Tito não é castigo. Ele é a coisa que eu mais amo na vida

*Por Barbosa Nunes

Escrevo como sempre faço às quintas feiras, sob o impacto do desencarne de um homem simples e bom, amigo e fraterno irmão de ordem maçônica, Adão Moreira da Costa. Um guerreiro vencedor. Fez o melhor, conservou a fé, plantou a semente que nasceu em seu coração, orientando na luta de prevenção e recuperação do uso de drogas no Grupo AA “Alcoólicos Anônimos” e em “Maçonaria a Favor da Vida – Contra as Drogas”. Combateu o bom combate. Encerrou a carreira nesta encarnação, alcançando aperfeiçoamento. Homenageio-o e me alegro de ter com ele convivido e viajado por este estado inteiro, levando a mensagem e o exemplo de um ser humano que venceu a si próprio na luta pela independência em relação ao uso do álcool.
O tema do artigo de hoje, antecedido pela notícia narrada no parágrafo anterior e que muito me entristeceu é “paralisia cerebral”, inspirado no livro mais vendido no momento em todo o Brasil, “A Queda”, Memórias de um pai em 424 passos, do jornalista Diogo Mainardi. Leia mais
Paralisia cerebral é uma lesão de uma ou mais partes do cérebro, provocada muitas vezes pela falta de oxigenação das células cerebrais, acontecendo durante a gestação, no momento do parto ou após o nascimento, ainda no processo de amadurecimento do cérebro da criança.
Diogo Mainardi é jornalista, escritor, colunista que se tornou muito conhecido por coluna semanal que escreveu durante muitos anos na Revista Veja. Polêmico, verdadeiro, ferino e muitas vezes injusto, o que lhe trouxe amigos e inimigos. Em certa época acumulou mais de 200 processos cíveis e penais contra si, por “crimes de opinião”, relacionados ao conteúdo de seus comentários.
No seu livro da Editora Record, “A Queda”, que sugiro a leitura, ele “espanta e emociona ao revelar o quanto aprendeu com seu filho e generosamente, nos dá a chance de fazer o mesmo, mostrando-nos que “saber cair tem muito mais valor do que saber caminhar”.
“Tito tem uma paralisia cerebral”, esta é a primeira frase do livro. Tito nasceu em 2000, em hospital de Veneza que conforme é registrado pelo autor, “o hospital errou no parto de Tito. O erro acarretou sua paralisia cerebral”. Diogo relata que “o sistema, com suas regras, com suas normas e com seus procedimentos falhou – falhou repetidamente – durante o nascimento de Tito”.
Relata no passo 52, ele um homem que se declara ateu que:
“Vi-o pela primeira vez em um dos claustros do hospital de Veneza. Eu acabara de conversar com o pediatra que acompanhara seu nascimento. Ele dissera que Tito permanecera sem ar por tempo demais. Ele dissera também que Tito morreria.
Voltando à maternidade, depois de conversar com o pediatra, cruzei com um menino recem nascido na incubadora. O menino recem nascido na incubadora estava no corredor de um claustro, estacionado em um canto. Ninguém o atendia. Onde está o médico? Onde está o enfermeiro? Onde está o pai?
Olhei-o de relance. Olhei-o novamente. Ele estava imóvel com o corpo mole e um tubo no nariz. Seu rosto era verde. Li seu nome escrito em um esparadrapo colado na tampa da incubadora: “Mingardi”.
Mingardi era igual a mim. Eu era igual a Mingardi. O menino recém nascido na incubadora era meu filho. Mingardi era Mainardi. Até nisso o hospital de Veneza errou: em seu nome”.
A transformação dolorosa naquele momento aconteceu como um raio na mente e no coração do jornalista que afirma:
“Até aquele momento, eu que sempre pensara que, se meu filho permanecesse em estado vegetativo, eu esperaria que ele morresse.
Depois do primeiro contato com Tito no corredor do claustro do hospital de Veneza, tudo se transformou. Eu só queria que ele sobrevivesse, porque eu o amaria e o acudiria de qualquer maneira. Entre a vida e a morte, aferrei-me à vida”.
A narrativa emociona, traz lágrimas e nos permite meditar e fazer uma autocrítica, e nos revoltarmos com a exclusão praticada pela sociedade, por muitas escolas, por pessoas que fogem e se afastam dos portadores de deficiências e de famílias que escondem especiais filhos.
Em um dia que passou na UTI, Diogo, de coração aberto como um pai fragilizado pela tristeza, porem com intenso amor, diz:
“Acariciei o rosto de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei o peito de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei a perna de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei as costas de Tito. No momento em que acariciei suas costas, deu-se o inesperado. Subitamente, ele contorceu o corpo e arqueou a coluna. Tito ressuscitou.
Chorei por meia hora. Depois de ter chorado por meia hora, chorei por uma hora. Depois de ter chorado por uma hora, chorei por duas horas.
No dia seguinte, retornei à UTI do hospital de Pádua. Imediatamente, acariciei as costas de Tito. Ele arqueou-se com uma intensidade ainda maior que no dia anterior. Chorei por duas horas”.
O livro é um documento científico, histórico, cultural e humano, devendo ser lido e relido, com atenção especial.
O hospital foi responsabilizado judicialmente. A sentença provou que houve erro médico, com indenização que faz parte hoje de um fundo em favor de Tito.
Estou emocionado com a passagem para o mundo espiritual do meu bom amigo Adão Moreira e com o livro “A Queda”. Em muitos momentos da leitura, também chorei, mas a frase que me marca como vitória do amor é esta:
“Tito não é castigo. Ele é a coisa que eu mais amo na vida”.
O tal amor a que ele se refere virou sua vida de ponta-cabeça. Nos últimos 12 anos, Diogo Mainardi passou a orbitar em torno do filho”.
Tito acostumou Mainardi ao chão para que ele pudesse ver-se livre da imagem que se colou a ele ao longo da última década, quando Mainardi encarnou um tipo de personagem de si mesmo, angariando tanto a devoção de alguns, quanto o ódio de outros.
Mainardi derrubou num golpe a fantasia heroica e o abandono depressivo, deitando ao chão quem sabe e não sabe cair, levando de roldão o desamor que tem se fixado junto à literatura sobre filhos com deficiência. Ele ama seu filho como ele é, e faz do livro, verso à paralisia cerebral, sem envergonhar-se, colocando felicidade e deficiência numa mesma frase.

*Barbosa Nunes, advogado, ex-radialista, delegado de polícia aposentado, professor e Grão-Mestre da Maçonaria Grande Oriente do Estado de Goiás – barbosanunes@terra.com.br

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