem
que ele era marxista, e os discípulos de Marx, via de regra, odeiam sociedades
do tipo maçonaria, que eles consideram como um fruto do capitalismo selvagem e
reduto da burguesia exploradora, já que a maçonaria sempre hospedou, e isso não
podemos negar, um ranço de elitismo. Se for realmente assim, teria sido muito
difícil colocar um avental de maçom no irascível e talentoso diretor italiano
que deixou os velhos diretores de Hollywood com as calças nas mãos, ao
transformar em verdadeiras obras de arte um gênero que eles já consideravam
morto e enterrado.
A
questão que nos leva a ligar Sérgio Leone á maçonaria aparece nos temas que ele
desenvolveu em seus filmes, especialmente os faroestes, e mais destacadamente,
o seu arquetípico “Era Uma Vez No Oeste”, seguramente um dos mais expressivos e
emblemáticos filmes desse gênero que alguém já produziu.
Quem
chamou a minha atenção para esse tema foi um Irmão que coleciona filmes
clássicos. Por acaso ele também era o Mestre de Harmonia de uma Loja de minha
cidade. Ao visitar sua Loja me encantei com as músicas que ele havia
selecionado para a seção. Uma delas era o tema principal de “Era Uma Vez no
Oeste.” Ao comentar com ele sobre a música, ele me disse que achava a estória
desenvolvida nesse filme bem maçônica. Em princípio tive certa dificuldade de
ver o que o misterioso pistoleiro Charles Bronson, com sua gaita, e sua sede de
vingança contra o bandidão Henry Fonda, que havia matado sua família (coisa que
a gente só descobre no fim), tinha a ver com a maçonaria. E muito menos os
demais personagens da história, a belíssima Cláudia Cardinale, prostituta dos
bordéis de New Orleans, que vai para o Oeste para se juntar á sua nova família,
sem saber que ela havia sido exterminada pelos bandidos de Frank (o grande
Henry Fonda). Nem o que tinha a haver com o inefável fora ─ da – lei Cheyenne,
interpretado pelo excelente Jason Robards, que de bandido só tem a cara, pois
no fundo ele se revela um bom caráter.
Quem
me deu a pista sobre o elo entre Sérgio Leone e a filosofia maçônica foi um
artigo que li a respeito do filme, que falava da ideia que Leone quis
desenvolver no script. Então compreendi o que o nosso Irmão Mestre de Harmonia
quis dizer.
O
filme tinha muito a ver com a pregação maçônica e a simbologia que ela cultiva.
Isso porque o oeste americano sempre foi considerado uma espécie de utopia
renascentista, no sentido de que era uma terra de homens livres, onde a
virtude, simbolizada pelo bom mocismo, lutava para enterrar o vício,
representada pelo bandido. No Oeste, os bons e os maus, sem importar raça,
credo, sexo ou qualquer outra distinção que a cabeça torta dos segregacionistas
queiram fazer, se misturavam, interagiam, matavam-se uns aos outros, ás vezes
se casavam, gerando uma mestiçagem danada, mas sempre acabavam formando uma
comunidade, na qual a única coisa que no fundo importava era a sobrevivência.
Tudo por conta de uma ideia que colocava a liberdade acima de tudo.
Na
tradição comum que inspira as estórias dos westerns, o Oeste é uma utopia a ser
construída por homens livres, nem sempre de bons costumes, mas todos
possuidores de uma ética que os leva a praticar certos atos e não outros. Assim
é que o fora-da-lei Cheyenne, personagem de Jason Robards, é um matador e um
ladrão por profissão, mas fica fulo da vida quando o acusam, injustamente, de
exterminar uma família inteira, inclusive crianças. Por conta disso, resolver
proteger e ajudar a viúva Jill (Cláudia Cardinale), a defender e manter sua
propriedade, que o bandidão Henry Fonda quer tomar.
No
mesmo plano está Charles Bronson, com seu enigmático personagem. Meio bandido,
meio mocinho, ninguém sabe de onde vem, nem para onde vai, e qual é a dele. No
fim se descobre que o que ele quer mesmo é vingar o assassinato de sua família,
perpetrado e executado por Henry Fonda, que ao que parece, é o grande vilão da
história. Por conta disso. Bronson, o homem da gaita, ajuda e protege a viúva
Jill (Claudia Cardinale), como se ela fosse uma dama desprotegida e ele uma
espécie de cavaleiro andante (arquétipo inspirador da maçonaria
espiritualista).
Aí
tudo se encaixa. Jiil, a prostituta, é a própria maçonaria. Viúva, ela se torna
uma espécie de “dama” dos heróis-vilões do filme, que por ela lutam e morrem,
como o personagem de Jason Robards. Os maçons são chamados, de "Filhos da
Viúva” e na tradição maçônica são os “construtores da humanidade autêntica”,
titulo distintivo de uma sociedade justa e perfeita, inspirada nas ideias
utópicas dos pensadores humanistas da Renascença (os chamados pensadores rosacrucianos,
em cujos ideais a maçonaria moderna se inspirou). E é isso que a prostituta de
New Orleans se torna ao adotar os desgarrados homens que vêm construir a
estação da estrada de ferro que passará pela sua fazenda. Em volta dela nascerá
uma utópica cidade: Sweetwater (Água Doce).
A
história da prostituta Jill é a história da viúva corajosa que “constrói o
Oeste”, terra da liberdade, onde a igualdade se conquista pelo mérito pessoal
(ou pela força das armas) e onde, muitas vezes é preciso praticar a fraternidade
por mera questão de sobrevivência. Era “Uma Vez No Oeste” tem tudo isso. Homens
impiedosos, mas justos a seu modo, se unem para enfrentar o verdadeiro mal. É
uma clara metáfora maçônica.
Os
personagens que ajudam a prostituta Jill (e não poucas vezes os adversários da
maçonaria a tem comparado com uma prostituta, que aceita qualquer um em sua
cama, desde que possam pagar), ou tentam prejudicá-la, são incidentais como os
homens que entram na maçonaria. Entram no filme, cada um com seus vícios e virtudes,
fazem o que tem que fazer e saem dela sem deixar vestígios. No fim, o que fica
é a obra que eles constroem, muitas vezes com sangue, suor e lágrimas. Ali
estão vícios que se superam e virtudes que se elevam.
E
o que mostra a cena final de “Era Uma Vez No Oeste”, onde a pequena cidade que
está sendo construída pela “viúva”, representa o triunfo de uma ideia, onde os
personagens não contam, mas o resultado sim.
Por
fim, fica a maravilhosa música tema do filme. Toda vez que a escuto em uma Loja
penso que se Sérgio Leone não era maçom iniciado, ele sabia muito mais de
maçonaria do que muitos Irmãos 33. E talvez Ênio Morriconi, o compositor dessa
joia musical, também.
De
qualquer forma, a maçonaria é toda simbólica. E como tal ela se parece com uma “gestalt”.
É só procurar que a gente acha nela o que a gente quiser. E quem quiser que
assista “Era uma Vez no Oeste” para conferir.
SÉRGIO
LEONE, UM MAÇOM NO VELHO OESTE.
Filme:
Once Upon a Time in The West- Era Uma Vez No Oeste
Diretor:
Sérgio Leone Estrelado por Henry Fonda, Charles Bronson, Claudia Cardinale e
Jason Robards.
Música:
Ennio Morriconi. Ano da produção: 1968
Sinopse:
Um assassino a soldo do proprietário de uma estrada de ferro extermina
brutalmente uma família dona de uma fazenda em meio ao deserto, por onde
deveria passar os trilhos. A fazenda é herdada por uma prostituta de New
Orleans, com quem o chefe da família assassinada se casara. Quando ela aparece
para tomar conta da herança sangrenta, o assassino passa a assediá-la para
ficar com as terras. Ela acaba se envolvendo com dois misteriosos e soturnos
pistoleiros que acabam se tornando seus protetores contra a sanha do assassino
e a ganância do empresário dono da estrada de ferro.
Fonte:
JB News
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