Por João Anatalino
Maçonaria, organização mundial
A maçonaria é uma instituição mundial, que
transcende a ideia de pátria, povo e religião. Por isso ela está espalhada por
todos os cantos do mundo, adotando como postulado o respeito pelas crenças e
tradições dos países onde ela se estabelece, afirmando a igualdade entre as
pessoas, o seu direito á liberdade e a prática da fraternidade entre os povos.
A maior parte do nosso conhecimento maçônico
se refere principalmente á maçonaria praticada no Ocidente, cujas origens
europeias são de conhecimento de todos os Irmãos.
Todavia, existem ritos maçônicos praticados
em outros continentes, especialmente o Oriente, onde os hindus desenvolveram um
tipo especial de maçonaria, ou em países do Oriente Médio, onde a maçonaria
ismaelita tem muitos adeptos.
Maçonaria
ismaelita
A maçonaria ismaelita é um rito desenvolvido
especialmente por maçons de origem muçulmana. É um tipo de maçonaria que não
tem filiação com as potências maçônicas ocidentais, já que suas Lojas se reúnem
sob a égide da chamada Antiga Ordem de Ismael, ou de Esaú, como também é
conhecida essa rede de Lojas maçônicas.
O principal fundamento da maçonaria ismaelita
é promover a reconciliação entre os povos, já que seus ritos, fundamentados na
história bíblica de Abraão e seus dois filhos, Isaque e Ismael, recriam essa
história e mostram ter havido, entre esses irmãos, uma reconciliação já nos
primórdios da ocupação palestina, onde os dois povos originados pelos filhos
daquele patriarca conviveram pacificamente.
As Lojas ismaelitas não são reconhecidas como
potências maçônicas regulares, mas congregam muitos Irmãos em vários países do
mundo. Existem Lojas desse rito tanto nos países orientais quanto no Ocidente.
A maçonaria ismaelita não é composta só de
muçulmanos. Há, em sua composição, Irmãos de todos os credos, inclusive
cristãos. Segundo nos informa Makenzie em sua Royal Ciclopaedia, o único credo
não admitido no rito ismaelita é o católico romano. Segundo algumas tradições,
essa disposição, de não aceitar católicos romanos em seus ritos, vem do fato de
essa Ordem maçônica ter origem na chamada Irmandade dos Assassinos, antiga Ordem
medieval fundada pelos muçulmanos no tempo das cruzadas, em oposição ás Ordens
cristãs estabelecidas pela Igreja de Roma, especialmente os Cavaleiros
Templários, Hospitalários e Teutônicos.[1]
Todavia, são admitidos protestantes e
católicos ortodoxos. Em cada Loja é utilizado o livro sagrado da respectiva
religião.
No Rito Ismaelita as Lojas são chamadas de
tendas, em referência aos acampamentos dos ancestrais hebreus. Esse antigo e
estranho rito maçônico trabalha com a história bíblica de Abraão, Isaque e Ismael,
desenvolvendo, em dezoito graus de riquíssima liturgia, um interessante
catecismo.
A Antiga Ordem de Ismael pretende possuir os
verdadeiros segredos que Deus comunicou a Abraão e serviu de fundamentos para
as bases do Judaísmo e do Islamismo. Embora as Lojas ismaelitas jamais tenham
obtido reconhecimento na maçonaria institucionalizada, ela desenvolve
importantes temas maçônicos que nos demais ritos reconhecidos são tratados
apenas de passagem. Esses temas são, especialmente, os motivos do eterno conflito
palestino-israelense, que ainda hoje causam muita preocupação ao mundo. [2]
Raízes
comuns dos ritos maçônicos
Embora a maçonaria ismaelita não seja
oficialmente reconhecida pelas demais potências maçônicas mundiais, não se pode
negar que ela guarda uma relação de identidade muito grande com as demais
práticas maçônicas. E isso não é sem razão, pois ambas tem as mesmas raízes, da
mesma forma que árabes e judeus são rebentos da mesma árvore.
Isso ocorre porque todo tipo de maçonaria
está, de alguma forma, fundamentada na tradição bíblica. Na verdade, a própria
idéia que informa a prática da maçonaria, seja ela de que tradição for, é uma
derivação da idéia que fundamentou a fundação de Israel como nação e o
desenvolvimento de sua crença como povo eleito de Deus, nação modelo para todos
os povos da terra.[3]
Nessa visão, que é bíblica, e por
consequência informa tanto a história do Ocidente quanto a do Oriente próximo
(já que tanto o islamismo quanto o cristianismo são ramos do judaísmo), o
proto-estado de Israel, antes de se tornar um reino semelhante aos demais
estados palestinos (após a instituição do reinado), é visto como a primeira
vivência maçônica institucionalizada. Isso porque a tese que fundamentou o
desenvolvimento do estado judeu está centrada na idéia utópica de uma nação de
“eleitos”, praticantes de uma fraternidade ligada pelos laços do sangue e da
religião, e pelo compartilhamento de uma forte tradição. Na prática, a nação de
Israel tinha traços de uma verdadeira Irmandade, muito semelhante a que vê na
maçonaria moderna. [4]
Árabes
e Judeus
Ao contrário do que se pensa não há uma
animosidade histórica entre árabes de judeus, embora a ideologia expressa nas
crenças religiosas dos dois povos tivesse concorrido para criar um ambiente de
hostilidade entre eles. O conflito histórico existente na Palestina é entre os
povos cananeus, hoje representado pelos palestinos, e Israel. A confusão, nesse
caso, se estabelece pelo fato de os palestinos falarem a língua árabe e
professarem a religião muçulmana, o que os aproxima dos povos árabes.
Na verdade, ao longo da história, judeus e
árabes conviveram com mais facilidade do que judeus e cristãos e cristãos e
muçulmanos. Essa realidade foi mais visível na época das cruzadas, por exemplo,
quando os cristãos ganharam a inimizade tanto de árabes quanto de judeus, pois
eles apareceram como invasores numa terra estranha, massacrando indistintamente
tanto uns quanto outros. Daí, provavelmente, é que procede a idiossincrasia dos
praticantes do Rito Ismaelita contra os católicos romanos, pois estes lembram
os cruzados, tidos como assassinos e bandidos, pelos muçulmanos tradicionalistas,
até os dias de hoje.
A
questão ideológica
Na verdade, tantos judeus quanto árabes
procuram dar á história de Abraão e seus dois filhos claros contornos
ideológicos. Isso porque no direito consuetudinário das tribos orientais é
sempre do filho primogênito o direito de sucessão. Abraão não tinha um filho de
sua esposa oficial, Sarai, por isso usou o expediente comum de tomar uma serva
para gerar esse filho. Esse expediente era comum entre as tribos daqueles
tempos e ainda hoje é observado em algumas tribos beduínas, sendo inclusive
oficializado no próprio direito islâmico, no costume de poligamia observado
entre os muçulmanos.
Para os judeus, entretanto, aceitar que seu
povo tivesse origem no filho de uma escrava não era uma coisa que agradasse
muito. Daí o estratagema imaginado pelos cronistas bíblicos, de fazer Sarai, de
forma milagrosa, gerar um filho na sua velhice, para que Israel não tivesse uma
descendência espúria por parte de mãe.
Então Deus fez nascer Isaque, por divina
providência. E isso subverteu a tradição legal, pois esse “truque” divino, que
se assemelha á uma chicana jurídica, tirou dos árabes o seu legítimo direito á
herança de Abraão.
Assim, a animosidade entre árabes e judeus
teria começado já naqueles tempos, face ao conflito instaurado nas tendas do
patriarca Abraão entre suas duas mulheres e seus respectivos filhos, cada um,
por seu lado reivindicando a herança do velho patriarca. Sarai, a esposa legal
de Abraão venceu a disputa e a concubina de Abraão, Agar, junto com seu filho
Ismael, foram expulsos do acampamento hebreu. Para que o episódio não fosse
contabilizado como uma grosseira injustiça, os cronistas bíblicos compensaram o
deserdado Ismael com a geração dos povos do deserto (como os judeus chamavam os
árabes). Assim, embora árabes e judeus fossem primos irmãos, esse episódio
teria criado um profundo poço de descontentamento e animosidade entre os dois
povos.
Essa animosidade se tornou ainda mais
profunda quando os árabes adotaram a religião de Maomé, o Islã. Embora
sustentando que o Islã é uma continuação do Judaísmo e que o Alcorão é um
complemento da Torá, e Maomé uma espécie de reencarnação de Moisés, o livro
sagrado dos muçulmanos é um tanto ambíguo quanto á relação entre árabes e
judeus. Ao mesmo tempo que instrui os muçulmanos a tratar os judeus como
irmãos, também ordena que os judeus que não se converterem ao Islã sejam
considerados inimigos.
Por seu lado, o Alcorão também é ideológico
nesse ponto. Ele sustenta que era Ismael o filho da promessa que Deus fez a
Abraão e não Isaque. Assim, lançou aos israelitas a acusação de que eles teriam
escamoteado o direito dos árabes.
A hostilidade entre judeus é árabes (ou
palestinos), entretanto, só se tornou violenta depois da Segunda Guerra
Mundial, quando as Nações Unidas permitiram que uma leva de israelitas voltasse
para a Palestina e lá começassem a fundar o novo estado de Israel, que havia
sido abolido definitivamente pelos romanos em 135 da era cristã pelo Imperador
Adriano.
Essa nova repatriação dos judeus (a primeira
havia acontecido após a queda da Babilônia em 538 a C), provocou violenta
reação dos povos que viviam na Palestina, povos estes de cultura árabe. A
maioria das nações de religião muçulmana protestou veementemente contra essa
ocupação e um clima de hostilidade estabeleceu-se entre Israel e as nações
árabes. Originaram-se nesse fato os conflitos que ainda sacodem a Terra Santa
nos dias de hoje. E á medida que Israel amplia seus domínios na região, esse
problema mais se acentua.
O Rito
Ismaelita hoje
A história de Abraão e seus filhos, com suas
derivações, ora inspirada na cabala judaica, ora na tradição muçulmana, esta
última rica em lendas de conteúdo moral, fazem do Rito Ismaelita um repertório
de ensinamentos maçônicos de altíssima relevância.[5]
Segundo informa a Royal Ciclopaedia, (pg.
345), até o final do século XIX, havia no Rito Ismaelita uma seção de graus
políticos que tratavam especificamente da questão israelense/palestina. Essa
seção, entretanto foi suprimida, passando a Ordem de Ismael a praticar uma
maçonaria mais identificada com seus propósitos, que é promover a paz entre os
povos, a educação moral de seus membros e a ajuda mútua entre os Irmãos. Essa
ainda é sua conformação nos dias de hoje, segundo informam seus praticantes.[6]
Operando além das ideologias e das crenças
religiosas, as Lojas maçônicas talvez ainda sejam as mais tolerantes das
assembleias. É nesse sentido que importa conhecer todos os seus ritos e as
tradições, pois como disse o Cavaleiro de Ransay, quando começou a disseminar
pelo mundo a prática maçônica, “Os homens não de distinguem essencialmente
pelas diferentes línguas que falam, as roupas que usam, os países que ocupam,
ou as dignidades com que são investidos. O mundo todo não passa de uma
república onde cada nação é uma família e cada indivíduo um filho. É para fazer
reviver e espalhar estas máximas essenciais, emprestadas da natureza do homem
que a nossa Sociedade(a maçonaria) foi inicialmente estabelecida.”[7]
Essa é uma ideia importante, principalmente
nos dias de hoje, em que parece que os velhos ódios estão sendo ressuscitados e
o conflito ideológico entre Ocidente e Oriente volta a ganhar corpo. Quem sabe
a maçonaria não poderia ser uma ponte entre as margens desse rio que parece se
alargar e se aprofundar cada vez mais?
[1]
Kenneth Makenzie- The Royal Maçonic Cyclopaedia, pg. 344. A Ordem dos Assassinos, em sua estrutura era
uma espécie de continuação dos antigos sicários, Irmandade de assassinos que
existia nos tempos de Jesus, e que tinha por objetivo a pratica de assassinatos
políticos, especialmente de pessoas que colaboravam com os invasores romanos. Durante as
cruzadas, a Irmandade dos Assassinos foi a principal rival dos Templários.
Alguns autores tentam identificar a antiga Ordem dos Assassinos com os
fundamentalistas da atual seita da Jihad, cujos membros são famosos pelas ações
de terrorismo que promovem contra os países do Ocidente. Há quem diga que essa
seita tem ligações com a chamada maçonaria ismaelita, mas nenhuma prova dessa
ligação até hoje foi levantada.
[2]
Royal Ciclopaedia, op citado.
[3] Desenvolvemos essa tese em nosso livro O
Tesouro Arcano, a ser publicado pela Editora Madras.
[4] Essa tradição ainda hoje é observada
pelos judeus. Eles vivem espalhados pelo mundo mas conservam a noção de que são
um povo diferenciado, unido pelo sangue e pela religião, núcleo de uma tradição
fortemente alicerçada na ideia da Irmandade.
[5] Uma dessas fontes de tradição são as
estórias das Mil e Uma Noites, coletânea de contos árabes que resumem, em larga
medida, a filosofia de vida dos povos muçulmanos.
[6]A Royal Ciclopaedia foi publicada
originalmente entre os anos de 1875 e 1877. Hoje, essa animosidade em relação
aos católicos estaria mitigada, segundo informação de praticantes desse rito.
[7] Discurso de André Michel de Ransay,
citado por Jean Palou- Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed. Pensamento, 1978.
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