por Jean-Moise
Braitberg - Tradução José Filardo
Sete séculos depois de combater os cátaros nas condições
que conhecemos, a Igreja Católica acaba de pedir perdão. Além da ideia muitas
vezes mitificada e tingida de esoterismo que temos dessa heresia medieval
atualmente, este ato de arrependimento reflete a permanência do sentimento de
que, todas as identidades, incluindo aquela que se atribuem os maçons repousa
sobre a ideia de que o inferno é sempre o outro.
Foi em 16 de
outubro na igreja da vila de Ariege, Montségur, muito pequena para acomodar as
centenas de pessoas, a maioria nunca indo à missa, que chegaram para participar
de um evento que em outros séculos revolucionaria a cristandade. Mas neste dia
de outono, este ato solene de “arrependimento” passava apenas pelo que era: uma
cerimônia folclórica destinada a acomodar um “occitanismo” que criara raízes no
solo fértil de uma identidade religiosa “cátara” construída na era moderna. No
entanto, o catarismo tocou igualmente o norte da França e foi lá também tão
cruelmente reprimido quanto no Languedoc (ver caixa).
Evento de âmbito
folclórico, portanto, vez que limitado aos católicos da região de Ariége. Não
era, de fato, a Igreja universal, quem pedia perdão, mas, como foi dito durante
a cerimônia, os representantes dos católicos de Ariége: “Nós, os fiéis
católicos que estamos em Ariège pedimos perdão de nosso Senhor, mas também a
todos aqueles que perseguimos (…)” palavras emocionantes! Compreende-se mal, no
entanto, o significado de um perdão formulado por uma igreja cuja legitimidade
contemporânea é baseada em uma história que ela renega. Ainda mais que não se
pode entender como, sete séculos mais tarde, o ato de arrependimento da igreja
de Ariège pode aliviar o sofrimento daqueles que ela perseguiu. A menos, é
claro, que se acredite em fantasmas e fantasmas que através do culto da
lembrança e do dever de lembrar, parecem assombrar muito mais a consciência dos
povos que a necessidade de fraternidade entre os vivos. “Este perdão, eu apoio,
mas é uma história interna dos católicos. Isso lhes dá prazer, para que se
sintam melhor por ter perpetrado um massacre” devia declarar no final da
cerimônia em 16 de outubro, Eric Delmas, secretário da associação “Cultura e
Estudos Cátaros”, apresentando-se ele mesmo como um cátaro do século XXI.
Então, quem foram
esses hereges chamados hoje de cátaros, mas que em seu tempo ignoravam essa
palavra? O termo cataros só se tornou generalizado para descrever os hereges do
Languedoc e em outros lugares que, desde o século XIX. Ele não foi, no entanto,
uma invenção. Em vez disso, uma ressurreição. Propõe-se com frequência uma
origem grega: o termo catharoi – καθαροί – que significa “puro”. Ele é usado no
oitavo cânone do primeiro Concílio de Nicéia (318 da era vulgar) e designa os
Novacianos, estes “fundamentalistas” que recusavam o perdão aos apóstatas e a
admissão de assassinos e adúlteros aos sacramentos. Na Idade Média, o mais
antigo documento conhecido em que aparece o termo cátaro é um ato de Nicolas,
Bispo de Cambrai (1164-1167), que registra a condenação imposta pelos bispos de
Colônia, Trier, Liège, entre 1151-1152 e 1156, contra um clérigo, Jonas,
“convencido da heresia dos cátaros”. Sem especificar a natureza da heresia.
Os adoradores do
gato preto
Em 1163,
encontramos o mesmo emprego em um sermão do abade Eckbert de Schönau para
designar os hereges da Renânia. Em seu manuscrito de 1164, Liber contra hereses
katarorum, ele retomou o termo, mas o toma emprestado de Santo Agostinho, que
usou o termo cahtaristae para se referir aos seguidores do dualismo maniqueísta.
Mas se os cátaros de que fala Eckbert criticavam a hierarquia da igreja, não
comiam carne e pretendiam ser castos, eles não constituíam, por isso, uma
contra igreja. Além disso, os contornos do catarismo são também difíceis de
definir tanto geográfica quanto doutrinariamente. Os Bogomilos na Bulgária e
nos Balcãs, os Patarinos na Itália, bugres e tecelões, na França, o seu
principal ponto comum parece ser o seu questionamento da autoridade quanto à
legitimidade do clero e, consequentemente, ter sido objeto de uma ferocidade da
igreja em os demonizar.
É assim porque a
doutrina dos cátaros é se não muito vaga, pelo menos mal definida onde os
contornos semânticos do termo que a designa são sinuosos. À pureza evocada pelo
termo catharoi, opõem-se seu contrário: a impureza do katarroos,
o termo médico catarro para uma infecção com fluxo. Para os demonizar, faz-se
dos hereges adoradores do gato – catus em latim – de
preferência preto, segundo o teólogo do século XII, Alain de Lille, que o
empresta do inglês Walter Map: “Então desce por uma corda pendurada no meio, um
gato preto de um tamanho incrível (…) e cada um deles o beijava, uns sob a
cauda, a maioria nas partes mais vergonhosas (…)”. Evocação felina que facilita
a proximidade em alemão da palavra Katz, que designa o gato, com o termo ketzer
designa o herege. Os hereges beijam então o cú do gato antes de se dedicar
entre si a todos os tipos de baixeza. E onde eles cometem essas infâmias? Em
uma sinagoga, nos revela Walter Map. “Então esse é o fim da história, os
cátaros eram judeus, pois se reuniam em sinagogas, e vice-versa! ” escreve
Gerald Messadié em sua” História geral do anti-semitismo “.
A única coisa certa
sobre o uso da palavra cátaro é que ela não era usada no Languedoc medieval,
nem por aqueles designados hoje por esse nome, nem pela Inquisição encarregada
de os interrogar. É o termo mais geral, herege, às vezes Albigense, embora Albi
jamais tenha sido o centro da heresia, que está mais em uso.
É da própria
natureza de toda religião constituída procurar a causa da heresia. Toda
doutrina de alcance universal gera, necessariamente, contradições nascidas da
administração de interesses conflitantes. Se a palavra religião é derivada do
verbo religare – religar – os laços de religião, que são baseados em crenças
tão incrível quanto questionáveis, têm naturalmente a tendência de se tornar
mais flexível do que se estreitar. Especialmente quando tais ligações parecem
não ter outra finalidade que fazer crescer uma casta.
Por isso, em todas
as épocas, vozes se elevam para reformar a religião, invocando uma pureza
doutrinária original, ou alegada como tal, que convém restaurar. Mesmo ao preço
dos rigores do fundamentalismo. É exatamente isso o que aconteceu com o
cristianismo no início do século XI, quando a igreja começou o grande movimento
de reestruturação e regresso às fontes conhecidas sob o nome de Reforma
Gregoriana. Opondo-se os príncipes, chegando a excomungar o Imperador Henrique
IV, o papado pretendia restaurar seu poder unificador usando como pretexto a primazia
do espiritual sobre o temporal. A reforma, que durará mais de dois séculos
tornou o clero mais independente, formulou o direito canônico, pregou a pobreza
dos clérigos, instaurou o celibato clerical e reforçou a palavra evangélica.
Não admira então que neste movimento geral, algumas pessoas tenham acusado a
igreja de falta de zelo em denunciar os vícios que a roíam.
Nesse sentido, o
catarismo era muito mais um fundamentalismo cristão que uma heresia. Mas
querendo ser mais cristãos do que a Igreja “oficial”, os fundamentalistas do
século XII inevitavelmente entraram em confronto com o centralismo romano
autoritário que queria precisamente reduzir os feudos religiosos. O que explica
por que uma das principais tarefas da Inquisição era forçar os hereges a
confessar a existência de uma “contra igreja”. Para isso recorreram ao arsenal
heresiológico herdada dos pais da Igreja que combateram o arianismo e o
maniqueísmo nos primeiros séculos do cristianismo. Houve, como já se
argumentou, e ainda se sustenta, uma contaminação balcânica do Languedoc no
século XII? Não há evidência disso hoje.
Em relação ao
conhecimento preciso da teologia, ou a falta de teologia cátara avançou-se
muito pouco. E por uma razão evidente: ao contrário do que aconteceu três
séculos mais tarde para a Reforma, os hereges do Languedoc não dispunham de
imprensa para afirmar canonicamente as suas teses e doutrinas. Estas foram,
portanto, propagadas principalmente por via oral com todas as aproximações,
interpretações, adições e omissões que este modo de transmissão supõe.
Doutrina cátara
Os Evangelhos,
especialmente aqueles de João e Lucas, traduzidos para o vernáculo são as
principais fontes de educação “cátara”, os manuscritos mais específicos sobre a
doutrina são escassos, as fontes de uma heresia que considerava o mundo como a
criação ruim eram tiradas diretamente da Bíblia: “Não ameis o mundo, nem o que
há no mundo; se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo
que há no mundo, ou seja, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos
e a soberba da vida, não vêm do Pai, mas do mundo ” (1 João 2:15-16)
A principal fonte
documental sobre o “catarismo” é constituída assim pela soma considerável de
testemunhos, depoimentos, entrevistas e comentários acumulados pela Santa
Inquisição encarregada de lutar contra a heresia de Languedoc. Confiada aos
dominicanos e franciscanos na década de 1230, a inquisição no Languedoc era
geralmente conduzida por prelados vindos do Norte que utilizavam intérpretes
para transcrever as respostas dadas em diferentes dialetos locais. Exceção
notável, os casos instruídos entre 1318 e 1325 pelo bispo de Pamiers, Jacques
Fournier, que será eleito papa em Avignon sob o nome de Bento XII em 1334, são
de uma precisão notável e constituem a fonte mais confiável sobre a realidade
sociológica da heresia. Conservados na Biblioteca do Vaticano, este documento
traduzido por Jean Duvernoy, serviu principalmente a Emmanuel Leroy-Ladurie
para escrever sua história notável: “Montaillou, Aldeia da Occitânia”.
Uma anti-igreja
elitista
Dados os seus
muitos aspectos, ao norte e sul da França, no Vale do Reno, nos Balcãs e na
Lombardia, o catarismo – tomemos o termo para facilidade de uso – se ele não é
uma contra igreja, seria, muito mais uma anti-igreja, no sentido de que os
valores cristãos que ele alega são interpretados e apresentados em uma série de
significados contradizendo sistematicamente aqueles oferecidos pela igreja
oficial. A instituição é fortemente hierárquica? Os cátaros restringem a
hierarquia a um grau ou dois, no máximo. A igreja e os seus príncipes são
ricos? Os cátaros pregam a pobreza. A igreja baseia sua autoridade em dispensar
seus sacramentos? Os cátaros rejeitamos sacramentos, exceto o do consolo, ao
mesmo tempo batismo, ordenação e extrema unção. Os clérigos, muitas vezes
transigem com a castidade? Os cátaros a tornam uma virtude primária, porque o
ato carnal conduz à perpetuação do mundo ruim. A Igreja proíbe comer carne
apenas na sexta-feira e na Quaresma? Os cátaros são vegetarianos e fazem jejum
todos os dias. A igreja exalta a salvação pelas obras nesta vida? Os cátaros
acreditam que a salvação só pode acontecer depois de um retorno ao nada de onde
se vem a este mundo. Os católicos fazem votos e juram, os cátaros recusam
qualquer juramento e se abstêm de mentir. Assim, no processo de desenvolvimento
da heresia cátara, não é a doutrina que estrutura uma comunidade, mas sim a
oposição radical a uma igreja considerada corrupta que forja gradualmente a
doutrina de uma pureza evangélica absoluta. Da rejeição da instituição,
passa-se insidiosamente a rejeitar sua doutrina. Ou, pelo menos, a uma
reinterpretação radical da doutrina cristã.
Para os cátaros, a
realidade se impõe: o mundo está sofrendo, o mal é galopante e aqueles que são
responsáveis pela aplicação da doutrina do bem se comportam mal. Conclusão
lógica, o Bom Deus do evangelho não pode ter criado um mundo mau e aqueles que
assim afirmam são mentirosos. Embora influência direta do maniqueísmo e do
Paulicianismo possa ser encontra nos escritos cátaros, nem nos registros da
Inquisição, a analogia, se não o parentesco é real. (Veja o quadro). As mesmas
causas levam aos mesmos efeitos, sem dúvida, devemos nos contentar em explicar
esta analogia por uma mesma reação de rejeição da instituição eclesiástica em
diferentes redutos de heresia no seio da cristandade, sem que nenhuma ligação
entre eles tenha sido provada até hoje.
Para os cátaros do
Languedoc, os Tecelões do norte da França, os Patarinos da Itália e os
Bogomilos dos Balcãs, uma leitura fundamentalista do Novo Testamento levou a
uma dicotomia radical entre o reino de Deus e do Céu, perfeição absoluta, e o
mundo material terrestre, corruptível e efêmero. A origem do mal não podendo
ser atribuída à ação de um Deus sumamente bom e perfeito, ela não pode ser a
obra de um princípio do mal no contexto de um mundo inacabado até que os homens
não permitirão à luz do bem se destacar da escuridão da matéria com o
desaparecimento da mesma. E esta operação só é possível pela graça do Espírito Santo
que proporciona o consolo administrado pelos homens de bem que são os “homens
bons” e acessoriamente, as “boas mulheres” que receberam o poder de seus pares.
Tal religião, que
não se limita aos ritos, exige a manipulação de conceitos filosóficos, principalmente
platônicos, relativamente complexos. Ela repousa, portanto, em uma casta
elitista de “perfeitos”. Por isso, segundo relatam que os registros da
Inquisição, o Catarismo nunca foi uma religião popular. “Aparecem apenas os
comerciantes, advogados e notários, aos quais se juntam muitos pequenos nobres,
habitantes das cidades, assim como vilas e castelos. (…) sua natureza elitista,
a torna uma religião minoritária, afetando no máximo 2 e 5% da população do
Languedoc. Essa fraqueza numérica e sua falta de caráter popular favorecem seu
desaparecimento rápido, quando a repressão se abate sobre ela, assumindo duas
formas sucessivas: a cruzada e a Inquisição”, escreve o historiador Jean-Louis
Biget (2).
Retorno do
reprimido
No entanto, se a
heresia dos cátaros foi erradicada como tal, ela conheceu um destino
extraordinário na forma como as ideologias e as filosofias mais contraditórias
foram utilizadas para inventar uma genealogia. Se a heresia albigense reaparece
ao longo dos séculos entre vários autores como Bossuet, para a refutar mais uma
vez, é no século XIX, que ela faz seu grande retorno, com a invenção do
catarismo e de seu simbolismo carregado de romantismo, de anticlericalismo e de
esoterismo. Em 1994, uma conferência organizada pelo Centro de Estudos Cátaros
(3) analisou finamente os diferentes componentes do edifício imaginário cátaro,
que, dos protestantes aos maçons, passando pelo nazismo, os neo-Templários e os
antropósofos reintegram espetacularmente o retorno da perseguição reprimida na
fantasia de uma pureza cristã com aura de prestígio de sua vitimização. É
compreensível, já que todos os perseguidos, todos os párias – e procurando bem,
que não os tenham entre seus ancestrais ou parentes – têm procurado justificar
a sua legitimidade moderna através do doloroso passado cátaro. Começando com os
protestantes cuja atitude em relação aos cátaros era inicialmente de desprezo,
em seguida, em um movimento confundindo esses últimos com os valdenses, acaba
por criar antepassados putativos. É assim ao teólogo protestante alsaciano
Charles Schmidt (1812-1895) que devemos a “ressurreição” do termo cátaro em uma
“História e doutrina da seita dos cátaros ou albigenses”, publicada em 1849. Em
seguida, foi a vez do pastor de Ariége, Napoléon Peyrat (1809-1881) publicar em
1872 uma “História dos Albigenses” em cinco volumes. É a Peyrat que devemos a
ressurreição do mito romântico dos cátaros inocentes, “protestantes da Idade
média”, Camisards huguenotes precoces, perseguidos pelos povos do Norte, pela
igreja, os reis, o Papa … em suma, tudo por que, e em nome de quem a igreja de
Ariége – que talvez se tenha involuntariamente tornado protestante –
desculpou-se em 16 de outubro. Pagando passagem à “doutrina” cátara das origens
indianas e Alexandrinas, foi ele que reativou a memória de Monsieur, centro,
literalmente, bem como figurativamente, da tragédia dos cátaros que viu em
1244, após o sítio do castelo, o sacrifício de duzentos e vinte perfeitos que
se recusaram a renunciar à sua doutrina e foram queimados vivos em um pasto. É
também um protestante, americano desta vez, o Quaker Henry Charles Lea, que
publica em 1900 uma história da Inquisição na Idade Média. O livro, traduzido
pelo arqueólogo e antropólogo Solomon Reich, faz dos cátaros um tipo de
livre-pensador antecipado, apóstolos da tolerância. Daí a assunção do
catarismo, nestes anos de republicanismo de luta, pelos círculos anticlericais,
mas também pela corrente esotérica neo-Templária e Rosacruciana.
Cátaros,
Templários, Maçons na trilha do Santo Graal
Foi Eugene Aroux
(1795-1859) um literato italiano pouco focado na fantasia histórica, que lançou
a primeira ideia de uma relação entre cátaros e templários. Apaixonado pela
obra de Dante Alighieri, ele publicou em 1856, um livreto sobre a “Divina
Comédia”, intitulado “A chave da comédia anticatólica de Dante Alighieri,
pastor da Igreja Albigense na cidade de Florença, afiliado à ordem do Templo,
dando a explicação da linguagem simbólica dos fiéis do amor em composições
líricas, romances e épicos de cavalaria dos trovadores “. Os devaneios de Aroux
não se contentam apenas em transformar os piedosos e castos Homens Bons em
trovadores, cantores do amor cortês. Eles também estão com os Templários, um
dos elos que levam a Maçonaria. Em resumo, os cátaros eram iniciados que tendo
herdado os antigos mistérios do Egito através dos gnósticos, preservaram o
Santo Graal em grande segredo. Eles os remetem aos Templários que teriam se
apossado dele antes de fugir em Aragão, depois para a Escócia, onde fundaram a
maçonaria. Você sorri? Mas muitos são os que acreditaram e alguns ainda
acreditam nessa fábula. Entre outras bobagens, Eugene Aroux imaginou que
existia dentro da Ordem dos Templários, uma sociedade secreta chamada o
Massénie do Santo Graal que teria criado a Maçonaria. Naturalmente, alguns
maçons, já convencido da existência real do Templo de Salomão e da verdade
histórica da lenda de Hiram se precipitaram com entusiasmo neste turbilhão
esotérico obscuro. “Com cerca de 26 anos, ingressei na Maçonaria. Encontrei com
ela o caminho das catedrais (…) E agora o caminho das Catedrais, das igrejas
românicas ficou claro para mim, límpido, assim como os romances do Graal. Mas
foi o catarismo que me atraiu mais profundamente. Eu fui a Peyrepertuse, e
também a outros lugares. Na Capela do Graal, eu chorei. E quando saí do país
cátaro, eu ainda chorava … Eu encontrei um gato psíquico, um mestre do amor …
“(4) confiei em um ” iniciado” membro de uma massénie do Santo Graal moderna
fundada em 1973.
Foi o suficiente
para atrair alguns espíritos mais ávidos por fantasias medievais, bem como de
ciências ocultas. Joséphin Péladan foi um deles. Envergando o título Oriental
místico de Sar Mérodack, este crítico de arte e escritor simbolista decadente
fundo em 1891 a Ordem da Rosa-Cruz Católica do Templo e do Graal. Enquanto os
republicanos anticlericais viam nos cátaros os precursores do livre pensamento,
ou do espírito do Iluminismo, Péladan, ao contrário, se inspira no catarismo
assumindo como missão “desintoxicar a França do seu materialismo”. Próximo do
ocultista e fundador da ordem Martinista, o lionês Gerard Encuase, dito Papus,
Péladan é também um admirador fanático de Wagner. Que relação com os cátaros?
Parsifal, é claro. A famosa ópera criada por Wagner em 1882 foi inspirada no
épico medieval Parzival de Wolfram von Eschenbach e Perceval ou o Conde do
Graal de Chrétien de Troyes. Seu libreto começa com esta frase: “No céu há um
castelo e seu nome é Monsalvat. “Droga, mas … é claro! ” deduz imediatamente Péladan:
“A ficção e história, a este respeito, respondem com um paralelismo singular:
os Templários não realizam a ordem do Graal, e Monsalvat não era um nome real,
Montsegur? ” escreveu ele em 1906 em um panfleto intitulado “O segredo dos
trovadores, de Parsifal a Dom Quixote”.
O mito do Graal
associado a Montsegur não cessou, portanto, de ser explorado por uma corrente
neorromântica esotérica e Occitanista alimentada por tudo o que a terra tem de
néo-gnósticos, Martinistas, Rosacruzes, ganhos, por vezes, pela maçonaria como
Déodat de Roché (1877-1878) (ver caixa)
Ocultismo cátaro:
Déodat Roché e Antonin Gadal
Déodat Roché,
próximo do ocultista Papus foi em sua juventude discípulo de Jules Doinel
(1842-1902), martinista, espiritualista, teósofo, maçom do Grande Oriente de
França (GODF) e primeiro bispo da Igreja Gnóstica sob o nome de Valentin II.
Arquivista em Carcassonne, Doinel fará de Déodat Roché o “bispo gnóstico” de
Carcassonne e o fez entrar na Maçonaria na Loja do GODF Les vrais amis réunis
de Carcassonne, à qual ele permaneceu fiel até o fim de sua vida,
surpreendentemente longa para um seguidor da ideia de que o corpo não passa da
prisão da alma… Se Déodat Roché era maçom e se considerava cátaro, ele foi
principalmente capturado pela Antroposofia de Rudolf Steiner, que lhe serviu de
prisma para interpretar o significado do catarismo, assim como o da Maçonaria.
Na década de 30, a outra figura no Languedoc do ocultismo catarisante foi
Antonin Gadal (1877-1962). Um nativo de Tarascon-sur-Ariège, este professor
tornou-se guia do sindicato da iniciativa de Ussat-les-Bains, fora discípulo de
Adolf Garrigoux, pequeno notável local, antigo carbonário, adepto de esoterismo
e arqueologia, convencido de que as sociedades de “carbonários” tinham mantido
a conexão com o “puro catarismo” através dos lesfaiditas, estes cavaleiros do
languedoc despojados de seus bens durante as cruzadas e vivendo na
clandestinidade. Convencidos de que as cavernas da região, refúgio dos últimos
cátaros, tinham preservado o traço “psíquico”. Gadal afirmava que seu mentor
tinha recebido em 1822 a transmissão da “Força do verdadeiro cristianismo da
Igreja Cátara” nas enormes grutas de Lombrives. Gadal foi membro tardio dos
Rosacruzes de Ouro e se considerava a reencarnação do cavaleiro Galaad, de modo
que ele esteve na origem do “Monumento a Galaad” de Ussat em torno do qual, a
cada cinco anos, os Rosacruzes de todo o mundo vêm se recolher antes de
excursionar pelos Pirineus em busca de vestígios da “Tríplice aliança da Luz”.
Hitler, um cátaro?
Estas maravilhas
nascidas de uma imaginação tão fértil quanto confusa experimentaram nos anos 30
um desenvolvimento inesperado quando Gadal encontrou o iluminado romântico e
futuro SS alemão Otto Rahn (1904-1939), que se estabeleceu em 1934 no Hotel des
Marronniers de Ussat-les-Bains. Rahn tinha acabado de publicar seu primeiro
romance “Cruzada contra o Graal” em que ele tomou e desenvolveu as elucubrações
de Péladan sobre a identificação de Montsegur com Montsalvage. Então, sob a
influência de Gadal e suas teorias esotérico-gnósticas, ele publicou um segundo
romance, “A Corte de Lúcifer”, no qual ele sustentava a tese de que os cátaros
eram os herdeiros de um paganismo ariano iniciático estranho à tradição judia
do Antigo Testamento. “Moisés é que era imperfeito e impuro (…) Nós, os
ocidentais de sangue nórdico nos chamamos cátaros, como os orientais de sangue
nórdico se chamavam “Parsis”, os puros (…) nosso céu só apela àqueles que não
são criaturas de raça inferior, bastardos ou escravos (…) ” o livro foi muito
apreciado por nazistas que não sabiam como agir para libertar a Alemanha de
suas raízes judaico-cristãs, enquanto permanecia cristã. Himmler, que protegia
vagamente Otto Rahn, ofereceu o livro a Hitler com dedicatória do autor, por
seu aniversário em 1937. Rahn, em seguida, entrou para a SS para continuar suas
pesquisas sobre o Graal e o catarismo no seio da Ahnenerbe – Instituto de
pesquisa e ensino sobre o patrimônio dos antepassados. Após um estágio no campo
de Dachau para completar a sua formação militar, ele foi expulso do exército
por homossexualidade, e de acordo com o escritor Christian Bernadac, devido à
sua origem judaica. Seu corpo foi encontrado congelado em uma montanha em 1939.
Isso fez com que se dissesse ter ele sofrido a endura, a morte voluntária que
era necessário para o cátaro perfeito para sair deste mundo iníquo.
Pretendeu-se também, e alguns ainda afirmam que em 1944, durante os
setecentésimo aniversário da queima de Montsegur, um avião alemão havia traçado
com fumaça uma cruz celta segundo alguns, uma suástica segundo outros, no céu
de Montsegur. Conta-se ainda aos turistas que a SS realizou escavações
misteriosas ao pé da fortaleza…
Este inventário de
extravagâncias cataristas seria incompleta sem a Sociedade de Polares a que
pertencia o conhecido poeta da occitânia, teósofo e viciado em ópio, Maurice
Magre, co-fundador da Sociedade dos Amigos de “Montségur e do Santo
Graal”. Em 1937, os Polares empreenderam escavações para tentar encontrar o
“tesouro dos cátaros” ao pé da fortaleza de Montsegur. O orientalista Jean
Marquès-Rivière, budista, maçom renegado, antissemita e nazista participou da
aventura.
A cada ano, no dia
do solstício de verão, uma tropa de mais ou menos calmos iluminados e outros
adeptos das ciências ocultas sobem até as ruínas de Montsegur para participar
do nascer do sol, em que a luz penetra no recinto, de uma abertura à outra.
“Prova”, garantem alguns, de que a fortaleza foi um templo solar cátaro! O
único pequeno problema é que as ruínas atuais são bem posteriores ao castelo
cátaro que foi completamente destruído em 1244. Quanto aos outros “castelos
cátaros” nada em sua arquitetura permite distingui-los dos “castelos católicos”
da região.
Em uma boa lógica
comercial, dada a ampla gama de pessoas interessadas em tal abundância de
mistérios, o “País cátaro” é desde 1991 uma marca registrada, propriedade do
Conselho do Departamento do Aude. É por isso que hoje encontramos os embutidos
cátaros, mel cátaro, camisas cátaras, cestas cátaras e, o Languedoc agradece,
vinho cátaro. “(…) há um desejo de turistas de crer, de ouvir uma história. Na
verdade, os turistas, por seu interesse pelo catarismo, não aproveitam as
férias, para recusar e desafiar a ordem da sua própria sociedade? “. Assim
conclui o relatório da conferência de 1994 (5) dedicada ao imaginário
catarófilo. Não se podia dizer melhor.
Maniqueístas e
Paulicianos, os ancestrais dos cátaros?
Se uma afiliação
orgânica entre o maniqueísmo e o catarismo ainda está por ser demonstrada, é
certo que as analogias entre essas duas correntes religiosas são numerosas.
Mani, que deu seu nome ao maniqueísmo era um príncipe persa que viveu no século
III d.C. Sua doutrina combina elementos cristãos, zoroastristas, elcasaitas –
judeus cristianizados – e budistas. Para o maniqueísmo, o mundo consiste de
dois princípios opostos: luz e escuridão, um conceito que também inclui a noção
do bem e do mal, da vida e da morte, da alma e a matéria, e duas entidades
divinas, uma absolutamente boa, a outra completamente má. Estes princípios
misturando-se para dar o mundo e o homem, e cabe aos maniqueístas separar
novamente para liberar a luz ao final de várias reencarnações e abstendo-se,
para alguns “eleitos” de praticar o do ato da carne.
O Paulicianismo, nascido
após a perseguição contra o maniqueísmo, se espalhou no século VII, pela
Armênia e Grécia. A doutrina, que retoma o dualismo maniqueísta, tira o nome da
importância que atribui aos escritos de São Paulo. Os Paulicianos rejeitavam o
clero, a cruz, os santos, a Eucaristia, os sacramentos, o casamento e a
cerimônia das igrejas gregas e romanas. Eles defendiam uma leitura pessoal das
escrituras, a meditação e a oração. No século XI, os seguidores de Paulo
constituíram um estado militar que enfrenta o Império Bizantino em aliança com
os muçulmanos a partir do território da Turquia moderna. Finalmente derrotados
em 878, os seguidores de Paulo teriam, então, se espalhado por todo os Balcãs,
onde se tornariam a Bogomilos, e talvez pela Europa Ocidental e Itália, onde
estariam na origem do catarismo.
Cruzada contra os
cátaros: também no norte da França
O catarismo não
foi, de modo algum, um fenômeno estritamente do Languedoc. No século XI, a
mesma heresia, com pequenas variações, é encontrada na Lombardia, e, Flandres,
no Vale do Reno e na parte norte da França, onde foi perseguida tanto quanto no
Sul, conforme mostra a ação de Robert, o Bugre. Bugre significando na época
Búlgaro, por analogia com o Bogomilos. Este cátaro milanês renegado foi nomeado
inquisidor para a Borgonha por Gregório IX, em 1233. El se distinguiu pela
crueldade de seu zelo que o fez se opor ao arcebispo de Sens depois de ter
queimado cinquenta hereges em Charite-sur-Loire. Tornou-se inquisidor geral do
reino da França em 1234. Ele queimou hereges em Chalons-en-Champagne, Cambrai,
Peronne, Douai, Lille e, especialmente, Provins onde mandou para a fogueira 187
pessoas em 1239. A brutalidade do personagem era tal que levou a igreja a
amolecer e regulamentar os procedimentos inquisitoriais em Languedoc.
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