Cerco israelense agrava situação dos milhares de órfãos da Faixa de Gaza

Operamundi
Mais de 50 mil crianças ficaram sem pai ou mãe no território ocupado
Yousef anda descalço em direção a um quarto de crianças com quatro camas e aponta para uma com uma coberta do Snoopy, próxima à janela. “Ali é onde eu durmo,” ele diz. Um carro de corrida de brinquedo, vermelho, de controle remoto, fica estacionado em cima de um novo mini laptop.
Diferentemente da esmagadora maioria das crianças na Faixa de Gaza, os pés descalços de uma criança de sete anos não são em função da pobreza. Muito pelo contrário: uma casa na SOS Children's Village em Rafah, coordenada por uma ONG, não a deixa esperando por calçados, roupas, materiais escolares, refeições regulares ou uma habitação segura. Leia mais

Sua casa, uma das 14 na vila que hospeda 111 órfãos, é nova, cheia de luz natural e é mais ampla que as espremidas residências de campos de refugiados nas quais mais de 75% da população de Gaza vive.
Yousef, seu irmão e sua irmã mais nova estão entre aqueles que as notícias da Al Jazeera citam como os 53 mil órfãos da Faixa de Gaza. Mais de 2 mil crianças se tornaram órfãs durante a guerra israelense de 2008-2009 em Gaza. Um órfão aqui é definido como uma criança que perdeu seu pai ou ambos os familiares,  já que os homens são tradicionalmente os geradores de renda em Gaza.
O pai de Yousef morreu de causas naturais e sua mãe perdeu uma perna após ter se ferido durante a guerra em Gaza. Então, Yousef e seus irmãos estiveram mais inclinados a se unirem ao número cada vez maior de crianças vendendo bugigangas nas ruas de Gaza, ou vasculhando lixeiras e ruas por reciclagens vendáveis.
“A família já era muito pobre. Agora sua mãe não tem renda nem meios de sustentar seus filhos,” disse Samar, um empregado da SOS Rafah Village. As crianças não teriam finalizado a escola, disse ela, e muito menos teriam sido cuidadas de modo adequado.
Com doações de grupos e patrocinadores individuais, crianças como Yousef podem permanecer na vila SOS onde elas frequentam regularmente uma escola próxima, aprendem habilidades de vida para sua futura independência e têm suas mensalidades universitárias pagas. Suas necessidades médicas são atendidas, e são encorajadas a se misturar com crianças não órfãs e visitarem suas famílias verdadeiras nos finais de semana.
“A qualquer momento suas mães podem visitá-los aqui na vila,” disse Samar. A necessidade de tal financiamento, tanto domiciliar quanto institucional, é imensa. Alguns programas, como o Dar el Yateem possui oito ramos em Gaza que proveem financiamento às crianças, transportes escolares, uniformes escolares e materiais de estudos, e refeições diárias para crianças órfãs.
Durante os feriados muçulmanos, a associação provê alimentação aos órfãos e outras famílias empobrecidas e organizam atividades para as crianças durante o ano. Outras instituições de caridade islâmicas ao longo de Gaza preenchem papéis similares de patrocínio básico e assistência médica infantil.
As necessidades dos órfãos de Gaza aumentaram tão dramaticamente durante os anos que muitas instituições de caridade e ONGs estão tomando papéis ativos no apoio infantil, estendendo o escopo para mães viúvas. “Um dos problemas que enfrentamos é que as pessoas às vezes focam apenas em órfãos cujos parentes foram martirizados pelos ataques israelenses”, conta Hazem Sarraj, presidente do Instituto Amal para Órfãos na Cidade de Gaza. “Mas nós temos muito mais órfãos cujos pais morreram de causas naturais ou por motivos relacionados ao estado de sítio imposto a Gaza. Muitas pessoas em Gaza sofrem depressão em função da situação aqui. Alguns morrem por isso.”
Outras mortes relacionadas ao estado de sítio incluem pacientes que foram proibidos de sair para tratamento médico fora de Gaza, acidentes e incêndios relacionados ao mau uso de geradores durante as interrupções diárias de eletricidade, e homens e jovens mortos nos colapsos de túneis ou eletrocussão devido à fiação precária em túneis estreitos.  “Nós temos 120 órfãos, que tem idade entre 5 e 18, que vivem em nosso instituto", explicaSarraj. “Eles comem e dormem aqui, vão para escolas regulares e visitam suas famílias nos finais de semana.”
Até muitos países cortarem laços com a Faixa de Gaza após Israel impor o estado de sítio em Gaza no início de 2006, o Instituto Amal, estabelecido em 1949, estava funcionando bem e expandindo seus programas. “Todo desenvolvimento em nosso instituto foi interrompido desde o estado de sítio", afirma Sarraj. “Os prédios que temos atualmente nós construímos com dinheiro de bancos islâmicos, ONGs estrangeiras e doadores, antes do bloqueio.”
O instituto garante que as necessidades dos órfãos são atendidas financeiramente, educacionalmente, medicamente e socialmente. Mas Sarraj se preocupa com o financiamento do instituto. “Nossos recursos são muito limitados. Você sabe quanto custa tomar conta de 120 órfãos, provê-los de comida, roupas, medicamentos, e tudo que eles precisam? Nós também temos que pagar salários aos nossos empregados. Somos independentes, não políticos, mas o estado de sítio está nos punindo, punindo nossos órfãos. Nós costumávamos receber mais doações antes do estado de sítio, mas agora arrecadamos muito pouco.”
O instituto continua funcionando sob o sítio, provendo cuidados de qualidade e oferecendo suplementos, como a oportunidade para órfãos estudarem artes marciais e música, e abrindo programas diários para mais de 500 crianças não órfãs na cidade. Como muitas sociedades que ajudam órfãos, aconselhamento é dado para responder aos traumas e sofrimentos que as crianças de Gaza, particularmente os órfãos, suportam. “Até agora nós estamo sofrendo com a última guerra em Gaza,” disse Hazem Sarraj. “Estamos vivendo como em um pesadelo.”
*Reportagem publicada pela IPS

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