Um bruxo

CULTURA
Por Menalton Braff - Revista Bula
Machado de Assis
Era autodidata, o bruxo do Cosme Velho, mas como entendia da alma humana! Para usar a linguagem da era da tecnologia, ele tinha um entendimento de alta resolução do ser humano. É de se admirar que tivesse uma visão niilista, pessimista, da existência?

Tenho-me lembrado, ultimamente, com muita frequência de Machado de Assis. Sobretudo de seu conto “O Espelho”. As coisas acontecem em nossa volta e, como no conto do Monteiro Lobato, a realidade copia a ficção.Leia mais

Alguns dos leitores, infelizmente, não conhecem Machado de Assis, muito menos o conto aludido. Não é inútil, portanto, um resumo. O ideal, é claro, seria a leitura do conto, pois o conto é seu discurso, mas supondo que isso vá demorar a acontecer, ou que não aconteça jamais, não vejo outro recurso senão o resumo.


O narrador do conto, o protagonista Jacobina, desenvolve, em conversa com seus amigos, a teoria de que todos nós temos duas almas: uma interior e outra exterior. Como comprovação de sua teoria, conta a história de um jovem oficial do exército imperial brasileiro. (Técnica conhecida como mise en abyme). Em toda sua família, ninguém, até então, galgara tão alto a escala social. O jovem oficial é o orgulho e a esperança de redenção dos parentes. Só tira o uniforme para dormir.

Um dia, por razões fortuitas, encontra-se inteiramente sozinho em uma casa de fazenda, onde fora visitar sua tia, e de onde, depois de uma viagem forçada da família, até os escravos somem. Resolve, para não sujar seu rico uniforme, vestir uma roupa comum. Ao passar pela frente do espelho, leva um susto enorme: sua imagem não está lá. Não tem para quem apelar, não consegue imaginar o que acontece. Angustiado, com medo, resolve partir daquela casa maldita, em que deixara de existir.

Vai ao quarto e veste apressadamente o uniforme para a viagem. Grande surpresa, quando passa novamente pela frente do espelho: sua imagem está perfeita, irretocável. Sem saber como, ele recupera sua alma exterior.

Machado tinha como uma de suas características mais fortes revelar a realidade por baixo das aparências e resolveu de forma narrativa a exposição desse, que é um dos grandes vícios do ser humano.

Quanta gente conheço que não pode tirar o uniforme!

Postar um comentário

0 Comentários