A Maçonaria na Pós-Modernidade



TAPETES PERSONALIZADOSConsiderando que hoje as pessoas são individualistas, egoístas e pragmáticas, que todos correm atrás da máquina, vivendo um dia-a-dia de stress e muito trabalho, ainda podemos dizer, como Karl Marx, que o homem é o seu trabalho. Como a Maçonaria supõe uma simbologia associada ao trabalho, em princípio ainda há lugar para ela em nossa sociedade. Mas quando pensamos no futuro do trabalho, principalmente a partir da obra de pensadores como Giles Lipovetsky, Domenico De Mais, Mefesoli e Baudrilhard, vemos que a Maçonaria contém uma simbologia que não mais fala ao coração do trabalhador contemporâneo, já que não trata do trabalho intelectual e das relações entre homem e máquina, ou trata do trabalho à distância, por meios virtuais. De outro lado, numa sociedade em que tempo é ouro, ninguém tem tempo, trabalho e ouro para desperdiçar, e ser maçom exige investimento de tempo, dinheiro e dedicação: hoje está valendo a pena isto?

As pessoas não querem ter compromissos semanais que lhes diminua o tempo livre para sair, beber com amigos, namorar, assistir jogos de futebol ou jogá-lo, fazer um curso de pós-graduação, aperfeiçoamento profissional ou atualização cultural. Muitos preferem atividades gastronômicas ou sexuais, ou até trabalhar mais, em horas extras que rendam dinheiro. Enfiar-se num ambiente fechado, sem mulheres, para ouvir discursos e falas pomposas até altas horas, assistir e participar de uma ritualística complicada, que exige atenção, dinheiro e algumas leituras e tarefas, não parece ser um programa muito atraente.

Apesar da Maçonaria não ser uma religião, sua estrutura, trajetória e perspectiva pode ser comparada a da Igreja Católica Apostólica Romana. A Igreja é uma instituição milenar que nasceu entre os judeus sob o jugo de Roma, era, portanto, a religião da ralé. Porém, quando o Imperador Constantino se converteu ao cristianismo, a Igreja tornou-se da noite para o dia a religião dos poderosos, a ponto de se confundir com o próprio Império Romano. Foi quando ao se organizar, a Igreja perseguiu as “heresias” e definiu sua doutrina oficial, reinterpretando o cristianismo de Cristo. Na Idade Média, o Papa coroava imperadores e ninguém acordava e respirava sem pensar em Deus e nos dogmas da Igreja, já que esta estabelecia o que as pessoas podiam pensar ou fazer, sob a ameaça do inferno e da fogueira. Em resposta a tais abusos surge a Reforma Luterana. Com o advento do Renascimento, da imprensa, das grandes navegações e da descoberta do Novo Mundo, estava preparado o terreno para a Revolução Copernicana e Francesa, para o advento do Iluminismo e seu racionalismo científico, que desembocaria no capitalismo nascente. Assim, gradativamente, a Igreja foi perdendo terreno, a ponto de se modernizar para não perecer. A Igreja negociou o Estado do Vaticano, veio João XXIII com o Concílio Ecumênico, Paulo VI e suas viagens, e a Igreja aos poucos abole a batina e a missa em latim, dialoga com outras religiões e retoma sua vocação para os pobres. Surgem as CEBs e a Teologia de Libertação, a Pastoral Operária, a Pastoral Indígena, a Pastoral das Mulheres, etc. Entre tal período e hoje, tivemos João Paulo II e Bento XVI, o que implicou num retrocesso claro, pois a Igreja optou por ser uma reação conservadora à vida pós-moderna e à globalização. A missa em latim retorna, a Teologia de Libertação e suas pastorais foi desmantelada, a Igreja Católica Apostólica Romana se declara a única Igreja cristã legítima, colocando no lixo a proposta ecumênica. O Papa Bento XVI faz declarações críticas ao Islamismo, criando atritos onde antes havia uma distância respeitosa, o celibato sacerdotal se mantém, enfim, são inúmeros os sintomas de conservadorismo e retorno a uma visão antes superada.

Do mesmo modo a Maçonaria atravessou períodos de instabilidade e transformação. A Maçonaria Operativa medieval não é a mesma do período pós-revolução francesa e tampouco é a de hoje.

Se analisarmos as religiões que ainda crescem em nossa época, vemos que a primeira é a religião dos sem-religião, que inclui materialistas ateus e relativistas religiosos, ou seja, aqueles que vivem a religiosidade individualmente, crendo num Deus e praticando a religião de suas cabeças, muitas vezes uma salada religiosa e de doutrinas nem sempre coerente, e muito próxima do paganismo politeísta, principalmente quando vemos a imensa valorização do corpo e da sexualidade em nossa sociedade. A segunda religião que mais cresce é o islamismo, e dentro dele, cresce o fundamentalismo, o que indica que em parte a pós-modernidade aponta para mudanças ou para reações conservadoras a estas mudanças. Daí que em alguns países da Europa o Livro da Lei no ritual maçônico vem sendo representado pela Bíblia judaico-cristã acrescida de outros livros sagrados, inclusive o Corão. E, em certas Lojas, passou-se a aceitar como irmãos pessoas sem uma identidade e prática religiosa específica, ou seja, ateus ou relativistas religiosos. Cabe portanto perguntar: o que significa ser maçom numa época ateia ou num tempo em que ser religioso adquire novos significados?

A ritualística maçônica, apesar de bonita e significativa, não se coaduna com uma época em que todos querem tudo rápido e instantâneo, em que a espiritualidade de doutrinas e o ensinamento de mestres e gurus está disponível em livros, na internet e pessoalmente, em inúmeras seitas e religiões orientais e místicas que possuem representantes no ocidente. Se, na antiguidade, ser maçom era ser iniciado nos mistérios, ou seja, era ter acesso elitizado e restrito a conhecimentos esotéricos, próprio das ciências ocultas, como a numerologia, a magia, a cabala, o misticismo cristão, etc, hoje a iniciação nos mistérios não mais é algo restrito à maçonaria e quase inacessível.

O individualismo e o consumismo materialista exacerbado de nossos dias dificulta uma obra, como a maçônica, que se baseia no trabalho de equipe, no altruísmo, na ajuda mútua solidária, no estudo, numa moral estrita e na crença em valores que hoje estão nitidamente em crise.

No Ritual maçônico encontramos com ênfase a ideia de liberdade, que pode ser pessoal ou coletiva, conseguida por concessão ou conquista, sem ou com luta. Isto porque a Maçonaria defende o livre pensar, e os demais valores da Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. No Capítulo II, artigo 41 da Constituição Maçônica, os direitos listados são: direito de ir e vir; direito de votar e ser votado; direito de julgamento justo; direito de livre crença, opinião e liberdade de expressão. O Liberalismo defendia ainda a propriedade privada e a representatividade através do voto. Já o Democratismo defenderá o sufrágio universal, a ideia do poder como uma delegação do povo, a ênfase no Legislativo e a separação entre os poderes. Ambas as concepções aparecem no cerne do pensamento maçônico.

Tais são os princípios do Liberalismo, doutrina que na Idade Moderna era revolucionária, mas que em tempos de neoliberalismo é conservadora, apesar de alicerce dos valores da civilização ocidental. Por isto a Maçonaria defende o livre comércio, a criação de blocos econômicos, a abertura das fronteiras, a defesa do Estado de Direito, a liberdade de crença e opinião e a liberdade de imprensa.

A origem liberal do pensamento da Maçonaria Moderna é compreensível quando lembramos que a passagem da Maçonaria Operativa à Maçonaria Especulativa deu-se em 1717, com a criação da Grande Loja de Londres, que representou o fim do maçom livre na Loja Livre e o surgimento de uma estrutura maçônica escrita. Em 1723, surgiram as Constituições de Anderson (1684 – 1739), que se tornaram a base da Maçonaria Especulativa, com seus landmarks. Desaguliers foi seu grande propagador, e André Michel Ramsay foi seu renovador, com a introdução do escocismo.

A Declaração de Independência dos EUA, a Revolução Francesa, a Magna Carta inglesa e a independência das repúblicas latinas irão reforçar os valores liberais e a presença maçônica em tais eventos históricos importantes.

Porém, quando se deu o Golpe de 1964, início do período de ditadura militar no Brasil, a Maçonaria colocou no lixo seu mais caro princípio político-ideológico, o Liberalismo, ao se posicionar a favor do Golpe de 1964 e transformar o coronel, depois general, Golbery de Couto e Silva em seu principal porta-voz. A socióloga Tatiana Almeri demonstra no artigo “Guinada para a Direita: da visão liberal ao conservadorismo” que a Maçonaria foi reprimida em praticamente todos os governos totalitários (URSS, Espanha franquista, Alemanha nazista, Iraque de Sadam Hussein, etc) devido à sua tradição liberal, mas que, ao assumir, durante a ditadura militar no Brasil, uma fisionomia conservadora e autoritária, de extrema direita, ela se colocou em contradição flagrante com tudo que sempre defendeu, e em desabono de sua história de glórias, em defesa das liberdades individuais, de governos laicos, do Estado de direito e da independência do Novo Mundo em relação ao colonialismo. Ao assim agir, a Maçonaria brasileira deixou de ser a defensora dos valores mais caros da civilização ocidental, aproximando-se de uma visão fascista, anti-ocidental e antidemocrática. Assim, a Maçonaria brasileira necessita, hoje mais que nunca, modificar sua imagem frente à sociedade, deixando de lado sua cara conservadora, modernizando-se, sem deixar de resgatar os seus mais caros valores universais

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